I – Biologia debaixo dos bytes
O Facebook (doravante FB) é uma rede social em suporte informático que permite a interacção entre indivíduos, quer estes estejam organizados ou agrupados ou não. A sua pertinência actual reside na sua capacidade de ligar vários indivíduos de dispares proveniências e contextos, em torno de uma área consensual e supostamente neutra, o FB com o seu mural.
É considerado uma coisa boa, uma ferramenta de comunicação, e pouca gente há, que não o use. Quem o usa sente-se reconfortado por agregar num espaço ordenado e delimitado, a sua rede de conhecimentos e relações, uma espécie de ‘cliente de email’ de amigos. O amigo ou o conhecido estão à distância de um click de rato.
O FB é uma autêntica base de dados sobre pessoas, grupos, movimentos, instituições, etc. É uma base de dados que se autoactualiza para gáudio dos protectores da lei e ordem ou dos serviçais do ‘Big Brother’. Todos sabemos disso, em maior ou menor grau, e por mais patranhas que a comunicação social tente engendrar.
O FB não foi a primeira rede social, mas é até ao momento a mais bem sucedida, tendo entrado recentemente em bolsa e tudo. Capitaliza este sucesso em torno do seu formato, que se baseia em duas atitudes inatas do macaco homem, a) a curiosidade acerca dos ‘populares’ da tribo, e b) o conhecimento da tribo no geral.
Na primeira premissa que a antropogénese nos legou, há o mecanismo do ‘segue o líder’ e o da comparação em relação ao ‘sucesso’ no meio social.
Na segunda, o estabelecimento de alianças e ligações com outros elementos segue os padrões simiescos do comportamento da nossa especial espécie de primatas, observável em qualquer programa de vida animal.
A nossa tribo alargada é o ‘mundo’. O FB alia estas raízes do comportamento com o formato do livro de curso ou ‘yearbook’ que era uma espécie de almanaque em que as escolas americanas ou clubes de basebol registavam a passagem dos indivíduos em determinada fase da sua vida e percurso escolar.
Subjacente, a já conhecida dinâmica entre o ‘popular’ e o ‘looser’ (http://www.raistapartisse.com/5/post/2012/09/aguarela-chuva.html)
A dualidade entre vencedores e vencidos da vida numa espécie de catálogo precoce em jeito de adivinhação.
Este é o ‘yearbook’ que se transformou na época digital em face-book, com as fotos, os desabafos, as citações e toda a parafernália que só a banda larga agora permite.
A ideia de negócio foi sabiamente elaborada (ou copiada e comprada) por Zuckerberg, ainda estudante, colocando em suporte informático a humana e comezinha propriedade de querer actualizar o conhecimento de pessoas que fizeram de alguma forma parte da sua vida, no passado, que partilham o nosso presente e que constituem uma promessa potencial para o futuro.
Durante alguns anos, os meios de comunicação social promoveram esta rede com notícias do grupo cada vez maior de utilizadores, que correspondia à população país x ou z, ou de supostos dramas em torno da utilização do FB por famosos, comuns, empresas que despediam após saberem de pecados dos empregados (aqui), e outros casos relevantes.
Esta atenção mediática (partilhada com uma incompreensível veneração aos produtos da Apple) é perturbadora e recebe tons de actualidade tecno-sociológica, mas nada mais é que propaganda e tecnologia para analfabetos em tecnologia. Poderá ser o target almejado ou apenas desinformação.
II – A falha de amor-próprio
O FB é assim uma ferramenta ao mesmo tempo que uma falha de carácter de amor-próprio.
É uma plataforma de engate, meio de divulgação, de comunicação, mobilização, entre indivíduos, grupos homogéneos, em parte jornal, cartão-de-visita ou publicidade em massa.
É uma falha de amor-próprio e de carácter porque no íntimo, no nosso íntimo, a encoberto do anonimato não conseguimos evitar bisbilhotar a vida de outros, que tão facilmente nos facultam online parte dela.
Seja para ajuizar do nosso grau de ‘sucesso’ seja apenas por curiosidade, há qualquer coisa nesta nossa curiosidade que cheira a falha de carácter. Dificil de definir, difícil de escapar, da vontade de saber dos outros que participaram na narrativa da nossa vida, como estão, se estão bem, como estão.
Em surdina porém se levantam duas questões.
Se a nossa curiosidade é genuína, porque é que a maior parte dos nossos amigos no nosso perfil são pessoas que não vimos, falamos há anos, apenas ali ficando em banho maria, medalhas desta nossa curiosidade, sem troca de palavras, só porque de certa forma temos receio de alienar alguém que fez parte do nosso passado?
