A 10 de Março último, os portugueses foram de novo legitimar o velho sistema que fará 50 anos a 25 de Abril.
No futuro alargado se fará a história do que começou por ser uma boa ideia, que acabou por ser dobrada como um oito, até a um ponto próximo do de partida.
Aquilo que os comunas costumam de denotar como ‘as conquistas de Abril’.
Todos muito espantados porque não perceberam que as conquistas de Abril morreram no dia da aprovação da proibição do corte de estradas, ou da necessidade de informar ou pedir autorização para manifestações.
Creio, se não estou em erro, que no tempo do senhor António Guterres.
Senhor com uma longa lista de façanhas.
Nos debates que precederam a ida ovina aos sarcófagos da nossa formação política, mais do que a indigência cultural dos candidatos, o que saltou à vista foi ninguém falar no elefante na sala, ou o rinoceronte no quarto, ou o hipopótamo na cozinha. A política portuguesa está reduzida a uma espécie de discussão entre cônjuges que ou termina na esquadra com agressões, ou na cama com amor apaixonado à mistura.
Ninguém falou do colapso demográfico português e das razões do mesmo. Do envelhecimento do 4º ou 5º país mais envelhecido do mundo. Ninguém falou da necessidade de reformar a União Europeia, que está muito longe do que foi preconizado por Delors, e outros. Ninguém falou do êxodo, esse flagelo que não conseguimos estancar, de gente formada e não formada, que se vê substituída por imigração de outros pontos do planeta, tudo porque alguns governantes, onde se inclui Marcelo, os acolhem apenas para manter a Segurança Social à tona. O que é um insulto quer para os imigrantes que querem vir para o nosso país, quer para com os naturais que se esvaem em lágrimas quando têm de sair.
Em suma, os debates focaram-se em torno da classe média e reformados, se entendermos classe média, todos os que não podem fugir aos descontos, como professores, médicos, polícias, militares. Em certa perspectiva, os reféns da III ª República.
Mas adiante, que a malta para castigar a esquerda e os escândalos sucessivos de António Costa, optou pelos únicos que conseguiram soprar a melodia de Hamelin, no eleitorado.
Mas há mais despojados de quem o país não quer saber.
Há um abjecto etarismo, ou discriminação abjecta baseada na idade, que é transversal e injusta para com diferentes gerações de portugueses.
O caso das propinas por exemplo.
Parece que agora, quem ficar cá a trabalhar, pode pedir as propinas devolvidas, uma forma de o ‘governo’ incentivar a que não saiam ‘cérebros’ lá para fora, onde lhes pagam mais, afinal são os mercados.
Quando entrei na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, no ano da Graça do Senhor de 1995, a propina actual, meramente para pagar burocracias, era de 1200 escudos. 6 euros ou 6 marcos alemães, na moeda actual.
É com o governo do senhor António Guterres, que as propinas são introduzidas de forma gradual. Para calar os que lá andavam, e não fazer muito impacto nos novos candidatos que já iam preparados para a ideia.
O argumento usado por Guterres e entourage, é de que a malta formava-se e os filhos formados, depois teriam vantagens sobre os filhos dos não formados, porque podiam sair ou ir ganhar mais no mercado de trabalho. Era, portanto, necessário, corresponsabilizar as famílias dos que lá estudavam.
Houve manifs, houve polémica, mas com a serenidade socialista, tudo foi sendo aplacado com escudos de veludo.
Guterres, o tipo que exclamou que a educação era uma paixão. O senhor Amaral também era ferroviário de coração, mas depois foi para presidente da Lusoponte, com quem tinha negociado a primeira PPP do país à beira-mar plantado.
É preciso cuidado com esta malta emotiva.
Em 1995, eu já tinha alguns anos de construção civil, e de facto, ‘acartar baldes de massa’ não era segredo para mim.
À altura, eu pertencia a uma classe proletária, ou melhor, a gente que vive do seu trabalho, sem meios de produção que não a prostituição do seu esforço, e que, ninguém prosseguira estudos acima do antigo 6o ano de escolaridade. Além da vocação que sentia, olhava para a educação, para os meus colegas da altura, como em processo de mobilidade social. Íamos todos ser professores, pois estava a ‘dar’.
Na introdução das propinas, as tevês, privadas e públicas, colaboraram, reportagens diárias sobre o caos no estacionamento na Cidade Universitária, e até malta paga para dizer que os estudantes passavam a vida a beber cerveja e a repetir matrículas.
A máquina estava afinada, e tudo estava bem, porque tudo era preferível, ao Cavaquistão.
Quando dei por mim, não tinha rendimentos para pagar o passe social, nem as propinas, sem que trabalhasse.
Logo por azar, as Letras, fora do Ensino, não eram material de empregabilidade.
Foi o zénite dos call centers.
Eu e milhares de outros, explorados por um modelo de negócio que tapava os buracos da má organização, com a voluntariedade de malta que dependia dos baixos ordenados e precariedade laboral, para ir levando a água do seu moinho, à conclusão do ensino superior.
O passe social eram 60 euros e quando dei por mim, as propinas eram 800 ou mais euros.
Despesas com alimentação e a coisa mandava-se para 100 euros mensais e eu não tinha carro, e por isso as tevês não mo filmaram para propagandear a favor da introdução de propinas.
Apesar de part time, os trabalhos sazonais (porque poucos aguentavam lá muito tempo) nas galés das Telecom, tinham formações em forma de lobotomia, que visava enformar o operador telefónico, numa cultura de empresa e mercado, na minha opinião, e experiência, claramente infantil e acéfala.
