A aparente euforia acabou.
A quadra natalícia e os últimos cartuchos do Ano Novo já passaram.
O Natal é cada vez mais uma festa só das crianças, a época onde tudo lhes é comprado e concedido como forma de compensar o mundo de merda em que as colocaram. Os pais querem ser os melhores amigos dos filhos, masturbam-se com a ideia de serem recordados e vistos como pais ‘porreiros’, que é também por estas partes sinónimo de modernos.
Aos adultos compensa também a vida de merda que têm durante um ano inteiro, e chegados a Novembro temos o crescer de um nervoso miudinho e ansioso, tal como o náufrago que vê terra firme por perto, mas demasiado longe para o seu desejo imediato. Sempre foi de perguntar, porque é que nesta ‘democracia’ mundial do trabalho forçado, ainda não se aboliu o pouco produtivo período de Natal. A resposta parece ser simples, serve para manter a roda a girar em torno do seu próprio eixo, as pessoas a comprar o que produzem e para servir como válvula de escape ao mundo que escondem aos filhos.
Basta ir a um centro comercial umas horas antes da ceia de Natal, apenas isso, e ver gente a rodos a comprar tudo o que se possa imaginar, para manter a tradição, que se por um lado é boa porque reúne as pessoas, por outro é uma carga de trabalhos e uma responsabilidade, comprar o bacalhau, comprar a prenda x, para o y, e há até quem cometa loucuras além do orçamento, afinal o Natal é uma vez apenas por ano, e esse sentimento de euforia mediatizado por todos os lados, facilita as loucuras consumistas a muita gente infantilizada. Não que o princípio de celebração da presença dos outros seja censurável, mas a sua celebração e simbolismo apenas através da compra é que torna a coisa sinistra.
Em Dezembro, as crianças esquecem-se dos dias a que se levantam às 7 da manhã para ir para a escola pública porque os pais os depositam ao cuidado de quem não tem a função de os educar, os professores, que são treinados para instruir e não para educar, são mal pagos para ambas as funções, têm de lidar com crianças que estão geralmente habituadas a pais porreiros que lhes compram o afecto com prendas de plástico e permissividade para compensar a ausência constante na sua vida só interrompida por alturas da reforma que se estende cada vez mais.
Habituados a isto, não é um professor com boas intenções que os vai assustar. Espanta-me não haver ainda grupos nas redes sociais de caça ao Professor, penso que para breve deve sair legislação nesse sentido.
As boas festas, aquela que nos passam pelo cachaço, são até preparadas no local de trabalho. Ao lado das folhas impressas a cor laser, de imagens de rãs engolidas enquanto estrangulam a cegonha de fino pescoço, e outras imagens esclarecedoras do frenesim de motivação para o trabalho e para a eficiência, as fotos da festa de empresa, onde toda a gente desempenha o esquizofrénico papel de parecer ter uma vida e uma personalidade autêntica fora do local de trabalho mas ainda assim mantendo as aparências, as fotos do rally paper ou do concurso de competitividade com outras empresas, destinado a fomentar a coesão do grupo e outras merdas da corporate culture, ajudam encolhendo-se dando espaço para colocar imagens natalícias, exortações à paz e ao amor mundial, (pelos pais que acham que amor é comprar playstations aos filhos) à caridade - a grande prostituta hodierna, na qual o cidadão dá moedas em troco de um sentimento de alívio de consciência, com que compra uma ideia de si como executor de um mundo melhor, no qual se preocupa em dar umas moedinhas, que na maioria vão parar ao Estado e ao bolso dos intermediários – numa sinfonia de superficialidade que deleita qualquer antropólogo e sociólogo amador.
Caminhamos pelas ruas desejando boas festas a toda a gente, desviando nossos pés das camas de quem na rua dorme, e chegamos ao trabalho contribuímos com uma moedinha para acabar com a pobreza em Portugal, para todos verem que nos ralamos.