Que pureza de amor filial é essa, que não teve intensidade suficiente para que fôssemos à procura destas pessoas que agora ao fim de tanto tempo são amigos ‘imprescindíveis’?
Pode-se dizer tal como quando se mete um pai ou uma mãe num lar decrépito, que ‘é a vida e o seu curso’? Há aqui qualquer coisa de esquizóide.
Pessoas importantes da nossa vida de quem perdemos contacto e que só agora através da comodidade do FB, retomamos na nossa vida, e do seu curso. Quem quer consegue, quem não quer, consegue desculpas?
Concedo a possível inexactidão do que aqui considero. Mas não se pode negar a sua pertinência.
Propagandeado, o FB é uma forma de unir amigos do mundo real que nunca o foram realmente, apenas amigos de circunstância. Só mantém amigos de circunstância quem por falha de carácter age na vida como rapace oportunista, e quem por falha de amor-próprio não ache merecer algo de melhor. Ambos unidos pela pobreza de espírito que asfixia qualquer intervalo reflexivo sobre o assunto.
III – Amizades de circunstância
Fomos amigos de circunstância quando nos conhecemos, convivemos em determinado espaço e tempo, e perpetuamos essa amizade de circunstância no FB em nome da memória das pessoas que éramos e já não somos, celebrando um tempo ido que nos carrega mais jovens por contraponto ao tempo presente.
Fora o facto desta amizade de circunstância, a actualização da informação sobre as figuras que de alguma forma nos marcaram, revela o mecanismo interno profundo segundo o qual nos comparamos com os outros (de quem dizemos ser amigos) e ajuizamos sobre o decurso das suas vidas. Em parte e por isso, há uma grande preocupação em compor o ramalhete do nosso perfil, imagem visitável com agradáveis epitáfios, porque sabemos que outros virão bisbilhotar o nosso trajecto e ‘sucesso’.
Assim, a virtualidade facebookiana é uma rede de ficções que são compostas por fotos escolhidas a dedo, informação lisonjeira que em conjunto compõe a imagem de nós que queremos que os outros tenham, tecida com paciência de aranha chinesa.
Sob a ideia superficial de que apenas partilhamos a nossa vida (louca que não deixou aprofundar amizades) com os nossos amigos de circunstância, o que no fundo fazemos é vender uma imagem que tecemos, engolimos e projectamos de nós próprios.
O que fazemos é trocar a nossa ficção composta por aquilo que achamos que os outros vão achar de nós, e que por sua vez confirmará a nossos olhos, a ficção que criámos, num loop de feedback, num círculo vicioso neurótico, que deixa de fora como uma bota no glúteo, a tal vida real, a que se faz nos entretantos do que se tenta mostrar.
É certo que os nossos momentos menos bons ou rotineiros não interessam aos nossos amigos de circunstância a não ser que confirmem a imagem que queremos projectar, nem a banalidade da nossa vida agrada aos amigos e conhecidos mas pode ser usada como hino egóico à própria existência tentando mobilizar para a especialidade do seu umbigo, outros militantes que padecem das mesmas congeminações de uma vida cruel suplantada pêlos achaques infantis de ‘OMG fila para o café de meia hora’ ou ‘Entornei o café nas calças, que mais me vai acontecer hoje?!’, desabafos sobre o último jogo de bola, ou leituras elementares de acontecimentos políticos, celebrando uma noitada, almoçarada ou ainda o clássico ‘So many bastards so few bullets’.
Isto serve o propósito duplo de angariar cumplicidades de quem se presta a estas celebrações egocêntricas denotadas sob o adjectivo ‘vida’, na fantasia colectiva elaborada a imensas mãos, de um mundo supostamente universal, onde a tirania de um chefe no trabalho provoca mais exasperação que o trabalho infantil envolvido nos gadgets que se dedilham para postar desabafos no mural à espera de compreensão e apoio nas pequeninas cruzadas.
As básicas indagações dadas como profundas cogitações metafísicas só porque saídas do amâgo do umbigo, assumem portanto ou uma genuína indagação por informação, ou uma interrogação retórica que visa somente suscitar comentários e empatias.
IV – Adro da emoção
O desabafo é libertado de várias maneiras, visa não só chamar atenção, como alertar para a pertinência ou sagacidade do emissor que escreve, cita, comenta ou comunica postando imagens, geralmente enunciando a incompetência alheia , feitios difíceis alheios, e castigo físico a condizer.
A frívola celebração pessoal assume uma miríade de formas, o que interessa é ser-se apercebido e valorizado, na virtualização online das mesmas formas de relacionamento social que se observam facilmente na ‘casa dos segredos’ ou em qualquer sitcom de gosto dúbio e falsas gargalhadas.
