Noções de masculinidade (I)
I
A argumentação sobre o facto comprovável de que as agências de publicidade usam as fraquezas das pessoas, sejam sentimentos ou formas inquinadas de pensar, é tão batida como qualquer praia erodida do litoral português.
Supostamente o telespectador é alguém com uma capacidade crítica para perceber que é tudo brincadeira e que no fundo, no momento final da compra, não se deixa ir em cantigas e compra racionalmente.
Pois eu discordo, eu e felizmente muita gente. Não só somos imunes a 24 horas de propaganda comercial, como a veiculação da informação não obedece a auto estradas racionais. O apelo a sentimentos imediatos é um bipasse à racionalidade que deveria em primeiro plano perceber quando está a ser conduzida. Isto também não é novo, há milhares de estudos a apontar isto, milhares de rios de tinta sobre o assunto. Não é novidade, excepto para a maioria dos analfabetos funcionais que não têm tempo para pensar o mundo que os rodeia. Mas é assim que é rentável. Mesmo que uns poucos se indignem por fazerem deles parvos, a maior parte acha que o atalho é a estrada principal.
Tudo bem, a malta do marketing tem de ganhar o seu e as empresas de vender. Seja como queiram.
O assunto presente é no entanto esse tal contexto em surdina que permite a postura acrítica. Não só a tomada da publicidade como inócua, mas acima de tudo, o apelo a um mundo contextual politicamente correcto, uma espécie de ‘terra em que todos adultos sabemos o que se passa e ainda guardamos algum humor ‘ em analogia às expressões faciais do José Rodrigues dos Santos quando apresentando o ‘Telejornal’ comentava serodiamente a passagem de modelos femininos, que serodiamente sempre brindava o fim de um programa informativo de quase duas horas.
A carinha e as boquinhas enviadas através cinescópio, eram para os telespectadores, numa espécie de fruição de mundo comum em que os homens olham e comentam para dentro para mostrarem uns aos outros que gostam de mulheres mas se sabem comportar.
Ora a publicidade cria esse mundo de enviesado sensus communis que supostamente é propriedade do ‘pater familias’ burguês, que se sente ainda homem além do dever, por recordação da sua malandrice polida.
A publicidade cria o mainstream que mais não é que um conjunto de ideias veiculado através de imagens.
Essas ideias ou pré-conceitos, pois não chegam a ser mediados criticamente, criam o mundo contextual no qual o sujeito acha que todos os outros vivem. A sua necessidade de ‘pertença’ e de se actualizar no espírito do tempo, ou o tornam uma ‘maria vai com as outras’ ou um marreta.
Nesse mundo contextual, tudo é permitido ás crianças pois é assim que os outros fazem e a televisão e cinema (com frequentes ajoelhares) mostram. Nesse mundo contextual é dado todo o poder sexual à mulher por detrás de uns saltos altos e batons fluorescentes, é fixe vender o corpo com uma promessa de orgasmo, e nada há que seja mais reificado que o corpo feminino, veja-se que até as ferramentas como berbequins ou lixadeiras não dispensam uma louraça em país de morenas com pouca roupa, passando para segundo plano informação mais técnica sobre o item.
Transforma-se assim o homem em marioneta dos seus mais imbecis desejos, mas é assim que vende.
Falo do homem, porque é o menos debatido, toda a gente desde ‘o segundo sexo’ sabe que as coisas são tramadas para o lado das mulheres. Mas e que ideias emergem sobre o homem, que os homens acabam por mimetizar?
Bem, parece ponto assente que hoje a masculinidade assenta em gostar ostensiva mas bem comportadamente de mulheres, ser fanático de futebol, ou escarrar para o chão e coçar a tomateira. Temos também outro lado que nos mostra o classe média provider, completamente absorvido com a opinião dos outros e o seu lugar neste mundo em que dá a vida para providenciar a abastança da sua família. Quer num quer noutro, a dimensão espiritual do ser masculino fica reduzida à sua função, ora de chefe de família ora de bruto adorável que acaba domesticado. Tal como a mulher acaba reduzida a dona de casa condenada a ver anúncios estupidificantes, ou sex bomb caso tenha estrutura para isso e ponha pouca roupa.
Há portanto uma redução política, espiritual, e social quer do homem quer da mulher. É normal, a empresa quer vender, não formar cidadãos, isso é tarefa do Estado.
Mas onde deveria ser traçada a linha que separa a propaganda da informação sobre novos produtos? Mas a publicidade não vende produtos, a publicidade vende imagem e paradigma, para se aproveitar do consumidor que se sente compelido para comprar os produtos associados a essas imagens e paradigmas.
