Primeira parte
A) o vício
As redes sociais tornaram-se num fenómeno fantástico.
Apresentam-se, tal como um inquérito de rua ou à boca das urnas, como um excelente barómetro da vox populi.
Além disso, possuem a capacidade paradoxal de ao mesmo tempo aproximar (ainda que virtualmente) as pessoas uma das outras, isolando-as e polarizando-as em micro comunidades de indivíduos com opinião semelhante.
Todas as semanas surge uma nova polémica por murais dentro, onde se debate ora apaixonadamente com recurso a argumentos, placebos de argumentos ou tentativas de ridicularização chegando geralmente a puros insultos.
A maior parte das achas para a fogueira visam apenas a criação de ondas de consternação, cujo objectivo final não é debater alguma coisa, mas apenas suscitar adesão emocional – emoções, essas anfetaminas naturais que a Natureza deu aos primatas para lhes guiar comportamentos, proteger contra as garras e os caninos, e seduzir para a vida – adesão emocional essa que se serve de uma suposta análise racional para eclodir.
Ou seja, somos viciados em emoções, particularmente quando elas reforçam a divisão infantil do mundo entre 'nós' e 'eles', e em que o 'nós' se identifica com a luz, e o 'eles' com o lado negro.
Que luxúria essa de demonizar o outro.
Se as emoções pudessem ser assimiladas intravenosamente ou por ingestão oral, em Portugal todas as freguesias teriam um CADE ou Centro de Atendimento ao Dependente de Emoções, que proporia administração de emotodona para recuperação do vício que cada nacional tem por uma boa emoção, fresquinha e arrebatadora.
Perante a insuficiência da oferta, e perante a recusa de monopólio estatal, multiplicar-se-iam os quiosques e bancas de rua com seringas coloridas consoante as emoções a injectar, o que aumentaria o peso do sector privado em tal comércio, criando postos de emprego, numa ordem de magnitude tal, que estimo que teríamos a médio prazo metade da população a abastecer a outra metade, em que uma parte seria exclusivamente consumidora e a outra consumidora/empreendedora.
Os defensores da racionalidade firme, hirta, absoluta não estariam isentos deste tráfico, pois também defenderiam esta primazia de forma apaixonada, alheios à sua fraqueza de primatas.
B) Emociodinâmica
As emoções, ou melhor, as formas de exprimir o sentimento das emoções, estão sujeitas a modas, ou para parecer mais sofisticado, paradigmas.
Como primatas temos um conjunto relativamente compacto e determinado, homogéneo entre indivíduos, de emoções disponíveis para sentir, mas talvez nos últimos 20 anos, a que tem obtido maior preferência e destaque é a emoção de sentimento de superioridade moral.
O 'pipl' não resiste a um bom sentimento de que é moralmente superior ao próximo e que esse sentimento de superioridade traduz directamente uma melhor 'essência' como pessoa, que por sua vez só pode significar que o outro ou é um imbecil, ou nem merece o valor da nossa argumentação, pois estamos tão certos e convencidos acerca da nossa certeza e exactidão, que a solidez argumentativa é apodíctica, auto-evidente. De que se lhe segue que o outro se diverge ou discorda, é o inimigo contra o qual se luta.
Por exemplo, se numa qualquer rede social em que se debata a violência contra as mulheres, se se defender a tese de que os homens também são vítimas de violência doméstica, e nem é preciso negar a ocorrência de violência doméstica em relação às mulheres (o que seria estúpido e facilmente exposto como alucinada mentira), apenas mencionar ao de leve que também existem homens que são agredidos pelas parceiras.
O que acontece em grande parte dos casos, é que se numa polarização fundamentalista em que um sexo, ou seja, um conjunto alargado de indivíduos com algumas características em comum, é identificado como opressor, as excepções que ocorrem contra esse mesmo grupo são não só tratadas como algo de excepcional ou de excepção que confirma a regra, como o simples facto de uma excepção ser evocada, aquele que a evoca é imediatamente identificado com o opressor, pois é uma verdade feita que todos os homens são maus e perigosos, e é retrógado negar a vitimização a quem se vitimiza.
Só o facto rebelde de não se aderir à ladaínha geral, o quer que seja que ela envolva, faz com que cada sujeito mais afoito a evitar o politicamente correcto que compõe o Zeitgeist hodierno, assume automaticamente a sua culpa ante os inquisidores de serviço.
Ou seja, a facilidade com que qualquer indivíduo se identifica com as suas opiniões, aliada à vontade irresistível de ser um 'filho do seu tempo' alguém evoluído e sofisticado, o pináculo dos séculos passados criam uma mistura explosiva de estupidez e fundamentalismo.
*) Desde logo porque nós não somos as nossas opiniões.
Nem cada indivíduo tem acesso privilegiado a todo o campo do real.
O acesso à realidade depende das fontes, da experiência e das circunstâncias.
Depende de factores subjectivos e objectivos que tratam os dados recebidos. Ou seja, fazemos a nossa interpretação do mundo, de acordo com a nossa formação e informação, e também deformação (os viés e limites que a mente humana estruturalmente tem).
**) A sofisticação e evolução são preocupações do indivíduo, enquadrar-se num contexto social, procurar nele a sua identidade, e exprimir-se dentro dessas balizas, são formas de exprimir a sua individualidade. Se a moda é tatuagens, então eu convenço-me de que gostava de ter uma tatuagem na testa para me sentir bem e porque os outros me dão algum tipo de atenção também me dá alguma satisfação. Gosto de pensar que por ter uma tatuagem na testa serei visto pelos outros de determinada forma. As modas são como infecções, nas quais o surto ocorre até à contaminação da maioria das células (indivíduos) até se chegar a um ponto em que a expressão da novidade/prestígio, deixa de o ser.
Hoje em dia quase não existe bípede que não seja tatuado, portanto a mensagem passou a ser não de distinção, mas de aniquilação de individualidade. Já não pensam os outros, que sou um born to be wild por ter um menu de restaurante chinês tatuado sob o tríceps.
***) As modas são tanto estéticas, como éticas, e sendo éticas são também ideológicas.
Existem valores que escalam a adesão ao que os indivíduos consideram 'sagrado' ou intocável.
Desde os gregos antigos que sabemos que nada deve ser considerado sagrado ou alheio à cogitação.
O indivíduo hodierno identifica-se quase que como por osmose com aquilo que considera ser os valores da maioria, aquilo que é esperado dele e que lhe garante a satisfação interna de considerar-se evoluído e civilizado por contraposição aos brutos do passado.
Desta forma podemos ler a polarização e a importância da mesma para o indivíduo, como arrepios completos da actividade reflexiva. Os fundamentalistas existem também, além das fronteiras do Daesh.
C) A epidemia
Parece existir uma dinâmica quase paradoxal na cabeça dos portugueses.
Por um lado convivem mal com a opinião contrária à sua. Ou a rejeitam sem mais pela arrogância de ser contrária, ou nem a digerem, pois ouvir o outro é sinónimo de reconhecer-lhe capacidades e de o ver como alvo de respeito, coisa que um fundamentalista não pode fazer.
Se a minha opinião, por mais imbecil que seja, é a medida com que avalio o mundo, e se os outros pensam pior e diferente de mim, não é necessário aprender com eles.
Revela-se portanto a epidemia de falta de empatia que se espalha por cafés, praças e escritórios deste país.
Esta indigência reflexiva (e falta de humildade) acerca do mundo e dos outros, coincide com o facto de que no ano da graça de Nosso Senhor 2016, nunca tanta gente nesta ocidental praia lusitana possuiu graus académicos, décadas de estudo, e acesso facilitado a tanta informação, o que faria supor um florescimento de opiniões mais elaboradas e informadas.
Conviver mal com opinião divergente, e condições para ter opinião própria mais elaborada pode, sob determinado ponto de vista, parecer paradoxal, e completamente lógico.
SE)tenho condições para ter uma opinião elaborada, não devo tomar em conta a opinião de outros, cuja capacidade ou é ligeiramente inferior ou inferior à minha, para pensar o mundo;
E SE)tenho condições para ter uma opinião elaborada, e se as opiniões são tão variadas, cada um pode defender o que quiser.
Tanta gente formada, faria supor que a formação é equivalente, mas não é.
Se um transeunte desejar opinar sobre termodinâmica com um Engenheiro Mecânico, se nada disso perceber, vai evitar fazer figura de urso. Reconhece de forma inequívoca o maior conhecimento do outro nessa àrea.
Mas se esse mesmo transeunte for confrontado com questões de Filosofia, Sociologia ou Antropologia, por mais jargão técnico com que se invistam as respostas, sentir´-se-à capacitado para responder e dar a sua achega, afinal, ele pensa, e o seu pensamento é tão válido como o dos outros.
Regra geral só o saber exacto é considerado saber técnico. O outro saber, é opinião, o seu grau de complexidade depende apenas de jargão e jajão.
Os portugueses estão cada vez mais isolados e auto-isolados.
As redes sociais são a ilusão que confirma esta regra, criam a ilusão de comunidade, na qual opiniões semelhantes se aglutinam em grupos onde se convive mal com a diferença. Isto cria percepções que distorcem um sentido de realidade adulto, pois polariza em «nós» e «eles», e ainda faculta a falsa ideia de que a semelhança é mais homogénea do que realmente é.