A celebração da frivolidade por vezes corresponde a uma certa disposição de espírito burguês e pouco elaborado, que visa acolher consideração por insuficiência endémica própria.
Quem tenta chamar atenção para a sua vida necessita de atenção, de se sentir especial, e acalenta no fundo a crença de que a sua vida ou não vale nada, ou em casos extremos que a sua vida merece mais atenção que a devida.
Estes propósitos encaixam como luva no formato do Facebook na medida em que servem a finalidade de mostrar, como em montra, da venda de nós próprios usando os outros como caixa-de-ressonância. Seja a imagem de uma nova tatuagem na pernoca, a cara de um filho feliz a comer algodão doce, um vídeo sobra a tropa/polícia/bombeiros (geralmente por militares, polícias ou bombeiros), de festas, estilos de vida, degraus da vida, happenings da Remax, em álbuns fotográficos que colam o individuo à peça de teatro que representa à espera das palmas.
A criação do nosso alter ego digital para consumo próprio e alheio, é a mais profunda manifestação da sociedade do espectáculo e da nossa transformação em produto fictício. O facebook é apenas mais uma das passerelles deste desfile.
O sujeito de copo de gin na mão em festas da ‘vida loca’ em perfil do linkedin aparece com respeitável fato de macaco azul ou fato de colarinho branco, afinal com o trabalho não se brinca, numa estonteante múltipla personalidade, que o transforma também, em si-próprio de circunstância.
Mesmo os que se esforçam por criar uma imagem ‘séria’, limpa, neutra, profissional, no Facebook, ocasionalmente colocam fotos de um destino de sonho, ligações para artigos da ‘sua’ área, celebrando o martírio de uma seriedade grave que reveste o mundo deles e dos ingénuos restantes.
Os mesmos que celebram as virtudes familiares, através do diário fotográfico público, revelando todas as frívolas tragicomédias partilháveis empaticamente por outros semelhantes que navegam na mesma camada de superfície acerca das coisas, celebrando assim a comum zona de conforto, postam um retrato dos filhos de manhã a tomar o seu infantil banho, enquanto à tarde exigem mais controlo do flagelo da pedofilia. As definições de segurança da plataforma são fiáveis e por isso ninguém pode ver o que não se quer visto, a não ser o improvável amigo do amigo de circunstância da lista de 500 e tal de perfeitas condições mentais.
É no facebook que parcelas da nossa personalidade se relaciona com as parcelas de personalidades de outros.
Parcelas de personalidade relacionam-se com parcelas de personalidade de amigos de circunstância num mundo virtual e fruto da nossa fantasia paranóica. Esta é a realidade. E esta é a realidade defendida por quem leva tão a sério o seu mural. Sob o véu da normalidade escondem-se personalidades ocas ou com instrução deficiente, que andam no mundo por ver andar os outros, contentando-se com o mastigar do mesmo feno que todos os outros ruminam, encontrando na normalidade o conforto e a segurança que se lhes escapa de uma vida reflectida. Quem leva muito a sério as coisas que colocas ou comentas no seu mural, é sob este ponto de vista, e sob a capa de uma defesa de um espaço público da sua imagem, um ser neurótico e inseguro, que foge da cogitação interior e apenas deseja fazer de si e do que o rodeia aquilo que acha que os outros fazem ou acham que deve ser feito. É uma ‘maria vai com as outras’, um camaleão social que vingaria na tribo e no tecido social tribal, adaptando-se a todas as alianças e guerrilhas, mas nunca será um original, apenas uma caixa-de-ressonância, adaptado ao seu contexto, mas menos humanizado porque não digno de se dedicar à sua espiritualidade.
Ao bloquearem os outros que lhes trolam os perfis, os sérios, os respeitáveis, vão mantendo o mundo real da falsidade, ou da realidade falseada, ou da realidade limitada, marcando o ritmo de um voyerismo e exibicionismo que nos caracterizam a visão do mundo que se sucede a cada instante, no lar de córtex mamífero de seguir e imitar o líder, aspirar à liderança e adaptar-se à tribo.
No facebook a adaptação passa pelas referências à actualidade, à música, aos happenings, gadgets, numa rotação da roda do tempo que traz o mesmo sempre sob a capa do novo, o novo nada é senão a repetição do mesmo.
O mundo da actualidade não é senão a manifestação infantil e tagarela de pertença à tribo.
Tal como no futebol de massas nos sentimos pertença da tribo alargada lusitana, no facebook postamos para nos sentirmos actualizados e vistos como actuais pêlos nossos pares, por aquelas ficções que achamos que fizeram parte da nossa vida.