Jantamos na noite de Natal com ar apreensivo enquanto desviamos a atenção entre as intrigas familiares de longa data, e as conversas sob o estado presente, com cuidado para não manchar o pull over angorá que a lareira vitoriana por detrás de nós aquece, carregando o sobrolho enquanto se discute o quão mal estão ‘as coisas’, e alguém até desabafa que os que vivem na rua são culpados do seu desaire, pois (geralmente o emissor da sentença) os outros trabalham estoicamente aguentando estoicamente merdas, e não vão assim viver para a rua.
Alguns concordam dizendo que sim com a cabeça, com cuidado para não se engasgar com o polvo quente que entra pela boca, empanturrada com batata a murro.
Bebem-se um whiskeys de eleição, e na altura de abrirem as prendas, medem-se pelo dinheiro dispendido, as progressões no progresso.
No Ano Novo é altura de celebrar a vida e o novo ano que começa, saudando escatologicamente mais um ano que repete o mesmo do ano passado, tão alienante e estranho, mais um ano de merda interrompido pelas festas que nos afagam o lombo, onde vemos reportagens sobre o Natal em Times Square, um provincianismo com certeza retribuído no outro lado do Atlântico que mostra como o Herman José fala bem inglês no Terreiro do Paço, ao excelente estilo provinciano português.
Jovens e menos jovens são entrevistados exultando os seus cinco minutos de fama, e dando réplica a um impulso nervoso de sorrir e exprimir algo memorável que cria uma tensão estranha à qual nada resta senão dizer ‘Não há palavras!’, haver há o potencial emissor é que nunca se debruçou muito sobre elas.
Desejos de paz e amor universal, e que as pessoas fossem melhores, se tal acontecesse por decreto. Ou se um filho da puta deixasse de o ser só porque um anónimo a tal exortou na TV.
Celebra-se o ano que vem, em desculpa para a borga, que alivia os imberbes do peso de pais ausentes e de futuros sombrios, perpetuando a mesma tradição tão estranha de celebrarmos a merda de mundo que deixámos criar a troco de papas e bolos.
Terminamos sempre a noite, abraçados a nós próprios, eram afinal essas as festas que fazíamos no nosso lombo, uma forma de nos reconfortar de não podermos fazer nada para mudar a merda em que nos afundamos.
Boas festas.
A quadra natalícia e os últimos cartuchos do Ano Novo já passaram.
O Natal é cada vez mais uma festa só das crianças, a época onde tudo lhes é comprado e concedido como forma de compensar o mundo de merda em que as colocaram. Os pais querem ser os melhores amigos dos filhos, masturbam-se com a ideia de serem recordados e vistos como pais ‘porreiros’, que é também por estas partes sinónimo de modernos.
Aos adultos compensa também a vida de merda que têm durante um ano inteiro, e chegados a Novembro temos o crescer de um nervoso miudinho e ansioso, tal como o náufrago que vê terra firme por perto, mas demasiado longe para o seu desejo imediato. Sempre foi de perguntar, porque é que nesta ‘democracia’ mundial do trabalho forçado, ainda não se aboliu o pouco produtivo período de Natal. A resposta parece ser simples, serve para manter a roda a girar em torno do seu próprio eixo, as pessoas a comprar o que produzem e para servir como válvula de escape ao mundo que escondem aos filhos.
Basta ir a um centro comercial umas horas antes da ceia de Natal, apenas isso, e ver gente a rodos a comprar tudo o que se possa imaginar, para manter a tradição, que se por um lado é boa porque reúne as pessoas, por outro é uma carga de trabalhos e uma responsabilidade, comprar o bacalhau, comprar a prenda x, para o y, e há até quem cometa loucuras além do orçamento, afinal o Natal é uma vez apenas por ano, e esse sentimento de euforia mediatizado por todos os lados, facilita as loucuras consumistas a muita gente infantilizada. Não que o princípio de celebração da presença dos outros seja censurável, mas a sua celebração e simbolismo apenas através da compra é que torna a coisa sinistra.
Em Dezembro, as crianças esquecem-se dos dias a que se levantam às 7 da manhã para ir para a escola pública porque os pais os depositam ao cuidado de quem não tem a função de os educar, os professores, que são treinados para instruir e não para educar, são mal pagos para ambas as funções, têm de lidar com crianças que estão geralmente habituadas a pais porreiros que lhes compram o afecto com prendas de plástico e permissividade para compensar a ausência constante na sua vida só interrompida por alturas da reforma que se estende cada vez mais.