Tenho tatuagens na testa, dou-me apenas com gente que tem e adora tatuagens na testa, e portanto encorajo a ideia de que gente com tatuagens na testa são um grande grupo, tanto quanto penso que tenho mais em comum com gente que tenha esse gosto, que com outro tipo de gente.
Resumindo, a malta polariza-se e organiza-se de acordo com a sua opinião.
Estamos perante a legião de filodoxos.
No passado não existiam livros suficientes para ler à luz da vela.
Hoje em dia a 'net' permite obter informação para justificar e legitimar tudo aos nossos filodoxos.
Desta forma, a formação de opinião e a sua reconfirmação passam a depender menos do acesso à informação, do que do desejo de legitimar a informação ou opinião de que já se dispõe.
D) Posição ganha é para ser mantida
Quem quer que seja que deseje defender a opinião de que o Planeta Terra é o centro do Universo e de que o Sol gravita em torno da Terra, pode tentar encontrar informação na internet que o confirme, se bem que em quantidade inferior à da hipótese heliocentrista.
As paixões arrastadas por geocentristas e heliocentristas nada são por comparação, com aquelas que emanam de assuntos menos técnicos como por exemplo a importante questão acerca do grau masculino da palavra que denota o astro-rei, 'Sol'.
As falanges do politicamente correcto protestam contra esta cedência ao chauvinismo, a conotação de um astro que é de todos e todas, mas que pelo nome está condenado a ser associado à opressão da sociedade patriarcal, que se apoderou do discurso astronómico monopolizando para a ideologia machista a maior e mais próxima reacção termonuclear, que seria bem mais sensível e menos lesiva da pele na praia se o género do Sol fosse feminino e se chamasse por exemplo «Sola».
Uma pequena minoria, que se revoltou contra a opressão dos anti-opressivos riposta com petições e vigílias que defendem a alteração da designação do planeta Terra, numa demonstração além de dúvidas, da reacção contra a opressão matriarcal insinuada na linguagem que designa as coisas.
Adoramos uma boa discussão.
Especialmente se ela permite ou a humilhação e superiorização sobre o outro, ou um registo pacífico e superficial no qual nada de relevante seja debatido.
Isto não é incoerência, é apenas expressão do desejo de não desejar nenhum arrasto de personalidade, nenhuma aventura para fora da sua zona de conforto.
Somos completamente viciados em vitimização / superiorização.
Com elas alimentamos a fornalha emocional da nossa individuação.
Ninguém minimamente saudável de um ponto de vista psicológico, pode negar sofrer influências do meio social e cultural em que vive.
Uns e umas, terão consciência do lugar comum e convencionalidade das suas opiniões, outros e outras nem por isso.
Defender a opinião da moda é uma excelente forma de comprar a aprovação dos outros.
Entra-se num círculo de palmadinhas nas costas, apoiamo-nos uns aos outros enquanto as nossas opiniões se confirmarem entre si.
É pá e toda a gente gosta de um carinho.
E nos tempos que correm é tão fácil ser-se hipócrita atrás de um monitor, que seria um completo desperdício perder essa oportunidade.
O nosso admirável novo mundo actual, faculta o insulto fácil e pronto atrás da segurança de um teclado e como substituto de um argumento pensado e partilhado cara a cara.
Para quê estar-me a maçar com o complexo, difícil e que coloca em causa aquilo que penso acreditar, se é bem mais fácil chamar este gajo de imbecil e gozar com ele, ou tentar com que passe por ridículo, recorrendo à vitimização e ao lugar comum?
Não concordas com ele?
Não estás para ler 3 linhas de texto sem imagens ou desenhos?
Prepara os dizeres brejeiros e jocosos, são a melhor forma de o acossar e calar.
Não queres dar crédito público à posição do outro? Chama-lhe nomes.
Fechá-lo em etiquetas feitas, comunista, machista chauvinista, retrógrado, troll, pessimista, vampiro emocional, insinua que desconhece do que fala.
Quando apertado só o ganhar a discussão interessa, de preferência humilhando o interlocutor.
Não tens pachorra para perceber de onde vem o outro, de lhe dar crédito na elaboração e expressão dos seus raciocínios, e ainda usas isso para o vexar. Enquanto um perde tempo a exprimir-se de forma a ser entendido, o outro procura de forma ardilosa formas de o entalar.
Um preocupado em ordenação racional das palavras, outro na subversão desse esforço apelando a atalhos como a manipulação dos afectos e da retórica que bloqueia a clareza argumentativa.
A intenção nunca é a troca de ideias, apenas o ganhar a discussão, especialmente nas redes sociais, pois a auto-imagem do indivíduo é escrutinada por vários outros, e como o seu amor-próprio depende daquilo que pensa que os outros pensam dele, temos a caldo das emoções entornado.
Nesta manipulação saloia, quem se preocupa na troca honesta de ideias perde quase sempre pois não sabe funcionar ao mesmo nível.
Segunda parte
E) a insustentável inexistência do ser
Um dos mais fecundos temas de motivação dos espasmos emocionais é a suposta guerra dos sexos.
Suposta, pois só existe na cabeça das mulheres e dos hominas (metade homens e metade vaginas).
O homem, enquanto sexo ou género viçoso, orgulhoso da sua condição já não existe.
O mais aproximado que temos é a descrição das feministas dos homens, como brutos, porcos maus, em reedições pelos anos dos vilões dos spaghetti westerns.
Quem tenha atenção à máquina de propaganda comercial, o estereótipo masculino oscila entre o tolo submisso e adorável, ou o bruto desprovido de sofisticação, incapaz de sobreviver na selva urbana sem a superior orientação da companheira.
Lugares comuns como a ideia de que lá em casa manda ela, que está sempre certa, de que as mulheres têm um acesso privilegiado à realidade com o seu suposto 6º sentido, contribuem para a caracterização dos personagens masculinos que o marketing nos impinge, como seres menores e incapazes, autênticas máquina numa perpétua busca de aprovação.
É este o paradigma do homem hodierno.
É este o paradigma da sofisticação, a moda, o objectivo a ser-se.
Alguns reagem, de forma igualmente extremista, generalizando e tratando de forma odiosa as 'mulheres'.
Os piores exemplos servem para caracterizar o todo, «Todos os homens são porcos chauvinistas e violentos.» e os melhores exemplos são descritos em folhetos largados via aérea por bimotores a hélice, onde aparecem as formas de comportamento aceites, ser dócil, submisso, abdicar da sua expressão individual fora do que é permitido (como urrar com futebol, encharcar-se de cerveja com os amigos igualmente tolos, ou ser escravo do seu desejo por gadgets infantis) e a mensagem implícita (que é para mim a genialidade da manipulação do século XX) de que a contricção tem de ser absoluta e não regateável – isto é – muito mal foi feito às mulheres no passado, qualquer homem que o seja tem de assumir por si essa culpa e pagar o preço, a submissão.
Se isso não acontece, se o indivíduo acha que é um preço alto a pagar, entra em cena o plano B.
Exercer controlo através do acesso à vulva. Queres um orgasmo usando o meu corpo? Submete-te.
Os rapazes já não se regozijam de terem nascido rapazes.
São as mulheres que o confirmam. Invariavelmente escutamos as amigas, as ex namoradas, as familiares queixando-se que já não existem homens de jeito, apenas entidades amorfas e bípedes sub humanamente abjectas no que diz respeito à sua expressão de individualidade, que oscila entre a violência física e psicológica com outros (especialmente mulheres) e a codependência de busca incessante de aprovação dos outros (especialmente de mulheres também).
Como já foi dito, cada vez mais a inteligência social se define, não pela capacidade empática de ocupar por empréstimo momentâneo o lugar do outro – percebendo-o – mas pela aceitação budista do direito inalienável do outro em ser imbecil.
Imbecilidade e fundamentalismo andam de mão dada. Se entendermos o fundamentalismo como a negação do discurso do outro, por força de verdades não regateáveis de «nossa» autoria, a imbecilidade partilha esta inexistência militante de capacidade reflexiva.
O fundamentalista nega o discurso do outro, o imbecil obtem comprazimento na sua clausura, conforto na sua aversão. O fundamentalista é parte agente, age em nome das suas crenças, o imbecil reage ou não age. A sua acção é somente defender o seu direito a não agir, ou seja, a manter a sua crença, colocando-a em lugar de igualdade de direito, por mais abstrusa que seja. Independentemente do conteúdo, mas não independentemente da aceitação social desse mesmo conteúdo.
Epá, é a minha opinião tens de respeitar. Seria mais correcto dizer «Eu sou a minha opinião, tens de me respeitar.»
Cada um identifica a opinião própria não como obra em progresso, mas como resultado incontestável de individualidade.
A malta não tem medo de ter uma opinião errada, tem medo de ter uma opinião «correcta» que possa ser publicamente ridicularizada.
Epá, é a minha opinião tens de respeitar. Se eu digo que o Sol gravita em torno da Terra, exijo respeito pela minha pessoa.
Não é o conteúdo que é realçado, mas a proveniência.
A melhor forma de provar este sabor, é manifestar discordância com a tese da opressão patriarcal.
As verdades feitas do nosso tempo, como as de outros tempos passados, são percutores perfeitos para as nossas emoções, para amar e odiar por causa delas, para dar a vida e a morte, para discutir bola enquanto milhares morrem afogados, ou para bloquear alguém que criticou no nosso mural a nossa disponibilidade para usar uma rede social como «o meu querido diário».