Procura-se o novo, o viral, o chocante, raramente alguém revela um pensamento parido na solitude reflexiva, ponderado e amadurecido, e além de aforismo insondável. Antes se prefere a citação os lugares comuns, de famosos ou pseudo famosos com frases motivacionais para a vida fora de contexto que passam por sabedoria.
V – as ciências da motivação
Funciona assim em parte o facebook como poderoso engodo para um simulacro de rede social genuína, auto actualizável, placebo para a solidão.
A motivação neuro linguística, o optimismo abnegado e autista, que esteia as opções de muitas pessoas que furiosamente se dedicam a ser felizes, e partilham com os outros os seixos que pavimentaram o seu caminho para o sucesso, como se os outros não soubessem ser felizes, ou como se apenas existisse um caminho para a felicidade, que passa pelas cãibras nos lábios de manter à força um sorriso constante.
Prolifera um acervo assustador de máximas ou motes imbecis e genéricos, e este optimismo abnegado mascarado de postura de bem com a vida, acrítico, extirpa ou trata como criança qualquer parcela de ser humano virtual, assolada pela dúvida ou pela certeza do engodo que exige pagamento pelo meio do caminho de seixos, extirpa bloqueando, pois este negativo vem aqui dar cabo das energias. Positivas.
O ‘The secret’ o Dale Carnegie e outros são mantras ideológicos que dispensam o espírito crítico, em arraiais de franchisings norte americanos de sistemas de sucesso e felicidade, para os quais é necessário ordenar a mente e seguir certos métodos e seminários.
Como em tudo então se revela o facebook, como a melhor ferramenta de venda, de uma imagem da ‘vida’. De um conjunto de princípios que constituem uma mundividência. Uma superestrutura, (da qual os participantes dispensam a troca de ideias com os ‘opositores’, abnegados a ser felizes), reverenciando a citação por mais estúpida que seja só porque reflecte uma crença interior própria.
VI – Os habitantes
O facebook enquanto suposto espaço de liberdade comunicativa, atrai vários tipos de transeuntes.
Organizá-los, enumerá-los é inglório e inútil. Mas podemos enquadrá-los de acordo com os seus humores e intenções.
Há os positivos e os negativos.
Quer num pólo quer noutro, há diversos tons e gradações. No lado positivo, começamos por pessoas que usam o fb de forma neutra isto é, postam pouco, e usam-no apenas como agenda de contactos que precisem contactar, são autênticas miragens e sabemos que existem e estão vivos através daqueles que os tagam em fotos.
Depois dos neutros temos os sérios que usam o fb como algo de muito sério e profissional, é o daddy responsável ou a empregada de escritório que veste fato. Postam pouco, sobre assuntos monótonos que julgam perceber e dominar, e a sua crença de que interessam estes assuntos aos outros só tem par com a gravidade e fatalismo dos seus juízos quando chamados a emitir opinião sobre o que pensam saber. Geralmente, se são economistas ou fiscalistas, no zeitgeist presente, tornam-se em sarcásticos oráculos cujas sentenças provam apodicticamente que a Economia e a Fiscalidade, são mesmo ciências exactas. Os mais grunhos dão-se inclusive ao trabalho de emitir sentenças e soluções para Portugal, que não anda para a frente por causa de pessoas que não pensam como eles, e não veneram certas escolas de pensamento económico.
Depois temos a grande maioria de utilizadores, que posta um pouco de tudo, especialmente das pequenas coisas que se passam na sua vida privada, revelando uma necessidade de atenção, e de trazer normalidade e ‘invejabilidade’ para a sua existência, postando a sua ‘vida loca’ de almoços em horário laboral, férias em destinos paradisíacos e noitadas em sítios da moda, numa panóplia de exibicionismo que mostre aos outros que o sujeito em questão é bem-sucedido e sabe viver a vida, por contraposição às formigas a quem só resta invejar.
Outras tagarelices são a atracção para a vida corrente, como as fotos sobre sushi caseiro, a lareira acesa, abraçados aos filhos como em álbum de família, etc., na celebração da classe média aburguesada que a si mesma se celebra. Múltipla e variada, como só a classe média consegue ser.
Gradualmente até ao pólo negativo encontramos aqueles que usam o fb como meio de divulgação, de produtos motivacionais, esquemas de negócio fácil, esquemas ponzi, blogs, grupos, bandas musicais, etc. …
Temos os gozões que usam o facebook para postar fotos chocantes ou irónicas, links caricatos, numa demonstração que não levam o espaço demasiado a sério, mas ainda assim respeitam quem o frequenta, apesar de sentirem ser contra o ‘sistema’.
No espectro diametralmente oposto, temos os gozões e os trolls. Os gozões gozam pela negativa, isto é provocando e inflamando para se sentirem importantes.
Como os outros já abordados, utilizam o próximo como meio para obter algo.