I
A argumentação sobre o facto comprovável de que as agências de publicidade usam as fraquezas das pessoas, sejam sentimentos ou formas inquinadas de pensar, é tão batida como qualquer praia erodida do litoral português.
Supostamente o telespectador é alguém com uma capacidade crítica para perceber que é tudo brincadeira e que no fundo, no momento final da compra, não se deixa ir em cantigas e compra racionalmente.
Pois eu discordo, eu e felizmente muita gente. Não só somos imunes a 24 horas de propaganda comercial, como a veiculação da informação não obedece a auto estradas racionais. O apelo a sentimentos imediatos é um bipasse à racionalidade que deveria em primeiro plano perceber quando está a ser conduzida. Isto também não é novo, há milhares de estudos a apontar isto, milhares de rios de tinta sobre o assunto. Não é novidade, excepto para a maioria dos analfabetos funcionais que não têm tempo para pensar o mundo que os rodeia. Mas é assim que é rentável. Mesmo que uns poucos se indignem por fazerem deles parvos, a maior parte acha que o atalho é a estrada principal.
Tudo bem, a malta do marketing tem de ganhar o seu e as empresas de vender. Seja como queiram.
O assunto presente é no entanto esse tal contexto em surdina que permite a postura acrítica. Não só a tomada da publicidade como inócua, mas acima de tudo, o apelo a um mundo contextual politicamente correcto, uma espécie de ‘terra em que todos adultos sabemos o que se passa e ainda guardamos algum humor ‘ em analogia às expressões faciais do José Rodrigues dos Santos quando apresentando o ‘Telejornal’ comentava serodiamente a passagem de modelos femininos, que serodiamente sempre brindava o fim de um programa informativo de quase duas horas.
A carinha e as boquinhas enviadas através cinescópio, eram para os telespectadores, numa espécie de fruição de mundo comum em que os homens olham e comentam para dentro para mostrarem uns aos outros que gostam de mulheres mas se sabem comportar.
Ora a publicidade cria esse mundo de enviesado sensus communis que supostamente é propriedade do ‘pater familias’ burguês, que se sente ainda homem além do dever, por recordação da sua malandrice polida.
A publicidade cria o mainstream que mais não é que um conjunto de ideias veiculado através de imagens.
Essas ideias ou pré-conceitos, pois não chegam a ser mediados criticamente, criam o mundo contextual no qual o sujeito acha que todos os outros vivem. A sua necessidade de ‘pertença’ e de se actualizar no espírito do tempo, ou o tornam uma ‘maria vai com as outras’ ou um marreta.
Nesse mundo contextual, tudo é permitido ás crianças pois é assim que os outros fazem e a televisão e cinema (com frequentes ajoelhares) mostram. Nesse mundo contextual é dado todo o poder sexual à mulher por detrás de uns saltos altos e batons fluorescentes, é fixe vender o corpo com uma promessa de orgasmo, e nada há que seja mais reificado que o corpo feminino, veja-se que até as ferramentas como berbequins ou lixadeiras não dispensam uma louraça em país de morenas com pouca roupa, passando para segundo plano informação mais técnica sobre o item.
Transforma-se assim o homem em marioneta dos seus mais imbecis desejos, mas é assim que vende.
Falo do homem, porque é o menos debatido, toda a gente desde ‘o segundo sexo’ sabe que as coisas são tramadas para o lado das mulheres. Mas e que ideias emergem sobre o homem, que os homens acabam por mimetizar?
Bem, parece ponto assente que hoje a masculinidade assenta em gostar ostensiva mas bem comportadamente de mulheres, ser fanático de futebol, ou escarrar para o chão e coçar a tomateira. Temos também outro lado que nos mostra o classe média provider, completamente absorvido com a opinião dos outros e o seu lugar neste mundo em que dá a vida para providenciar a abastança da sua família. Quer num quer noutro, a dimensão espiritual do ser masculino fica reduzida à sua função, ora de chefe de família ora de bruto adorável que acaba domesticado. Tal como a mulher acaba reduzida a dona de casa condenada a ver anúncios estupidificantes, ou sex bomb caso tenha estrutura para isso e ponha pouca roupa.
Há portanto uma redução política, espiritual, e social quer do homem quer da mulher. É normal, a empresa quer vender, não formar cidadãos, isso é tarefa do Estado.