Dude escreveu:
«Não concordo com a tese de opressão patriarcal.»
feminista_empedernida escreveu:
«Porco fascista!»
homina_de_serviço escreveu:
«Por causa de cavalgaduras como esta é que o país não vai para a frente!»
moralizador_mor escreveu:
«Inacreditável como no século XXI podes dizer isso, depois do massacre dos Incas, de Treblinka, e da 2ª Guerra Mundial, se és branco, europeu e homem, tens de assumir todos os crimes de todos os homens europeus brancos que cometeram crimes antes de ti. Assumir a culpa implica não poderes discordar de qualquer tese que centre qualquer interpretação fora de um contexto acusatório ou de vitimização.»
bombista_cirúrgica escreveu:
«Incrível haver gente assim, anedótico. Palhaço/retrógrado/atávico/ridículo/ouqualqueroutroinsultogratuitoaopinadoresdivergentes»
O exercício acima simulado, é um esquema básico da estrutura de qualquer debate numa rede social, que se sirva da internet, esse meio fantástico cujos «inventores» sonharam como veículo de troca de ideias.
F) Feios porcos e maus
Ah porco chauvinista.
Malhar no indivíduo masculino graças à verdade feita da unívoca interiorização da culpa milenar por causa da opressão da mulher exercida por gerações de homens passadosque o fizeram de forma deliberada e orquestrada, a coberto de longas noites de conspiração em húmidos subterrâneos, nos saudosos tempos em que nenhum homem era oprimido, por contraposição ao monopólio feminino da submissão. Cada fundamentalista evoca a sua experiência pessoal para legitimar o opróbio milenar que as gerações de homens passados exerceram.
A generalização funciona bem até certo nível.
As mulheres são as vítimas da História, e os homens – esses malandros – só queriam guerrear, pilhar e violar. O mundo seria tão mais cor-de-rosa se as mulheres mandassem mais.
A rainha Victoria em relação à escravatura é tão mais amena retratada como mulher de Estado no seio de tensões terríveis, mas se fosse homem, era um porco imperialista.
A condessa Isabel Bathory aparece como excêntrica e mártir pela sua beleza, ao passo que Vlad Tepes é retratado como um déspota atroz e representante do Reino da Testosterona.
Ambos eram assassinos, mas uma mão feminina num punhal confere mais doce à violência.
O homem bate na mulher, é (correctamente) conotado como criminoso violento. Uma mulher que agride o marido, é igualmente criminosa, mas a tal vox populi de taberna, não raras vezes lhe encontra justificações para o mesmo acto, foram as desilusões, o colapso nervoso decorrente do azar na vida, etc. como se supostamente o homem tivesse, por definição do seu género, de ser um semideus quase isento de defeitos.
Valha-nos a letra da lei, que considera criminoso aquele que agride outro, independentemente do seu sexo.
Há uma maré feminina no feminino.
Estudos de género nas faculdades cujo foco de estudo é entendido não como segregacionista mas como clarificador do papel das mulheres na ciência, partindo do viés metodológico de que sem sombra de dúvida, todos os contributos de mulheres na ciência ou não receberam o crédito 'devido' ou sequer o reconhecimento.
Na história da ciência, podemos evidenciar também a falta de reconhecimento dos cientistas carecas, sempre relegados para segundo plano em relação aos colegas pilosamente mais bastos.
A História faz-se a partir do que se quer mostrar.
Passa a ideia, acredito que de forma não intencional, que as mulheres sempre foram ou parte passiva em tudo o que é mau e activa no que é bom, suportando estoicamente os demandos belicistas e racionalistas dos homens, que as dominavam e oprimiam. Passa a ideia de que o progresso tecnológico foi feito apesar da existência de homens, apesar dessa sombra masculina asfixiante, ansiosa de retirar protagonismo à Gaia incauta.
Se não aderimos a esta narrativa, se não a defendermos, fazemos automaticamente parte da falange patriarca, logo somos o inimigo, ou resquícios de qualquer coisa ultrapassada que urge extirpar da existência. Sem tréguas. Sem perdão.
De lado fica a coerência lógica, e qualquer narrativa não concêntrica, que passa por excêntrica aos olhos de cada imbecil.
Lógica, essa coisa aparentemente masculina que suportou a sociedade tecnocrata contra a qual as «mulheres» sempre lutaram, mas que se esforçam agora por fazer evidenciar o contributo.
Leva a que se pergunte, então se a história é o relato da sociedade patriarcal opressora, evidenciar os feitos das mulheres nos estudos de género, não é identificar o feminino com a opressão que se critica?
Ah, mas nem tudo o que é civilizacional é mau, há muita coisa boa.
O melhor claro é responsabilidade das mulheres. E só não é melhor porque elas não têm mais poder.
Voltemos a questionar, as mulheres dos esclavagistas transatlânticos amoleceram os corações dos seus esposos, contribuindo para a redução de indivíduos escravizados?
Sofreram em silêncio guardando apertado no peito sob o espartilho, o sofrimento adivinhado dos negros?
Ou beneficiaram de igual forma que os seus companheiros, na exploração desse comércio?
As esposas dos donos de Treblinka provocaram graves conflictos morais nas mentes dos algozes?
Como se pode continuar a contribuir para o odioso acto de perpetuação da culpa através das gerações, por causa da mordaça patriarcal, quando a mulher lucrou de igual modo nas contas gerais de perpetuação e expansão dos genes?
O discurso ou sequer insinuação que culpabiliza o homem, por tudo o que é mau e rasteiro é apenas um discurso de poder ao mesmo tempo que branqueamento da responsabilidade das «mulheres» pela história violenta e velhaca que é responsabilidade da espécie e não do género.
Por isso encaro o discurso dominante como uma moda, e não como consequência de um avanço científico das ciências sociais.
G) A boa, a má e a vilã
Partilho 3 exemplos observados em 1a mão.
1) Finais dos anos 90, aula de Antrologia e Cultura, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, uma docente alerta para a necessidade de escapar ao determinismo linguístico machista, que promove a desigualdade de género no seio do protagonismo da nossa espécie Sapiens sapiens – como? Evitando denotar a espécie humana no seu geral como o «Homem», mas como «Homem/Mulher»;
2) Primeira década do novo milénio, aula de História da Expansão Portuguesa na mesma Faculdade, dois discentes acometidos de auto-flagelismo primário ridicularizavam a explicação dada pelo docente acerca da progressão marítima portuguesa nas costas da Guiné, emitindo juízos de valor através de comentários jocosos, pressionando o docente a basicamente encolher os ombros e desculpar-se por aquela crítica aberta à «mentalidade» e pathos português e implicitamente à globalização.
Não pude resistir e perguntei aos argutos discentes se tinham noção de que estavam a emitir juízos de valor de forma pouco científica, sobre uma sociedade na passagem da medievalidade à Idade Moderna, a partir de uma mentalidade pós-industrial.
Perguntei também ao docente se estávamos numa aula de História ou num auto-de-fé na medida em que não acreditava eu ter alguma coisa a ver com os portugueses que comerciavam escravos e/ou praticavam actos de canibalismo para com os negros em casos de naufrágios, que nada tinha a ver com esses portugueses semi medievais que dividiam os lucros do tráfico esclavagista com os chefes tribais negros que fomentavam esse mesmo tráfico.
Sim, parece que nem eram os portugueses responsáveis pela parte de leão do comércio de escravos.
3) Numa aula de História de Portugal Moderno, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, um docente, historiador célebre, confessa-se acérrimo feminista.
«Oh diabo!» pensei.
Mas feminismo não é uma espécie de racismo?
Posteriormente aprendi que existem duas grandes teorias nesta temática.
A primeira é a teoria do cobertor, e a segunda é a teoria do mama todos por igual.
A teoria do cobertor defende que no caso da defesa dos direitos das mulheres, essa mesma defesa não pode ser feita sem limitação ou subtracção dos supostos direitos dos homens.
Da mesma forma que um casal luta no Inverno por um cobertor demasiado diminuto para os dois, há sempre um que fica ao frio.
A teoria do mamam todos por igual pretende fazer estender os mesmos direitos a ambos os géneros.
Relembro que os 3 exemplos acima citados ocorreram em ambiente universitário das chamadas ciências humanas, onde existe uma desproporção avassaladora entre o número de discentes de sexo masculino em menor número, em relação aos discentes de sexo feminino.
Espelham bem, na minha opinião a cultura de vitimização e feminização transversal na nossa sociedade e mentalidade.
Algumas figuras da nossa cultura pop como por exemplo a senhora Joana Amaral Dias, não se inibem na emissão de juízos claramente inquinados e parciais sobre esta temática. A referida senhora, implicitamente exprimindo uma suposta superioridade intelectual feminina, em declarações televisionadas, disse que não compreendia como é que as mulheres tinham ainda pouca expressão em lugares de «topo» visto que terminavam em maior número (e qualidade?) os cursos universitários.
Este tipo de declarações, além da importância e da falta de necessidade de refinamento estatístico mostram que é causa de surpresa geral que os broncos dos homens (mais burros ou menos motivados) consigam dominar milenarmente as mulheres, se nem cursos universitários de 3 anos conseguem terminar.
Como é que a sociedade patriarcal conseguiu dominar o mundo até hoje mesmo em tempos que nem homens nem mulheres sabiam ler ou escrever. Só mesmo através da força. E da conspiração colectiva.
Outro motivo de surpresa reside no facto de nesta sociedade industrial, os papalvos dos homens serem os maiores criadores de artefactos que visam aliviar a escravidão do alvo da sua sanha opressora.