O chamado troll, é uma criatura irritante e profusamente bloqueada, que provoca e alimenta-se de onde quer que haja uma discussão. Na maior parte das vezes é aquele tipo de pessoa que pressente a falsidade da rede social, e sente-se desadequado do mundo de Pollyanna em que observa os outros. Não perde uma ocasião para inflamar ou provocar, o que lhe causa ostracismo e até inimizades no mundo real daqueles que levam o facebook demasiado a sério.
Não acredita e não respeita a sacralidade do espaço desta imagem pública que considera falsa logo passível de gozo, e desafio. Ofende-se com a gratuidade dos bloqueios e com a sua desadequação da era digital, o que só lhe aumenta o amargor e a vontade de gozar com os cordeiros que bezerram.
Onde quer que intervenha é mal visto. A sua energia revolucionária é negativa e sobe ou desce sempre com o grau de comentários e posts polidos e assexuados que lê, deitando-se sozinho à noite com raiva dos broncos que celebram a futilidade para gáudio comum, acossado pela indiferença com que o brindam e convicto de que como Sócrates apenas luta por um pouco mais de espinha e autenticidade. Sócrates era um troll.
Como rede social, o facebook é uma experiência de pensamento fascinante. Os seus habitantes geralmente consideram o ‘seu’ perfil ficcionado como um espaço de imagem pública que concedem aos outros para se relacionarem, e que portanto a sua imagem está em jogo nesse espaço virtual, mesmo que seja uma imagem de faz de conta na medida em que não passa de uma dramatis personae elaborada para sacar dos outros alguma coisa que alicia ao sujeito… que se considera dono do perfil de uma plataforma que não lhe pertence, e para a qual é chamado a participar para ser espiado. Defendem esta imagem desejada de modo viril, com o único poder digital que lhes resta, retirar o outro da sua esfera de amizade, limpar as energias no mural, e continuar o prolongamento da fábula.
O Facebook (doravante FB) é uma rede social em suporte informático que permite a interacção entre indivíduos, quer estes estejam organizados ou agrupados ou não. A sua pertinência actual reside na sua capacidade de ligar vários indivíduos de dispares proveniências e contextos, em torno de uma área consensual e supostamente neutra, o FB com o seu mural.
É considerado uma coisa boa, uma ferramenta de comunicação, e pouca gente há, que não o use. Quem o usa sente-se reconfortado por agregar num espaço ordenado e delimitado, a sua rede de conhecimentos e relações, uma espécie de ‘cliente de email’ de amigos. O amigo ou o conhecido estão à distância de um click de rato.
O FB é uma autêntica base de dados sobre pessoas, grupos, movimentos, instituições, etc. É uma base de dados que se autoactualiza para gáudio dos protectores da lei e ordem ou dos serviçais do ‘Big Brother’. Todos sabemos disso, em maior ou menor grau, e por mais patranhas que a comunicação social tente engendrar.
O FB não foi a primeira rede social, mas é até ao momento a mais bem sucedida, tendo entrado recentemente em bolsa e tudo. Capitaliza este sucesso em torno do seu formato, que se baseia em duas atitudes inatas do macaco homem, a) a curiosidade acerca dos ‘populares’ da tribo, e b) o conhecimento da tribo no geral.
Na primeira premissa que a antropogénese nos legou, há o mecanismo do ‘segue o líder’ e o da comparação em relação ao ‘sucesso’ no meio social.
Na segunda, o estabelecimento de alianças e ligações com outros elementos segue os padrões simiescos do comportamento da nossa especial espécie de primatas, observável em qualquer programa de vida animal.
A nossa tribo alargada é o ‘mundo’. O FB alia estas raízes do comportamento com o formato do livro de curso ou ‘yearbook’ que era uma espécie de almanaque em que as escolas americanas ou clubes de basebol registavam a passagem dos indivíduos em determinada fase da sua vida e percurso escolar.
Subjacente, a já conhecida dinâmica entre o ‘popular’ e o ‘looser’ (http://www.raistapartisse.com/5/post/2012/09/aguarela-chuva.html)
A dualidade entre vencedores e vencidos da vida numa espécie de catálogo precoce em jeito de adivinhação.
Este é o ‘yearbook’ que se transformou na época digital em face-book, com as fotos, os desabafos, as citações e toda a parafernália que só a banda larga agora permite.
A ideia de negócio foi sabiamente elaborada (ou copiada e comprada) por Zuckerberg, ainda estudante, colocando em suporte informático a humana e comezinha propriedade de querer actualizar o conhecimento de pessoas que fizeram de alguma forma parte da sua vida, no passado, que partilham o nosso presente e que constituem uma promessa potencial para o futuro.