Habituados a isto, não é um professor com boas intenções que os vai assustar. Espanta-me não haver ainda grupos nas redes sociais de caça ao Professor, penso que para breve deve sair legislação nesse sentido.
As boas festas, aquela que nos passam pelo cachaço, são até preparadas no local de trabalho. Ao lado das folhas impressas a cor laser, de imagens de rãs engolidas enquanto estrangulam a cegonha de fino pescoço, e outras imagens esclarecedoras do frenesim de motivação para o trabalho e para a eficiência, as fotos da festa de empresa, onde toda a gente desempenha o esquizofrénico papel de parecer ter uma vida e uma personalidade autêntica fora do local de trabalho mas ainda assim mantendo as aparências, as fotos do rally paper ou do concurso de competitividade com outras empresas, destinado a fomentar a coesão do grupo e outras merdas da corporate culture, ajudam encolhendo-se dando espaço para colocar imagens natalícias, exortações à paz e ao amor mundial, (pelos pais que acham que amor é comprar playstations aos filhos) à caridade - a grande prostituta hodierna, na qual o cidadão dá moedas em troco de um sentimento de alívio de consciência, com que compra uma ideia de si como executor de um mundo melhor, no qual se preocupa em dar umas moedinhas, que na maioria vão parar ao Estado e ao bolso dos intermediários – numa sinfonia de superficialidade que deleita qualquer antropólogo e sociólogo amador.
Caminhamos pelas ruas desejando boas festas a toda a gente, desviando nossos pés das camas de quem na rua dorme, e chegamos ao trabalho contribuímos com uma moedinha para acabar com a pobreza em Portugal, para todos verem que nos ralamos.
Jantamos na noite de Natal com ar apreensivo enquanto desviamos a atenção entre as intrigas familiares de longa data, e as conversas sob o estado presente, com cuidado para não manchar o pull over angorá que a lareira vitoriana por detrás de nós aquece, carregando o sobrolho enquanto se discute o quão mal estão ‘as coisas’, e alguém até desabafa que os que vivem na rua são culpados do seu desaire, pois (geralmente o emissor da sentença) os outros trabalham estoicamente aguentando estoicamente merdas, e não vão assim viver para a rua.
Alguns concordam dizendo que sim com a cabeça, com cuidado para não se engasgar com o polvo quente que entra pela boca, empanturrada com batata a murro.
Bebem-se um whiskeys de eleição, e na altura de abrirem as prendas, medem-se pelo dinheiro dispendido, as progressões no progresso.
No Ano Novo é altura de celebrar a vida e o novo ano que começa, saudando escatologicamente mais um ano que repete o mesmo do ano passado, tão alienante e estranho, mais um ano de merda interrompido pelas festas que nos afagam o lombo, onde vemos reportagens sobre o Natal em Times Square, um provincianismo com certeza retribuído no outro lado do Atlântico que mostra como o Herman José fala bem inglês no Terreiro do Paço, ao excelente estilo provinciano português.
Jovens e menos jovens são entrevistados exultando os seus cinco minutos de fama, e dando réplica a um impulso nervoso de sorrir e exprimir algo memorável que cria uma tensão estranha à qual nada resta senão dizer ‘Não há palavras!’, haver há o potencial emissor é que nunca se debruçou muito sobre elas.
Desejos de paz e amor universal, e que as pessoas fossem melhores, se tal acontecesse por decreto. Ou se um filho da puta deixasse de o ser só porque um anónimo a tal exortou na TV.
Celebra-se o ano que vem, em desculpa para a borga, que alivia os imberbes do peso de pais ausentes e de futuros sombrios, perpetuando a mesma tradição tão estranha de celebrarmos a merda de mundo que deixámos criar a troco de papas e bolos.
Terminamos sempre a noite, abraçados a nós próprios, eram afinal essas as festas que fazíamos no nosso lombo, uma forma de nos reconfortar de não podermos fazer nada para mudar a merda em que nos afundamos.
Boas festas.