Esses tiranos pérfidos e velhacos afinal parecem ter a maior vontade de manter as «mulheres» numa gaiola dourada, investindo energia criativa e esforço criando condições que aumentem o conforto e bem estar das fêmeas, como seja o caso dos electrodomésticos, inventados em grande parte nas Universidades onde o estrogénio não abunda, e onde a estatística demográfica da senhora Joana Amaral Dias não se aplica.
Mas temos de concordar com essa ideia sussurrada mas pouco assumida, de que as mulheres, apesar de uma caixa craniana inferior para a mesma estrutura cerebral, conseguem mais inteligência. A testosterona deve ter alguma influência nisso. Então não é que os burros dos homens metem-se em guerras após guerras, andando entretidos a morrer, levando a que no século XX a mulher saisse do lava loiça para a fábrica e para o escritório podendo assim criar o balanço para se tornar independente financeiramente?
Como explicar a burrice dos homens que através de um homem de 26 anos em 1951, fez a síntese da Noretindrona, abrindo assim caminho para a pílula contraceptiva que viria a dar às mulheres finalmente, controlo sobre o seu corpo, controlando a concepção? Como explicar que foi o homem no laboratório que mais contribuiu para a liberdade das mulheres desde que Eva trincou a maçã?
São tão broncos estes homens, e mal organizados, que nem conseguem manter uma conspiração mundial milenarmente egrégia.
Ah, é porque eles dominam os centros políticos e a Academia.
Não se percebe como é que este género que conspira contra as mulheres, não é unido (senão para conspirar) e se lança aos milhões para a sua aniquilação no Somme ou em Estalinegrado.
Género estranho, o masculino.
H) Os géneros são iguais, mas uns são mais iguais que outros
O paradigma corrente, ou moda, caracteriza-se por uma noção de igualdade que implica uma vitimização, e não há vitimização sem flagelização contínua do opressor.
Sem remissão. Sem perdão. Sem excepção.
Por isso o feminista é fundamentalista. Por isso o fundamentalista é imbecil.
Eu penso que não se deveria pactuar com este paradigma de «feminismo».
Mas por motivos de impregnação e dimensão, o indivíduo vê-se como lesma em salina à procura de cana de açúcar.
Apenas pode o indivíduo resistir e encontrar forma de lidar com as pressões e insultos daí resultantes.
Não há forma de se soltar, senão exprimindo-se a si mesmo, individuando-se, independentemente das opiniões de mulheres demasiado zelosas e de hominas.
O «feminismo» de Verão que é dogma hoje em dia, visa substituir uma suposta opressão por uma opressão imposta. Imposta e auto-imposta.
O indivíduo tem de redimir-se de ter nascido com pilinha.
Jovem, tens pila e o azar de ter testosterona «a mais»? 500 Pais Nossos e 1000 Avé Marias.
Livra-te e arrepende-te desse pecado.
Como já havia sido mencionado, ninguém tem de se culpabilizar ou de ir contra a sua consciência por causa de crimes cometidos na costa da Guiné ou se os números da violência doméstica contra as mulheres são aterradores.
Cada indivíduo é responsável por si e a lei enquadra os excessos tolerados e não tolerados.
Que tenho eu ou o meu género a ver com dezenas de criminosos violando mulheres na Índia ou no Brasil?
Que culpa tem qualquer homem psicologicamente saudável em relação a grelhados de bruxa ou à cultura de brincar com lâminas e clitóris?
Ninguém tem de assumir como sua a responsabilidade em crimes de outros, ou assumir culpa por não ter nascido com o poder de decisão sexual que vem de fábrica com uma vagina.
Seria bom que cada indivíduo assumisse apenas o esforço duplo e continuado de :
1) tratar qualquer próximo de forma igual independentemente do seu sexo;
2) resistir tanto quanto a sua observação lhe permite, à ideologia de uma sociedade hipersexualizada e hipócrita, que mistifica a juventude quase infantil, de corpo e de espírito, que uniformiza o poder sexual na mulher ao mesmo tempo que mercantiliza o seu corpo em ciclo de violação do ponto 1.
Esta não é a igualdade que a maior parte das mulheres quer.
Não tenho de ficar ressentido com isso.
Ficava ressentido quando tinha como crença que as raparigas são feitas de doce e algodão, e os rapazes de pedras e cobras.
Cada vez se torna mais evidente o essencial do acessório, e o fascínio de uma personalidade bem torneada torna-se cada vez mais apelativo.
Não há nada de mal em procurar tirar partido das vantagens que se tem na vida.
Pessoas que nascem com contornos dérmicos apelativos sob boa estrutura óssea devem aproveitar a sorte que lhes coube.
Mesmo que isso implique que cada vez mais as mulheres bonitas, (a maior parte pois a beleza é vulgar) interiorizem a ideia de que por alguma ignota razão os homens e o mundo lhes deve vassalagem e admiração.
Chamo a isto a mentalidade de Prometeu (desconheço um Prometeu feminino). Os ossos vão para os deuses, os quais tememos e odiamos por estarmos submissos a eles.
A carne boa fica connosco (humanos).
No caso das mulheres, além de uma superior inteligência, como suspeitou Joana Amaral Dias, no seu comentário, conjuga-se também uma maior esperança média de vida.
Um género que é mais inteligente e mais resistente quer às doenças quer à dureza da vida, só pode receber admiração por nessa sorte que lhe cabe, reivindicar mais e melhor parte do presunto da vida.
Por exemplo, os tais cargos de «topo». Nunca vi uma manifestação de mulheres exigindo o direito de desempenhar os trabalhos mal pagos e considerados que a maior parte dos homens desempenha, mas posso estar enganado pois sou pouco viajado.
Há outro mito que merece análise, acerca da suposta superioridade espiritual, dos sentidos ocultos, da intuição, da maior empatia da mulher em relação ao homem.
Aqui o espanto atinge o seu zénite.
O género mais inteligente, mais resiliente fisicamente, com ferramentas conceptuais e não conceptuais para tratar a informação do ambiente em que está inserido, sucumbe vítima única e exclusivamente por ter menos força física?
Tem de facto o homem as costas mais largas, literalmente e não só.
O mesmo homem que lhe paga bebidas no bar, lhes abre as portas, lhes faculta o lugar no autocarro cheio, ou que lança o casaco sobre a poça de lama para ela não enlamear os delicados pés.
Porque é cavalheiro, e porque ser cavalheiro é o que o homem deve ser, abdicar de si em detrimento de um sexo mais fraco (!), porque é de bom tom.
Quantas vezes ouvimos nos media que morreram n pessoas em tal catástrofe, entre as quais x mulheres e y crianças, como se o facto de o sexo ou a idade aumentassem ou tornassem mais trágico a morte de uma data de gente em determinada catástrofe.
Também já ouvi relatos sobre a morte de x pessoas e y jornalistas, como se pelo facto de ser jornalista de profissão mereça destaque em relação aos outros cadáveres.
É o mundo que temos, parece.
As pessoas teoricamente são todas iguais mas umas mais iguais que outras.
As conversas de café (as tais baseadas exclusivamente na experiência e opinião própria que tem de se respeitar porque é a dignidade social do orador que está em jogo) vão dar sempre ao mesmo:
a)os homens são uns cabrões querem é sexo, boa vida, fazem os filhos, e depois dão à sola e as mulheres é que os criam;
b)sempre que podem cometem adultério, e são os totalistas da violência doméstica.
Pouca gente debate, ou sabe sequer que apesar de ser um flagelo, inaceitável, uma tragédia, a violência de género, contra as mulheres, é ainda assim uma reduzida parte no bolo da criminalidade violenta.
Existe também criminalidade no feminino, por isso existem prisões femininas.
Que se saiba, quer homens quer mulheres, mentem, manipulam, cometem adultério, matam os filhos, abusam de crianças.
Já incorri no erro de entrar no jogo da culpa, de um género inteiro, como forma de exorcizar as minhas falhas enquanto pessoa. E é isso que eu vejo na maior parte dos discursos de poder feministas, e até no meu monólogo interno.
Paguei por isso, até descobrir que também existiam mulheres feitas de pau e pedra.
E homens de algodão e doce.
Penso, e é essa a razão desta primeira parte de texto, que assumir cada um e uma, a firme resolução de não contribuir para o peditório desta sociedade comercial que se aproveita de estereótipos de supostas guerras entre sexos, para continuar os níveis de consumo, vamos continuar no mesmo registo de estupidez.
Enquanto cada um ceder ao mantra da vitimização, do tirar vantagem sem alguma elevação de espírito, vamos todos cair no fundamentalismo e na imbecilidade a que isso conduz.
Continuar a espalhar pelo mundo (que nos dá palmadinhas nas costas por isso) que o Sol orbita em torno da Terra, que se devia chamar «Sola» em nada vai adiantar senão revelar o ressentimento latente em cada indíviduo.
Actualmente já não acho graça a esse discurso e tenho pouca paciência para ele.
Assim que escuto alguém falar acerca do quão mau as mulheres o têm (os azares da existência), o meu limiar de atenção reduz-se e esforço-me por não pensar judicativamente acerca da sofisticação mental do orador ou da oradora.
Não é negar a ocorrências de abusos e dramas, e violência na História.
É não capitalizar de forma oportunista sobre eles.
Tu, se gostas de ser vítima, dá-lhe.
Não te esqueças contudo que o teu opressor és tu.