Durante alguns anos, os meios de comunicação social promoveram esta rede com notícias do grupo cada vez maior de utilizadores, que correspondia à população país x ou z, ou de supostos dramas em torno da utilização do FB por famosos, comuns, empresas que despediam após saberem de pecados dos empregados (aqui), e outros casos relevantes.
Esta atenção mediática (partilhada com uma incompreensível veneração aos produtos da Apple) é perturbadora e recebe tons de actualidade tecno-sociológica, mas nada mais é que propaganda e tecnologia para analfabetos em tecnologia. Poderá ser o target almejado ou apenas desinformação.
II – A falha de amor-próprio
O FB é assim uma ferramenta ao mesmo tempo que uma falha de carácter de amor-próprio.
É uma plataforma de engate, meio de divulgação, de comunicação, mobilização, entre indivíduos, grupos homogéneos, em parte jornal, cartão-de-visita ou publicidade em massa.
É uma falha de amor-próprio e de carácter porque no íntimo, no nosso íntimo, a encoberto do anonimato não conseguimos evitar bisbilhotar a vida de outros, que tão facilmente nos facultam online parte dela.
Seja para ajuizar do nosso grau de ‘sucesso’ seja apenas por curiosidade, há qualquer coisa nesta nossa curiosidade que cheira a falha de carácter. Dificil de definir, difícil de escapar, da vontade de saber dos outros que participaram na narrativa da nossa vida, como estão, se estão bem, como estão.
Em surdina porém se levantam duas questões.
Se a nossa curiosidade é genuína, porque é que a maior parte dos nossos amigos no nosso perfil são pessoas que não vimos, falamos há anos, apenas ali ficando em banho maria, medalhas desta nossa curiosidade, sem troca de palavras, só porque de certa forma temos receio de alienar alguém que fez parte do nosso passado?
Que pureza de amor filial é essa, que não teve intensidade suficiente para que fôssemos à procura destas pessoas que agora ao fim de tanto tempo são amigos ‘imprescindíveis’?
Pode-se dizer tal como quando se mete um pai ou uma mãe num lar decrépito, que ‘é a vida e o seu curso’? Há aqui qualquer coisa de esquizóide.
Pessoas importantes da nossa vida de quem perdemos contacto e que só agora através da comodidade do FB, retomamos na nossa vida, e do seu curso. Quem quer consegue, quem não quer, consegue desculpas?
Concedo a possível inexactidão do que aqui considero. Mas não se pode negar a sua pertinência.
Propagandeado, o FB é uma forma de unir amigos do mundo real que nunca o foram realmente, apenas amigos de circunstância. Só mantém amigos de circunstância quem por falha de carácter age na vida como rapace oportunista, e quem por falha de amor-próprio não ache merecer algo de melhor. Ambos unidos pela pobreza de espírito que asfixia qualquer intervalo reflexivo sobre o assunto.
III – Amizades de circunstância
Fomos amigos de circunstância quando nos conhecemos, convivemos em determinado espaço e tempo, e perpetuamos essa amizade de circunstância no FB em nome da memória das pessoas que éramos e já não somos, celebrando um tempo ido que nos carrega mais jovens por contraponto ao tempo presente.
Fora o facto desta amizade de circunstância, a actualização da informação sobre as figuras que de alguma forma nos marcaram, revela o mecanismo interno profundo segundo o qual nos comparamos com os outros (de quem dizemos ser amigos) e ajuizamos sobre o decurso das suas vidas. Em parte e por isso, há uma grande preocupação em compor o ramalhete do nosso perfil, imagem visitável com agradáveis epitáfios, porque sabemos que outros virão bisbilhotar o nosso trajecto e ‘sucesso’.
Assim, a virtualidade facebookiana é uma rede de ficções que são compostas por fotos escolhidas a dedo, informação lisonjeira que em conjunto compõe a imagem de nós que queremos que os outros tenham, tecida com paciência de aranha chinesa.
Sob a ideia superficial de que apenas partilhamos a nossa vida (louca que não deixou aprofundar amizades) com os nossos amigos de circunstância, o que no fundo fazemos é vender uma imagem que tecemos, engolimos e projectamos de nós próprios.
O que fazemos é trocar a nossa ficção composta por aquilo que achamos que os outros vão achar de nós, e que por sua vez confirmará a nossos olhos, a ficção que criámos, num loop de feedback, num círculo vicioso neurótico, que deixa de fora como uma bota no glúteo, a tal vida real, a que se faz nos entretantos do que se tenta mostrar.