Mas onde deveria ser traçada a linha que separa a propaganda da informação sobre novos produtos? Mas a publicidade não vende produtos, a publicidade vende imagem e paradigma, para se aproveitar do consumidor que se sente compelido para comprar os produtos associados a essas imagens e paradigmas.
II
Hoje analisam-se 2 vídeos sobre cremes de barrar, sejam manteiga ou margarina com sabor a manteiga e um sobre um automóvel.
Ilustram muito bem a galáxia de preconceitos em operação propagandística.
No da Flora, um tipo sonha com torpores eróticos, em fofa cama de algodão, com uma mera sandocha de manteiga, numa hiperbolização corrente dos efeitos de determinado produto no consumidor.
Ora o consumidor sabe que nenhuma torrada lhe dará torpores eróticos, mas acha engraçada este exagero, a coberto da tal ideia de a publicidade é inócua, e assim o anúncio torna-se engraçado, criando uma relação empática que se revela num momento de compra futuro.
Os torpores eróticos levam-no a exclamar o nome do produto que pode coincidir com o nome de uma amante ou relação extra, causando a indagação e indignação da parceira que acordada partilha a cama. A indignada parceira, ao pressentir uma possível traição nem que seja em sono agride o sonhador com o candeeiro na cabeça.
Ora na minha opinião, pese o mau gosto de, num país com vergonhosas taxas de violência doméstica, utilizar uma expressão de violência, o mais grave ainda é a ligeireza com que a mesma se concretiza.
Então por palha vai, toca de agredir uma outra pessoa, só por causa de um sonho. Vulgariza-se a violência bem como o capricho da esposa ciumenta. Esta vulgarização nada mais é que uma normalização da violência e do capricho, apesar de todo o espectador saber que o que passa na TV é encenado e não é verdadeiro. Mas diga o leitor se não partilha no seu local de trabalho anedotas sobre esposas ciumentas e se nunca comentou uma qualquer generalização idiota sobre as mulheres só porque a televisionou.
O 'babaca' termina o clip, com gelo no galo e dormindo no sofá, mas comendo a sua Flora com pão, satisfeito por este prazer, alheio a ter uma mulher psicótica que devia estar a ser identificada quem sabe numa esquadra de polícia.
Que imagem de homem temos aqui, senão, a de um ser mediatamente limitado, condenado a ser um esposo de casa, normalizado às tiranices de uma mulher justificada pela sociedade circundante? A violência cometida por mulheres, ironicamente a soldo da 'paixão‘, é mais sexy ou menos violência que aquela que é cometida por homens?
Hoje analisam-se 2 vídeos sobre cremes de barrar, sejam manteiga ou margarina com sabor a manteiga e um sobre um automóvel.
Ilustram muito bem a galáxia de preconceitos em operação propagandística.
No da Flora, um tipo sonha com torpores eróticos, em fofa cama de algodão, com uma mera sandocha de manteiga, numa hiperbolização corrente dos efeitos de determinado produto no consumidor.
Ora o consumidor sabe que nenhuma torrada lhe dará torpores eróticos, mas acha engraçada este exagero, a coberto da tal ideia de a publicidade é inócua, e assim o anúncio torna-se engraçado, criando uma relação empática que se revela num momento de compra futuro.
Os torpores eróticos levam-no a exclamar o nome do produto que pode coincidir com o nome de uma amante ou relação extra, causando a indagação e indignação da parceira que acordada partilha a cama. A indignada parceira, ao pressentir uma possível traição nem que seja em sono agride o sonhador com o candeeiro na cabeça.
Ora na minha opinião, pese o mau gosto de, num país com vergonhosas taxas de violência doméstica, utilizar uma expressão de violência, o mais grave ainda é a ligeireza com que a mesma se concretiza.
Então por palha vai, toca de agredir uma outra pessoa, só por causa de um sonho. Vulgariza-se a violência bem como o capricho da esposa ciumenta. Esta vulgarização nada mais é que uma normalização da violência e do capricho, apesar de todo o espectador saber que o que passa na TV é encenado e não é verdadeiro. Mas diga o leitor se não partilha no seu local de trabalho anedotas sobre esposas ciumentas e se nunca comentou uma qualquer generalização idiota sobre as mulheres só porque a televisionou.
O 'babaca' termina o clip, com gelo no galo e dormindo no sofá, mas comendo a sua Flora com pão, satisfeito por este prazer, alheio a ter uma mulher psicótica que devia estar a ser identificada quem sabe numa esquadra de polícia.