A) o vício
As redes sociais tornaram-se num fenómeno fantástico.
Apresentam-se, tal como um inquérito de rua ou à boca das urnas, como um excelente barómetro da vox populi.
Além disso, possuem a capacidade paradoxal de ao mesmo tempo aproximar (ainda que virtualmente) as pessoas uma das outras, isolando-as e polarizando-as em micro comunidades de indivíduos com opinião semelhante.
Todas as semanas surge uma nova polémica por murais dentro, onde se debate ora apaixonadamente com recurso a argumentos, placebos de argumentos ou tentativas de ridicularização chegando geralmente a puros insultos.
A maior parte das achas para a fogueira visam apenas a criação de ondas de consternação, cujo objectivo final não é debater alguma coisa, mas apenas suscitar adesão emocional – emoções, essas anfetaminas naturais que a Natureza deu aos primatas para lhes guiar comportamentos, proteger contra as garras e os caninos, e seduzir para a vida – adesão emocional essa que se serve de uma suposta análise racional para eclodir.
Ou seja, somos viciados em emoções, particularmente quando elas reforçam a divisão infantil do mundo entre 'nós' e 'eles', e em que o 'nós' se identifica com a luz, e o 'eles' com o lado negro.
Que luxúria essa de demonizar o outro.
Se as emoções pudessem ser assimiladas intravenosamente ou por ingestão oral, em Portugal todas as freguesias teriam um CADE ou Centro de Atendimento ao Dependente de Emoções, que proporia administração de emotodona para recuperação do vício que cada nacional tem por uma boa emoção, fresquinha e arrebatadora.
Perante a insuficiência da oferta, e perante a recusa de monopólio estatal, multiplicar-se-iam os quiosques e bancas de rua com seringas coloridas consoante as emoções a injectar, o que aumentaria o peso do sector privado em tal comércio, criando postos de emprego, numa ordem de magnitude tal, que estimo que teríamos a médio prazo metade da população a abastecer a outra metade, em que uma parte seria exclusivamente consumidora e a outra consumidora/empreendedora.
Os defensores da racionalidade firme, hirta, absoluta não estariam isentos deste tráfico, pois também defenderiam esta primazia de forma apaixonada, alheios à sua fraqueza de primatas.
B) Emociodinâmica
As emoções, ou melhor, as formas de exprimir o sentimento das emoções, estão sujeitas a modas, ou para parecer mais sofisticado, paradigmas.
Como primatas temos um conjunto relativamente compacto e determinado, homogéneo entre indivíduos, de emoções disponíveis para sentir, mas talvez nos últimos 20 anos, a que tem obtido maior preferência e destaque é a emoção de sentimento de superioridade moral.
O 'pipl' não resiste a um bom sentimento de que é moralmente superior ao próximo e que esse sentimento de superioridade traduz directamente uma melhor 'essência' como pessoa, que por sua vez só pode significar que o outro ou é um imbecil, ou nem merece o valor da nossa argumentação, pois estamos tão certos e convencidos acerca da nossa certeza e exactidão, que a solidez argumentativa é apodíctica, auto-evidente. De que se lhe segue que o outro se diverge ou discorda, é o inimigo contra o qual se luta.
Por exemplo, se numa qualquer rede social em que se debata a violência contra as mulheres, se se defender a tese de que os homens também são vítimas de violência doméstica, e nem é preciso negar a ocorrência de violência doméstica em relação às mulheres (o que seria estúpido e facilmente exposto como alucinada mentira), apenas mencionar ao de leve que também existem homens que são agredidos pelas parceiras.
O que acontece em grande parte dos casos, é que se numa polarização fundamentalista em que um sexo, ou seja, um conjunto alargado de indivíduos com algumas características em comum, é identificado como opressor, as excepções que ocorrem contra esse mesmo grupo são não só tratadas como algo de excepcional ou de excepção que confirma a regra, como o simples facto de uma excepção ser evocada, aquele que a evoca é imediatamente identificado com o opressor, pois é uma verdade feita que todos os homens são maus e perigosos, e é retrógado negar a vitimização a quem se vitimiza.
Só o facto rebelde de não se aderir à ladaínha geral, o quer que seja que ela envolva, faz com que cada sujeito mais afoito a evitar o politicamente correcto que compõe o Zeitgeist hodierno, assume automaticamente a sua culpa ante os inquisidores de serviço.
Ou seja, a facilidade com que qualquer indivíduo se identifica com as suas opiniões, aliada à vontade irresistível de ser um 'filho do seu tempo' alguém evoluído e sofisticado, o pináculo dos séculos passados criam uma mistura explosiva de estupidez e fundamentalismo.
*) Desde logo porque nós não somos as nossas opiniões.
Nem cada indivíduo tem acesso privilegiado a todo o campo do real.
O acesso à realidade depende das fontes, da experiência e das circunstâncias.
Depende de factores subjectivos e objectivos que tratam os dados recebidos. Ou seja, fazemos a nossa interpretação do mundo, de acordo com a nossa formação e informação, e também deformação (os viés e limites que a mente humana estruturalmente tem).
**) A sofisticação e evolução são preocupações do indivíduo, enquadrar-se num contexto social, procurar nele a sua identidade, e exprimir-se dentro dessas balizas, são formas de exprimir a sua individualidade. Se a moda é tatuagens, então eu convenço-me de que gostava de ter uma tatuagem na testa para me sentir bem e porque os outros me dão algum tipo de atenção também me dá alguma satisfação. Gosto de pensar que por ter uma tatuagem na testa serei visto pelos outros de determinada forma. As modas são como infecções, nas quais o surto ocorre até à contaminação da maioria das células (indivíduos) até se chegar a um ponto em que a expressão da novidade/prestígio, deixa de o ser.
Hoje em dia quase não existe bípede que não seja tatuado, portanto a mensagem passou a ser não de distinção, mas de aniquilação de individualidade. Já não pensam os outros, que sou um born to be wild por ter um menu de restaurante chinês tatuado sob o tríceps.
***) As modas são tanto estéticas, como éticas, e sendo éticas são também ideológicas.
Existem valores que escalam a adesão ao que os indivíduos consideram 'sagrado' ou intocável.
Desde os gregos antigos que sabemos que nada deve ser considerado sagrado ou alheio à cogitação.
O indivíduo hodierno identifica-se quase que como por osmose com aquilo que considera ser os valores da maioria, aquilo que é esperado dele e que lhe garante a satisfação interna de considerar-se evoluído e civilizado por contraposição aos brutos do passado.
Desta forma podemos ler a polarização e a importância da mesma para o indivíduo, como arrepios completos da actividade reflexiva. Os fundamentalistas existem também, além das fronteiras do Daesh.
C) A epidemia
Parece existir uma dinâmica quase paradoxal na cabeça dos portugueses.
Por um lado convivem mal com a opinião contrária à sua. Ou a rejeitam sem mais pela arrogância de ser contrária, ou nem a digerem, pois ouvir o outro é sinónimo de reconhecer-lhe capacidades e de o ver como alvo de respeito, coisa que um fundamentalista não pode fazer.
Se a minha opinião, por mais imbecil que seja, é a medida com que avalio o mundo, e se os outros pensam pior e diferente de mim, não é necessário aprender com eles.
Revela-se portanto a epidemia de falta de empatia que se espalha por cafés, praças e escritórios deste país.
Esta indigência reflexiva (e falta de humildade) acerca do mundo e dos outros, coincide com o facto de que no ano da graça de Nosso Senhor 2016, nunca tanta gente nesta ocidental praia lusitana possuiu graus académicos, décadas de estudo, e acesso facilitado a tanta informação, o que faria supor um florescimento de opiniões mais elaboradas e informadas.
Conviver mal com opinião divergente, e condições para ter opinião própria mais elaborada pode, sob determinado ponto de vista, parecer paradoxal, e completamente lógico.
SE)tenho condições para ter uma opinião elaborada, não devo tomar em conta a opinião de outros, cuja capacidade ou é ligeiramente inferior ou inferior à minha, para pensar o mundo;
E SE)tenho condições para ter uma opinião elaborada, e se as opiniões são tão variadas, cada um pode defender o que quiser.
Tanta gente formada, faria supor que a formação é equivalente, mas não é.
Se um transeunte desejar opinar sobre termodinâmica com um Engenheiro Mecânico, se nada disso perceber, vai evitar fazer figura de urso. Reconhece de forma inequívoca o maior conhecimento do outro nessa àrea.
Mas se esse mesmo transeunte for confrontado com questões de Filosofia, Sociologia ou Antropologia, por mais jargão técnico com que se invistam as respostas, sentir´-se-à capacitado para responder e dar a sua achega, afinal, ele pensa, e o seu pensamento é tão válido como o dos outros.
Regra geral só o saber exacto é considerado saber técnico. O outro saber, é opinião, o seu grau de complexidade depende apenas de jargão e jajão.
Os portugueses estão cada vez mais isolados e auto-isolados.
As redes sociais são a ilusão que confirma esta regra, criam a ilusão de comunidade, na qual opiniões semelhantes se aglutinam em grupos onde se convive mal com a diferença. Isto cria percepções que distorcem um sentido de realidade adulto, pois polariza em «nós» e «eles», e ainda faculta a falsa ideia de que a semelhança é mais homogénea do que realmente é.