É certo que os nossos momentos menos bons ou rotineiros não interessam aos nossos amigos de circunstância a não ser que confirmem a imagem que queremos projectar, nem a banalidade da nossa vida agrada aos amigos e conhecidos mas pode ser usada como hino egóico à própria existência tentando mobilizar para a especialidade do seu umbigo, outros militantes que padecem das mesmas congeminações de uma vida cruel suplantada pêlos achaques infantis de ‘OMG fila para o café de meia hora’ ou ‘Entornei o café nas calças, que mais me vai acontecer hoje?!’, desabafos sobre o último jogo de bola, ou leituras elementares de acontecimentos políticos, celebrando uma noitada, almoçarada ou ainda o clássico ‘So many bastards so few bullets’.
Isto serve o propósito duplo de angariar cumplicidades de quem se presta a estas celebrações egocêntricas denotadas sob o adjectivo ‘vida’, na fantasia colectiva elaborada a imensas mãos, de um mundo supostamente universal, onde a tirania de um chefe no trabalho provoca mais exasperação que o trabalho infantil envolvido nos gadgets que se dedilham para postar desabafos no mural à espera de compreensão e apoio nas pequeninas cruzadas.
As básicas indagações dadas como profundas cogitações metafísicas só porque saídas do amâgo do umbigo, assumem portanto ou uma genuína indagação por informação, ou uma interrogação retórica que visa somente suscitar comentários e empatias.
IV – Adro da emoção
O desabafo é libertado de várias maneiras, visa não só chamar atenção, como alertar para a pertinência ou sagacidade do emissor que escreve, cita, comenta ou comunica postando imagens, geralmente enunciando a incompetência alheia , feitios difíceis alheios, e castigo físico a condizer.
A frívola celebração pessoal assume uma miríade de formas, o que interessa é ser-se apercebido e valorizado, na virtualização online das mesmas formas de relacionamento social que se observam facilmente na ‘casa dos segredos’ ou em qualquer sitcom de gosto dúbio e falsas gargalhadas.
A celebração da frivolidade por vezes corresponde a uma certa disposição de espírito burguês e pouco elaborado, que visa acolher consideração por insuficiência endémica própria.
Quem tenta chamar atenção para a sua vida necessita de atenção, de se sentir especial, e acalenta no fundo a crença de que a sua vida ou não vale nada, ou em casos extremos que a sua vida merece mais atenção que a devida.
Estes propósitos encaixam como luva no formato do Facebook na medida em que servem a finalidade de mostrar, como em montra, da venda de nós próprios usando os outros como caixa-de-ressonância. Seja a imagem de uma nova tatuagem na pernoca, a cara de um filho feliz a comer algodão doce, um vídeo sobra a tropa/polícia/bombeiros (geralmente por militares, polícias ou bombeiros), de festas, estilos de vida, degraus da vida, happenings da Remax, em álbuns fotográficos que colam o individuo à peça de teatro que representa à espera das palmas.
A criação do nosso alter ego digital para consumo próprio e alheio, é a mais profunda manifestação da sociedade do espectáculo e da nossa transformação em produto fictício. O facebook é apenas mais uma das passerelles deste desfile.
O sujeito de copo de gin na mão em festas da ‘vida loca’ em perfil do linkedin aparece com respeitável fato de macaco azul ou fato de colarinho branco, afinal com o trabalho não se brinca, numa estonteante múltipla personalidade, que o transforma também, em si-próprio de circunstância.
Mesmo os que se esforçam por criar uma imagem ‘séria’, limpa, neutra, profissional, no Facebook, ocasionalmente colocam fotos de um destino de sonho, ligações para artigos da ‘sua’ área, celebrando o martírio de uma seriedade grave que reveste o mundo deles e dos ingénuos restantes.
Os mesmos que celebram as virtudes familiares, através do diário fotográfico público, revelando todas as frívolas tragicomédias partilháveis empaticamente por outros semelhantes que navegam na mesma camada de superfície acerca das coisas, celebrando assim a comum zona de conforto, postam um retrato dos filhos de manhã a tomar o seu infantil banho, enquanto à tarde exigem mais controlo do flagelo da pedofilia. As definições de segurança da plataforma são fiáveis e por isso ninguém pode ver o que não se quer visto, a não ser o improvável amigo do amigo de circunstância da lista de 500 e tal de perfeitas condições mentais.
É no facebook que parcelas da nossa personalidade se relaciona com as parcelas de personalidades de outros.