Custava-me mais a quarentena de eliminar o impacto dessa experiência, que o próprio trabalho nocturno, onde tinha de lidar com clientes insatisfeitos, chefes incompetentes mas graxistas, em empresas onde o share permitia esta labreguice. Abundaram as empresas de chularia, aka empresas de trabalho temporário, e até, pasme-se, houve um ministro ou secretário de estado para o sector.
Não digo que foi no tempo do senhor António Guterres, porque não quero ser injusto.
Nem toda a gente tem de ser de direita, e muito estimo quem o é. Ergo, nem toda a gente tem de concordar com a visão que nos deram, do mercado de trabalho, e da necessidade de tem força laboral dispensável.
Quando trabalhei na saudosa PT em que o Estado não podia ter uma golden share, e agora será vendida ao desbarato por se ter adaptado à realidade do ‘mercado laboral’ a mesma deslocalizou todo o backoffice para o Indostão, e abriu call centers em Cabo Verde. Diziam na altura que era para fazer evoluir outras geografias planetárias, e longe de nós pensarmos que era para baixar o custo do trabalho.
Mas isto é converseta de comuna. Mas fica a questão, a minha geração lembra-se de ter sido usada, e ter anuído nessa exploração, porque lhes foi dito, que é natural para os que ‘começam’.
O meu rendimento escolar ressentiu-se, tal como o de milhares de outros, e sou capaz ainda hoje de usar uma lista telefónica para contactar dezenas de pessoas que abdicaram de tirar um curso superior, por causa dos custos associados.
E não, não estão a receber ordenados milionários por se terem tornado serralheiros ou caldeireiros de elite.
Como pode encarar a minha geração, a anterior e uma ou duas a jusante, o benefício de retorno de propinas e gratuitidade do passe social, às novas gerações?
O caro leitor não me entenda mal, não sou contra as benesses, de todo. Acho até que deviam ser mais e maiores, as benesses.
O que eu sou contra é, porque é que a minha geração e mais uma antes e uma depois, não teve essas mesmas benesses.
Porquê nós?
Ou admitimos que Portugal tem igualdade de tratamento, as diversas gerações que lhe insuflam vida, ou então, Portugal é um mercado a fingir que é país.
E se assim for, serei o primeiro a incentivar a que não se paguem impostos, a que se emigre em massa, para ver se de uma vez por todas, fazemos desaparecer este país quase milenário, onde as gentes tanto se odeiam entre si.
Ah, mas eram tempos duros…Falso. Entre o Cavaquistão e o primeiro governo do senhor Sócrates, foi quando mais fundos europeus, de convergência e afins entraram em Portugal. Agora já vão surgindo uns estudos onde aparece a ideia de que os fundos foram mal aplicados. Recorrente esta descoberta da trampa feita, depois de estar seca.
Nos tempos de fundos, foi quando os mercados, determinaram a redução do papel do estado na Educação superior.
Citei o senhor Sócrates, porque quando finalmente terminei o bendito curso, o senho Sócrates decidiu que os estagiários do mestrado pedagógico, não deviam receber pilim. Se calhar até deviam pagar, porque afinal era formação profissional à conta do Estado. Não se ponham finos não.
Ora, várias franjas de gente, percebeu, que o estar a ‘dar’ da profissão docente, estava a secar.
O estágio pago, a mil e tal euros por mês, não iria enriquecer ninguém, mas iria colmatar em parte, os quase 5000 e tal euros dos 4 ou 5 anos anteriores.
Hoje parece que faltam 30 000 docentes.
E ninguém será responsabilizado, a não ser os cidadãos cujas vidas andaram ao sabor desta malta que mais não sabe que fazer figuraças nas juventudes partidárias. E eu sei quem são, porque muitos deles estão hoje em São Bento, e foram colegas de Faculdade.
Que mal fiz, eu, a malta da minha geração, para esta diferença de tratamento?
Ah, mas tu és um situacionista e falas mal agora depois de veres os resultados.
Falso. Falei na altura, numa tradição que existia, que eram as Reuniões Gerais de Alunos. Na altura alertava para a iniquidade das medidas do senhor Guterres. Mas curiosamente, os líderes das listas e dos outros alunos, era malta ligada aos partidos. Os partidos têm e tinham gente, em todos os campos de expressão social, e isso explica em parte, a postura dócil e ovina, com que todo o processo decorreu.
Não me posso queixar. Ou posso? Devo?
As gerações antes da minha, entopem os hospitais para morrer aos magotes, por falta de hospitais de rectaguarda. Descartados e descartadas como trampa seca que já não contribui para o mercado.
Muitos sem casa própria, que é outra benesse que parece que agora dão á malta nova. Para ajudar a iniciar vida.
Todos aqueles com corda de forca em forma de empréstimo imobiliário, porque não vai a lado nenhum, também gostariam de ter obtido essa ajudinha, essa consideração, essa migalhita.
Eu por mim, daria-me por satisfeito, se alguém me soubesse explicar, porque é que não contamos para nada, e que mal fizemos ao país, para receber estes mimos.
Gostaria também de mandar um abraço ao senhor Guterres, pela vulgarização das PPP’s que tanto fizeram evoluir o nosso país, bem como a adesão tresloucada ao Euro, sob o argumento de que se o fizéssemos iríamos estar no pelotão da frente das decisões tomadas na ‘Europa’.
Creio que nunca estivemos tão á frente, e com tanto peso nas decisões que se tomam em Bruxelas.
Nunca votei em nenhum partido do arco governativo, não tenho filiação partidária, e não me fazendo de vítima, que não o sou, gostaria de perguntar aos líderes partidários e restantes concidadãos, que mal fiz eu, e tantos outros eus, para tal diferença de tratamento.
O que para aqui disse, pode ser confirmado no Arquivo da RTP. Mas o acesso ao arquivo público, não é barato. São ditâmes do 'mercado'.