Tenho tatuagens na testa, dou-me apenas com gente que tem e adora tatuagens na testa, e portanto encorajo a ideia de que gente com tatuagens na testa são um grande grupo, tanto quanto penso que tenho mais em comum com gente que tenha esse gosto, que com outro tipo de gente.
Resumindo, a malta polariza-se e organiza-se de acordo com a sua opinião.
Estamos perante a legião de filodoxos.
No passado não existiam livros suficientes para ler à luz da vela.
Hoje em dia a 'net' permite obter informação para justificar e legitimar tudo aos nossos filodoxos.
Desta forma, a formação de opinião e a sua reconfirmação passam a depender menos do acesso à informação, do que do desejo de legitimar a informação ou opinião de que já se dispõe.
D) Posição ganha é para ser mantida
Quem quer que seja que deseje defender a opinião de que o Planeta Terra é o centro do Universo e de que o Sol gravita em torno da Terra, pode tentar encontrar informação na internet que o confirme, se bem que em quantidade inferior à da hipótese heliocentrista.
As paixões arrastadas por geocentristas e heliocentristas nada são por comparação, com aquelas que emanam de assuntos menos técnicos como por exemplo a importante questão acerca do grau masculino da palavra que denota o astro-rei, 'Sol'.
As falanges do politicamente correcto protestam contra esta cedência ao chauvinismo, a conotação de um astro que é de todos e todas, mas que pelo nome está condenado a ser associado à opressão da sociedade patriarcal, que se apoderou do discurso astronómico monopolizando para a ideologia machista a maior e mais próxima reacção termonuclear, que seria bem mais sensível e menos lesiva da pele na praia se o género do Sol fosse feminino e se chamasse por exemplo «Sola».
Uma pequena minoria, que se revoltou contra a opressão dos anti-opressivos riposta com petições e vigílias que defendem a alteração da designação do planeta Terra, numa demonstração além de dúvidas, da reacção contra a opressão matriarcal insinuada na linguagem que designa as coisas.
Adoramos uma boa discussão.
Especialmente se ela permite ou a humilhação e superiorização sobre o outro, ou um registo pacífico e superficial no qual nada de relevante seja debatido.
Isto não é incoerência, é apenas expressão do desejo de não desejar nenhum arrasto de personalidade, nenhuma aventura para fora da sua zona de conforto.
Somos completamente viciados em vitimização / superiorização.
Com elas alimentamos a fornalha emocional da nossa individuação.
Ninguém minimamente saudável de um ponto de vista psicológico, pode negar sofrer influências do meio social e cultural em que vive.
Uns e umas, terão consciência do lugar comum e convencionalidade das suas opiniões, outros e outras nem por isso.
Defender a opinião da moda é uma excelente forma de comprar a aprovação dos outros.
Entra-se num círculo de palmadinhas nas costas, apoiamo-nos uns aos outros enquanto as nossas opiniões se confirmarem entre si.
É pá e toda a gente gosta de um carinho.
E nos tempos que correm é tão fácil ser-se hipócrita atrás de um monitor, que seria um completo desperdício perder essa oportunidade.
O nosso admirável novo mundo actual, faculta o insulto fácil e pronto atrás da segurança de um teclado e como substituto de um argumento pensado e partilhado cara a cara.
Para quê estar-me a maçar com o complexo, difícil e que coloca em causa aquilo que penso acreditar, se é bem mais fácil chamar este gajo de imbecil e gozar com ele, ou tentar com que passe por ridículo, recorrendo à vitimização e ao lugar comum?
Não concordas com ele?
Não estás para ler 3 linhas de texto sem imagens ou desenhos?
Prepara os dizeres brejeiros e jocosos, são a melhor forma de o acossar e calar.
Não queres dar crédito público à posição do outro? Chama-lhe nomes.
Fechá-lo em etiquetas feitas, comunista, machista chauvinista, retrógrado, troll, pessimista, vampiro emocional, insinua que desconhece do que fala.
Quando apertado só o ganhar a discussão interessa, de preferência humilhando o interlocutor.
Não tens pachorra para perceber de onde vem o outro, de lhe dar crédito na elaboração e expressão dos seus raciocínios, e ainda usas isso para o vexar. Enquanto um perde tempo a exprimir-se de forma a ser entendido, o outro procura de forma ardilosa formas de o entalar.
Um preocupado em ordenação racional das palavras, outro na subversão desse esforço apelando a atalhos como a manipulação dos afectos e da retórica que bloqueia a clareza argumentativa.
A intenção nunca é a troca de ideias, apenas o ganhar a discussão, especialmente nas redes sociais, pois a auto-imagem do indivíduo é escrutinada por vários outros, e como o seu amor-próprio depende daquilo que pensa que os outros pensam dele, temos a caldo das emoções entornado.
Nesta manipulação saloia, quem se preocupa na troca honesta de ideias perde quase sempre pois não sabe funcionar ao mesmo nível.
Segunda parte
E) a insustentável inexistência do ser
Um dos mais fecundos temas de motivação dos espasmos emocionais é a suposta guerra dos sexos.
Suposta, pois só existe na cabeça das mulheres e dos hominas (metade homens e metade vaginas).
O homem, enquanto sexo ou género viçoso, orgulhoso da sua condição já não existe.
O mais aproximado que temos é a descrição das feministas dos homens, como brutos, porcos maus, em reedições pelos anos dos vilões dos spaghetti westerns.
Quem tenha atenção à máquina de propaganda comercial, o estereótipo masculino oscila entre o tolo submisso e adorável, ou o bruto desprovido de sofisticação, incapaz de sobreviver na selva urbana sem a superior orientação da companheira.
Lugares comuns como a ideia de que lá em casa manda ela, que está sempre certa, de que as mulheres têm um acesso privilegiado à realidade com o seu suposto 6º sentido, contribuem para a caracterização dos personagens masculinos que o marketing nos impinge, como seres menores e incapazes, autênticas máquina numa perpétua busca de aprovação.
É este o paradigma do homem hodierno.
É este o paradigma da sofisticação, a moda, o objectivo a ser-se.
Alguns reagem, de forma igualmente extremista, generalizando e tratando de forma odiosa as 'mulheres'.
Os piores exemplos servem para caracterizar o todo, «Todos os homens são porcos chauvinistas e violentos.» e os melhores exemplos são descritos em folhetos largados via aérea por bimotores a hélice, onde aparecem as formas de comportamento aceites, ser dócil, submisso, abdicar da sua expressão individual fora do que é permitido (como urrar com futebol, encharcar-se de cerveja com os amigos igualmente tolos, ou ser escravo do seu desejo por gadgets infantis) e a mensagem implícita (que é para mim a genialidade da manipulação do século XX) de que a contricção tem de ser absoluta e não regateável – isto é – muito mal foi feito às mulheres no passado, qualquer homem que o seja tem de assumir por si essa culpa e pagar o preço, a submissão.
Se isso não acontece, se o indivíduo acha que é um preço alto a pagar, entra em cena o plano B.
Exercer controlo através do acesso à vulva. Queres um orgasmo usando o meu corpo? Submete-te.
Os rapazes já não se regozijam de terem nascido rapazes.
São as mulheres que o confirmam. Invariavelmente escutamos as amigas, as ex namoradas, as familiares queixando-se que já não existem homens de jeito, apenas entidades amorfas e bípedes sub humanamente abjectas no que diz respeito à sua expressão de individualidade, que oscila entre a violência física e psicológica com outros (especialmente mulheres) e a codependência de busca incessante de aprovação dos outros (especialmente de mulheres também).
Como já foi dito, cada vez mais a inteligência social se define, não pela capacidade empática de ocupar por empréstimo momentâneo o lugar do outro – percebendo-o – mas pela aceitação budista do direito inalienável do outro em ser imbecil.
Imbecilidade e fundamentalismo andam de mão dada. Se entendermos o fundamentalismo como a negação do discurso do outro, por força de verdades não regateáveis de «nossa» autoria, a imbecilidade partilha esta inexistência militante de capacidade reflexiva.
O fundamentalista nega o discurso do outro, o imbecil obtem comprazimento na sua clausura, conforto na sua aversão. O fundamentalista é parte agente, age em nome das suas crenças, o imbecil reage ou não age. A sua acção é somente defender o seu direito a não agir, ou seja, a manter a sua crença, colocando-a em lugar de igualdade de direito, por mais abstrusa que seja. Independentemente do conteúdo, mas não independentemente da aceitação social desse mesmo conteúdo.
Epá, é a minha opinião tens de respeitar. Seria mais correcto dizer «Eu sou a minha opinião, tens de me respeitar.»
Cada um identifica a opinião própria não como obra em progresso, mas como resultado incontestável de individualidade.
A malta não tem medo de ter uma opinião errada, tem medo de ter uma opinião «correcta» que possa ser publicamente ridicularizada.
Epá, é a minha opinião tens de respeitar. Se eu digo que o Sol gravita em torno da Terra, exijo respeito pela minha pessoa.
Não é o conteúdo que é realçado, mas a proveniência.
A melhor forma de provar este sabor, é manifestar discordância com a tese da opressão patriarcal.
As verdades feitas do nosso tempo, como as de outros tempos passados, são percutores perfeitos para as nossas emoções, para amar e odiar por causa delas, para dar a vida e a morte, para discutir bola enquanto milhares morrem afogados, ou para bloquear alguém que criticou no nosso mural a nossa disponibilidade para usar uma rede social como «o meu querido diário».