Que imagem de homem temos aqui, senão, a de um ser mediatamente limitado, condenado a ser um esposo de casa, normalizado às tiranices de uma mulher justificada pela sociedade circundante? A violência cometida por mulheres, ironicamente a soldo da 'paixão‘, é mais sexy ou menos violência que aquela que é cometida por homens?
Neste e no próximo vídeo, emerge a completa figura do porreiraço, que é o estereótipo segundo o qual o homem moderno aparece televisivamente.
O porreiraço tudo tolera com um sorriso nos lábios.
É um gajo que não levanta ondas, anui a tudo, que quase pede desculpa pela sua existência anódina.
No anúncio da Planta, o carácter afrodisíaco deste creme não evoca ‘O último tango em Paris’, mas uma espécie de creme milagroso composto de Ciális e de essência do Grenouille, que permite parceira após parceira, manter uma auréola de fascínio por uma figura masculina com cara de parvo mas porreiro, sem maneiras ou higiene, completamente sôfrego a comer e que supostamente comete todos aqueles pequenos erros que as mulheres detestam, mas que graças à Planta são até virtuosamente atraentes.
A música, tolamente dondoca, os pensamentos das mulheres aparentemente insuspeitos ante a indiferença do homem que come, criam empatia com as mulheres que já pensaram nisso e com os homens que secretamente admiram a promiscuidade do garanhão e a sua total preocupação com as suas necessidades, passando a ideia de força…ou seja um homem para ser forte basta imitar o comportamento do tipo que come de boca aberta, deixa migalhas na cama, rouba as torradas, e parece um hamster a comer.
É a tal mensagem, ainda que aparentemente diferente, do porreiraço que coça os tomates escarra para o chão e é indigente, quer de maneiras quer de vida reflexiva.
É esta a imagem de homem que parece servir de norma.
Este engatatão boçal transfigura-se de novo no anúncio da Ford, sobre o Sync.
Nele reaparece o gajo sem espinal medula. Teve a coragem de dizer o que pensava mas depois volta atrás para obter de novo a aprovação da companheira, que tal como a da flora, é de fácil amuo.
Nele aparecem os mesmo estereótipos, neste caso o namorado / marido a falar 'mal' do sogro.
Neste anúncio é utilizada a tecnologia para a total submissão masculina, como forma de comprar as pazes com a mulher, que se ri, porque a tecnologia é novidade e as desculpas, de abjecta submissão são proferidas por uma voz a ambos alheia.
Ser homem assim, é bom para o negócio.
O porreiraço tudo tolera com um sorriso nos lábios.
É um gajo que não levanta ondas, anui a tudo, que quase pede desculpa pela sua existência anódina.
No anúncio da Planta, o carácter afrodisíaco deste creme não evoca ‘O último tango em Paris’, mas uma espécie de creme milagroso composto de Ciális e de essência do Grenouille, que permite parceira após parceira, manter uma auréola de fascínio por uma figura masculina com cara de parvo mas porreiro, sem maneiras ou higiene, completamente sôfrego a comer e que supostamente comete todos aqueles pequenos erros que as mulheres detestam, mas que graças à Planta são até virtuosamente atraentes.
A música, tolamente dondoca, os pensamentos das mulheres aparentemente insuspeitos ante a indiferença do homem que come, criam empatia com as mulheres que já pensaram nisso e com os homens que secretamente admiram a promiscuidade do garanhão e a sua total preocupação com as suas necessidades, passando a ideia de força…ou seja um homem para ser forte basta imitar o comportamento do tipo que come de boca aberta, deixa migalhas na cama, rouba as torradas, e parece um hamster a comer.
É a tal mensagem, ainda que aparentemente diferente, do porreiraço que coça os tomates escarra para o chão e é indigente, quer de maneiras quer de vida reflexiva.
É esta a imagem de homem que parece servir de norma.
Este engatatão boçal transfigura-se de novo no anúncio da Ford, sobre o Sync.
Nele reaparece o gajo sem espinal medula. Teve a coragem de dizer o que pensava mas depois volta atrás para obter de novo a aprovação da companheira, que tal como a da flora, é de fácil amuo.
Nele aparecem os mesmo estereótipos, neste caso o namorado / marido a falar 'mal' do sogro.
Neste anúncio é utilizada a tecnologia para a total submissão masculina, como forma de comprar as pazes com a mulher, que se ri, porque a tecnologia é novidade e as desculpas, de abjecta submissão são proferidas por uma voz a ambos alheia.
Ser homem assim, é bom para o negócio.