Dude escreveu:
«Não concordo com a tese de opressão patriarcal.»
feminista_empedernida escreveu:
«Porco fascista!»
homina_de_serviço escreveu:
«Por causa de cavalgaduras como esta é que o país não vai para a frente!»
moralizador_mor escreveu:
«Inacreditável como no século XXI podes dizer isso, depois do massacre dos Incas, de Treblinka, e da 2ª Guerra Mundial, se és branco, europeu e homem, tens de assumir todos os crimes de todos os homens europeus brancos que cometeram crimes antes de ti. Assumir a culpa implica não poderes discordar de qualquer tese que centre qualquer interpretação fora de um contexto acusatório ou de vitimização.»
bombista_cirúrgica escreveu:
«Incrível haver gente assim, anedótico. Palhaço/retrógrado/atávico/ridículo/ouqualqueroutroinsultogratuitoaopinadoresdivergentes»
O exercício acima simulado, é um esquema básico da estrutura de qualquer debate numa rede social, que se sirva da internet, esse meio fantástico cujos «inventores» sonharam como veículo de troca de ideias.
F) Feios porcos e maus
Ah porco chauvinista.
Malhar no indivíduo masculino graças à verdade feita da unívoca interiorização da culpa milenar por causa da opressão da mulher exercida por gerações de homens passadosque o fizeram de forma deliberada e orquestrada, a coberto de longas noites de conspiração em húmidos subterrâneos, nos saudosos tempos em que nenhum homem era oprimido, por contraposição ao monopólio feminino da submissão. Cada fundamentalista evoca a sua experiência pessoal para legitimar o opróbio milenar que as gerações de homens passados exerceram.
A generalização funciona bem até certo nível.
As mulheres são as vítimas da História, e os homens – esses malandros – só queriam guerrear, pilhar e violar. O mundo seria tão mais cor-de-rosa se as mulheres mandassem mais.
A rainha Victoria em relação à escravatura é tão mais amena retratada como mulher de Estado no seio de tensões terríveis, mas se fosse homem, era um porco imperialista.
A condessa Isabel Bathory aparece como excêntrica e mártir pela sua beleza, ao passo que Vlad Tepes é retratado como um déspota atroz e representante do Reino da Testosterona.
Ambos eram assassinos, mas uma mão feminina num punhal confere mais doce à violência.
O homem bate na mulher, é (correctamente) conotado como criminoso violento. Uma mulher que agride o marido, é igualmente criminosa, mas a tal vox populi de taberna, não raras vezes lhe encontra justificações para o mesmo acto, foram as desilusões, o colapso nervoso decorrente do azar na vida, etc. como se supostamente o homem tivesse, por definição do seu género, de ser um semideus quase isento de defeitos.
Valha-nos a letra da lei, que considera criminoso aquele que agride outro, independentemente do seu sexo.
Há uma maré feminina no feminino.
Estudos de género nas faculdades cujo foco de estudo é entendido não como segregacionista mas como clarificador do papel das mulheres na ciência, partindo do viés metodológico de que sem sombra de dúvida, todos os contributos de mulheres na ciência ou não receberam o crédito 'devido' ou sequer o reconhecimento.
Na história da ciência, podemos evidenciar também a falta de reconhecimento dos cientistas carecas, sempre relegados para segundo plano em relação aos colegas pilosamente mais bastos.
A História faz-se a partir do que se quer mostrar.
Passa a ideia, acredito que de forma não intencional, que as mulheres sempre foram ou parte passiva em tudo o que é mau e activa no que é bom, suportando estoicamente os demandos belicistas e racionalistas dos homens, que as dominavam e oprimiam. Passa a ideia de que o progresso tecnológico foi feito apesar da existência de homens, apesar dessa sombra masculina asfixiante, ansiosa de retirar protagonismo à Gaia incauta.
Se não aderimos a esta narrativa, se não a defendermos, fazemos automaticamente parte da falange patriarca, logo somos o inimigo, ou resquícios de qualquer coisa ultrapassada que urge extirpar da existência. Sem tréguas. Sem perdão.
De lado fica a coerência lógica, e qualquer narrativa não concêntrica, que passa por excêntrica aos olhos de cada imbecil.
Lógica, essa coisa aparentemente masculina que suportou a sociedade tecnocrata contra a qual as «mulheres» sempre lutaram, mas que se esforçam agora por fazer evidenciar o contributo.
Leva a que se pergunte, então se a história é o relato da sociedade patriarcal opressora, evidenciar os feitos das mulheres nos estudos de género, não é identificar o feminino com a opressão que se critica?
Ah, mas nem tudo o que é civilizacional é mau, há muita coisa boa.
O melhor claro é responsabilidade das mulheres. E só não é melhor porque elas não têm mais poder.
Voltemos a questionar, as mulheres dos esclavagistas transatlânticos amoleceram os corações dos seus esposos, contribuindo para a redução de indivíduos escravizados?
Sofreram em silêncio guardando apertado no peito sob o espartilho, o sofrimento adivinhado dos negros?
Ou beneficiaram de igual forma que os seus companheiros, na exploração desse comércio?
As esposas dos donos de Treblinka provocaram graves conflictos morais nas mentes dos algozes?
Como se pode continuar a contribuir para o odioso acto de perpetuação da culpa através das gerações, por causa da mordaça patriarcal, quando a mulher lucrou de igual modo nas contas gerais de perpetuação e expansão dos genes?
O discurso ou sequer insinuação que culpabiliza o homem, por tudo o que é mau e rasteiro é apenas um discurso de poder ao mesmo tempo que branqueamento da responsabilidade das «mulheres» pela história violenta e velhaca que é responsabilidade da espécie e não do género.
Por isso encaro o discurso dominante como uma moda, e não como consequência de um avanço científico das ciências sociais.
G) A boa, a má e a vilã
Partilho 3 exemplos observados em 1a mão.
1) Finais dos anos 90, aula de Antrologia e Cultura, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, uma docente alerta para a necessidade de escapar ao determinismo linguístico machista, que promove a desigualdade de género no seio do protagonismo da nossa espécie Sapiens sapiens – como? Evitando denotar a espécie humana no seu geral como o «Homem», mas como «Homem/Mulher»;
2) Primeira década do novo milénio, aula de História da Expansão Portuguesa na mesma Faculdade, dois discentes acometidos de auto-flagelismo primário ridicularizavam a explicação dada pelo docente acerca da progressão marítima portuguesa nas costas da Guiné, emitindo juízos de valor através de comentários jocosos, pressionando o docente a basicamente encolher os ombros e desculpar-se por aquela crítica aberta à «mentalidade» e pathos português e implicitamente à globalização.
Não pude resistir e perguntei aos argutos discentes se tinham noção de que estavam a emitir juízos de valor de forma pouco científica, sobre uma sociedade na passagem da medievalidade à Idade Moderna, a partir de uma mentalidade pós-industrial.
Perguntei também ao docente se estávamos numa aula de História ou num auto-de-fé na medida em que não acreditava eu ter alguma coisa a ver com os portugueses que comerciavam escravos e/ou praticavam actos de canibalismo para com os negros em casos de naufrágios, que nada tinha a ver com esses portugueses semi medievais que dividiam os lucros do tráfico esclavagista com os chefes tribais negros que fomentavam esse mesmo tráfico.
Sim, parece que nem eram os portugueses responsáveis pela parte de leão do comércio de escravos.
3) Numa aula de História de Portugal Moderno, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, um docente, historiador célebre, confessa-se acérrimo feminista.
«Oh diabo!» pensei.
Mas feminismo não é uma espécie de racismo?
Posteriormente aprendi que existem duas grandes teorias nesta temática.
A primeira é a teoria do cobertor, e a segunda é a teoria do mama todos por igual.
A teoria do cobertor defende que no caso da defesa dos direitos das mulheres, essa mesma defesa não pode ser feita sem limitação ou subtracção dos supostos direitos dos homens.
Da mesma forma que um casal luta no Inverno por um cobertor demasiado diminuto para os dois, há sempre um que fica ao frio.
A teoria do mamam todos por igual pretende fazer estender os mesmos direitos a ambos os géneros.
Relembro que os 3 exemplos acima citados ocorreram em ambiente universitário das chamadas ciências humanas, onde existe uma desproporção avassaladora entre o número de discentes de sexo masculino em menor número, em relação aos discentes de sexo feminino.
Espelham bem, na minha opinião a cultura de vitimização e feminização transversal na nossa sociedade e mentalidade.
Algumas figuras da nossa cultura pop como por exemplo a senhora Joana Amaral Dias, não se inibem na emissão de juízos claramente inquinados e parciais sobre esta temática. A referida senhora, implicitamente exprimindo uma suposta superioridade intelectual feminina, em declarações televisionadas, disse que não compreendia como é que as mulheres tinham ainda pouca expressão em lugares de «topo» visto que terminavam em maior número (e qualidade?) os cursos universitários.
Este tipo de declarações, além da importância e da falta de necessidade de refinamento estatístico mostram que é causa de surpresa geral que os broncos dos homens (mais burros ou menos motivados) consigam dominar milenarmente as mulheres, se nem cursos universitários de 3 anos conseguem terminar.
Como é que a sociedade patriarcal conseguiu dominar o mundo até hoje mesmo em tempos que nem homens nem mulheres sabiam ler ou escrever. Só mesmo através da força. E da conspiração colectiva.
Outro motivo de surpresa reside no facto de nesta sociedade industrial, os papalvos dos homens serem os maiores criadores de artefactos que visam aliviar a escravidão do alvo da sua sanha opressora.
Esses tiranos pérfidos e velhacos afinal parecem ter a maior vontade de manter as «mulheres» numa gaiola dourada, investindo energia criativa e esforço criando condições que aumentem o conforto e bem estar das fêmeas, como seja o caso dos electrodomésticos, inventados em grande parte nas Universidades onde o estrogénio não abunda, e onde a estatística demográfica da senhora Joana Amaral Dias não se aplica.
Mas temos de concordar com essa ideia sussurrada mas pouco assumida, de que as mulheres, apesar de uma caixa craniana inferior para a mesma estrutura cerebral, conseguem mais inteligência. A testosterona deve ter alguma influência nisso. Então não é que os burros dos homens metem-se em guerras após guerras, andando entretidos a morrer, levando a que no século XX a mulher saisse do lava loiça para a fábrica e para o escritório podendo assim criar o balanço para se tornar independente financeiramente?
Como explicar a burrice dos homens que através de um homem de 26 anos em 1951, fez a síntese da Noretindrona, abrindo assim caminho para a pílula contraceptiva que viria a dar às mulheres finalmente, controlo sobre o seu corpo, controlando a concepção? Como explicar que foi o homem no laboratório que mais contribuiu para a liberdade das mulheres desde que Eva trincou a maçã?
São tão broncos estes homens, e mal organizados, que nem conseguem manter uma conspiração mundial milenarmente egrégia.
Ah, é porque eles dominam os centros políticos e a Academia.
Não se percebe como é que este género que conspira contra as mulheres, não é unido (senão para conspirar) e se lança aos milhões para a sua aniquilação no Somme ou em Estalinegrado.
Género estranho, o masculino.
H) Os géneros são iguais, mas uns são mais iguais que outros
O paradigma corrente, ou moda, caracteriza-se por uma noção de igualdade que implica uma vitimização, e não há vitimização sem flagelização contínua do opressor.
Sem remissão. Sem perdão. Sem excepção.
Por isso o feminista é fundamentalista. Por isso o fundamentalista é imbecil.
Eu penso que não se deveria pactuar com este paradigma de «feminismo».
Mas por motivos de impregnação e dimensão, o indivíduo vê-se como lesma em salina à procura de cana de açúcar.
Apenas pode o indivíduo resistir e encontrar forma de lidar com as pressões e insultos daí resultantes.
Não há forma de se soltar, senão exprimindo-se a si mesmo, individuando-se, independentemente das opiniões de mulheres demasiado zelosas e de hominas.
O «feminismo» de Verão que é dogma hoje em dia, visa substituir uma suposta opressão por uma opressão imposta. Imposta e auto-imposta.
O indivíduo tem de redimir-se de ter nascido com pilinha.
Jovem, tens pila e o azar de ter testosterona «a mais»? 500 Pais Nossos e 1000 Avé Marias.
Livra-te e arrepende-te desse pecado.
Como já havia sido mencionado, ninguém tem de se culpabilizar ou de ir contra a sua consciência por causa de crimes cometidos na costa da Guiné ou se os números da violência doméstica contra as mulheres são aterradores.
Cada indivíduo é responsável por si e a lei enquadra os excessos tolerados e não tolerados.
Que tenho eu ou o meu género a ver com dezenas de criminosos violando mulheres na Índia ou no Brasil?
Que culpa tem qualquer homem psicologicamente saudável em relação a grelhados de bruxa ou à cultura de brincar com lâminas e clitóris?
Ninguém tem de assumir como sua a responsabilidade em crimes de outros, ou assumir culpa por não ter nascido com o poder de decisão sexual que vem de fábrica com uma vagina.
Seria bom que cada indivíduo assumisse apenas o esforço duplo e continuado de :
1) tratar qualquer próximo de forma igual independentemente do seu sexo;
2) resistir tanto quanto a sua observação lhe permite, à ideologia de uma sociedade hipersexualizada e hipócrita, que mistifica a juventude quase infantil, de corpo e de espírito, que uniformiza o poder sexual na mulher ao mesmo tempo que mercantiliza o seu corpo em ciclo de violação do ponto 1.
Esta não é a igualdade que a maior parte das mulheres quer.
Não tenho de ficar ressentido com isso.
Ficava ressentido quando tinha como crença que as raparigas são feitas de doce e algodão, e os rapazes de pedras e cobras.
Cada vez se torna mais evidente o essencial do acessório, e o fascínio de uma personalidade bem torneada torna-se cada vez mais apelativo.
Não há nada de mal em procurar tirar partido das vantagens que se tem na vida.
Pessoas que nascem com contornos dérmicos apelativos sob boa estrutura óssea devem aproveitar a sorte que lhes coube.
Mesmo que isso implique que cada vez mais as mulheres bonitas, (a maior parte pois a beleza é vulgar) interiorizem a ideia de que por alguma ignota razão os homens e o mundo lhes deve vassalagem e admiração.
Chamo a isto a mentalidade de Prometeu (desconheço um Prometeu feminino). Os ossos vão para os deuses, os quais tememos e odiamos por estarmos submissos a eles.
A carne boa fica connosco (humanos).
No caso das mulheres, além de uma superior inteligência, como suspeitou Joana Amaral Dias, no seu comentário, conjuga-se também uma maior esperança média de vida.
Um género que é mais inteligente e mais resistente quer às doenças quer à dureza da vida, só pode receber admiração por nessa sorte que lhe cabe, reivindicar mais e melhor parte do presunto da vida.
Por exemplo, os tais cargos de «topo». Nunca vi uma manifestação de mulheres exigindo o direito de desempenhar os trabalhos mal pagos e considerados que a maior parte dos homens desempenha, mas posso estar enganado pois sou pouco viajado.
Há outro mito que merece análise, acerca da suposta superioridade espiritual, dos sentidos ocultos, da intuição, da maior empatia da mulher em relação ao homem.
Aqui o espanto atinge o seu zénite.
O género mais inteligente, mais resiliente fisicamente, com ferramentas conceptuais e não conceptuais para tratar a informação do ambiente em que está inserido, sucumbe vítima única e exclusivamente por ter menos força física?
Tem de facto o homem as costas mais largas, literalmente e não só.
O mesmo homem que lhe paga bebidas no bar, lhes abre as portas, lhes faculta o lugar no autocarro cheio, ou que lança o casaco sobre a poça de lama para ela não enlamear os delicados pés.
Porque é cavalheiro, e porque ser cavalheiro é o que o homem deve ser, abdicar de si em detrimento de um sexo mais fraco (!), porque é de bom tom.
Quantas vezes ouvimos nos media que morreram n pessoas em tal catástrofe, entre as quais x mulheres e y crianças, como se o facto de o sexo ou a idade aumentassem ou tornassem mais trágico a morte de uma data de gente em determinada catástrofe.
Também já ouvi relatos sobre a morte de x pessoas e y jornalistas, como se pelo facto de ser jornalista de profissão mereça destaque em relação aos outros cadáveres.
É o mundo que temos, parece.
As pessoas teoricamente são todas iguais mas umas mais iguais que outras.
As conversas de café (as tais baseadas exclusivamente na experiência e opinião própria que tem de se respeitar porque é a dignidade social do orador que está em jogo) vão dar sempre ao mesmo:
a)os homens são uns cabrões querem é sexo, boa vida, fazem os filhos, e depois dão à sola e as mulheres é que os criam;
b)sempre que podem cometem adultério, e são os totalistas da violência doméstica.
Pouca gente debate, ou sabe sequer que apesar de ser um flagelo, inaceitável, uma tragédia, a violência de género, contra as mulheres, é ainda assim uma reduzida parte no bolo da criminalidade violenta.
Existe também criminalidade no feminino, por isso existem prisões femininas.
Que se saiba, quer homens quer mulheres, mentem, manipulam, cometem adultério, matam os filhos, abusam de crianças.
Já incorri no erro de entrar no jogo da culpa, de um género inteiro, como forma de exorcizar as minhas falhas enquanto pessoa. E é isso que eu vejo na maior parte dos discursos de poder feministas, e até no meu monólogo interno.
Paguei por isso, até descobrir que também existiam mulheres feitas de pau e pedra.
E homens de algodão e doce.
Penso, e é essa a razão desta primeira parte de texto, que assumir cada um e uma, a firme resolução de não contribuir para o peditório desta sociedade comercial que se aproveita de estereótipos de supostas guerras entre sexos, para continuar os níveis de consumo, vamos continuar no mesmo registo de estupidez.
Enquanto cada um ceder ao mantra da vitimização, do tirar vantagem sem alguma elevação de espírito, vamos todos cair no fundamentalismo e na imbecilidade a que isso conduz.
Continuar a espalhar pelo mundo (que nos dá palmadinhas nas costas por isso) que o Sol orbita em torno da Terra, que se devia chamar «Sola» em nada vai adiantar senão revelar o ressentimento latente em cada indíviduo.
Actualmente já não acho graça a esse discurso e tenho pouca paciência para ele.
Assim que escuto alguém falar acerca do quão mau as mulheres o têm (os azares da existência), o meu limiar de atenção reduz-se e esforço-me por não pensar judicativamente acerca da sofisticação mental do orador ou da oradora.
Não é negar a ocorrências de abusos e dramas, e violência na História.
É não capitalizar de forma oportunista sobre eles.
Tu, se gostas de ser vítima, dá-lhe.
Não te esqueças contudo que o teu opressor és tu.