Parcelas de personalidade relacionam-se com parcelas de personalidade de amigos de circunstância num mundo virtual e fruto da nossa fantasia paranóica. Esta é a realidade. E esta é a realidade defendida por quem leva tão a sério o seu mural. Sob o véu da normalidade escondem-se personalidades ocas ou com instrução deficiente, que andam no mundo por ver andar os outros, contentando-se com o mastigar do mesmo feno que todos os outros ruminam, encontrando na normalidade o conforto e a segurança que se lhes escapa de uma vida reflectida. Quem leva muito a sério as coisas que colocas ou comentas no seu mural, é sob este ponto de vista, e sob a capa de uma defesa de um espaço público da sua imagem, um ser neurótico e inseguro, que foge da cogitação interior e apenas deseja fazer de si e do que o rodeia aquilo que acha que os outros fazem ou acham que deve ser feito. É uma ‘maria vai com as outras’, um camaleão social que vingaria na tribo e no tecido social tribal, adaptando-se a todas as alianças e guerrilhas, mas nunca será um original, apenas uma caixa-de-ressonância, adaptado ao seu contexto, mas menos humanizado porque não digno de se dedicar à sua espiritualidade.
Ao bloquearem os outros que lhes trolam os perfis, os sérios, os respeitáveis, vão mantendo o mundo real da falsidade, ou da realidade falseada, ou da realidade limitada, marcando o ritmo de um voyerismo e exibicionismo que nos caracterizam a visão do mundo que se sucede a cada instante, no lar de córtex mamífero de seguir e imitar o líder, aspirar à liderança e adaptar-se à tribo.
No facebook a adaptação passa pelas referências à actualidade, à música, aos happenings, gadgets, numa rotação da roda do tempo que traz o mesmo sempre sob a capa do novo, o novo nada é senão a repetição do mesmo.
O mundo da actualidade não é senão a manifestação infantil e tagarela de pertença à tribo.
Tal como no futebol de massas nos sentimos pertença da tribo alargada lusitana, no facebook postamos para nos sentirmos actualizados e vistos como actuais pêlos nossos pares, por aquelas ficções que achamos que fizeram parte da nossa vida.
Procura-se o novo, o viral, o chocante, raramente alguém revela um pensamento parido na solitude reflexiva, ponderado e amadurecido, e além de aforismo insondável. Antes se prefere a citação os lugares comuns, de famosos ou pseudo famosos com frases motivacionais para a vida fora de contexto que passam por sabedoria.
V – as ciências da motivação
Funciona assim em parte o facebook como poderoso engodo para um simulacro de rede social genuína, auto actualizável, placebo para a solidão.
A motivação neuro linguística, o optimismo abnegado e autista, que esteia as opções de muitas pessoas que furiosamente se dedicam a ser felizes, e partilham com os outros os seixos que pavimentaram o seu caminho para o sucesso, como se os outros não soubessem ser felizes, ou como se apenas existisse um caminho para a felicidade, que passa pelas cãibras nos lábios de manter à força um sorriso constante.
Prolifera um acervo assustador de máximas ou motes imbecis e genéricos, e este optimismo abnegado mascarado de postura de bem com a vida, acrítico, extirpa ou trata como criança qualquer parcela de ser humano virtual, assolada pela dúvida ou pela certeza do engodo que exige pagamento pelo meio do caminho de seixos, extirpa bloqueando, pois este negativo vem aqui dar cabo das energias. Positivas.
O ‘The secret’ o Dale Carnegie e outros são mantras ideológicos que dispensam o espírito crítico, em arraiais de franchisings norte americanos de sistemas de sucesso e felicidade, para os quais é necessário ordenar a mente e seguir certos métodos e seminários.
Como em tudo então se revela o facebook, como a melhor ferramenta de venda, de uma imagem da ‘vida’. De um conjunto de princípios que constituem uma mundividência. Uma superestrutura, (da qual os participantes dispensam a troca de ideias com os ‘opositores’, abnegados a ser felizes), reverenciando a citação por mais estúpida que seja só porque reflecte uma crença interior própria.
VI – Os habitantes
O facebook enquanto suposto espaço de liberdade comunicativa, atrai vários tipos de transeuntes.
Organizá-los, enumerá-los é inglório e inútil. Mas podemos enquadrá-los de acordo com os seus humores e intenções.
Há os positivos e os negativos.
Quer num pólo quer noutro, há diversos tons e gradações. No lado positivo, começamos por pessoas que usam o fb de forma neutra isto é, postam pouco, e usam-no apenas como agenda de contactos que precisem contactar, são autênticas miragens e sabemos que existem e estão vivos através daqueles que os tagam em fotos.
Depois dos neutros temos os sérios que usam o fb como algo de muito sério e profissional, é o daddy responsável ou a empregada de escritório que veste fato. Postam pouco, sobre assuntos monótonos que julgam perceber e dominar, e a sua crença de que interessam estes assuntos aos outros só tem par com a gravidade e fatalismo dos seus juízos quando chamados a emitir opinião sobre o que pensam saber. Geralmente, se são economistas ou fiscalistas, no zeitgeist presente, tornam-se em sarcásticos oráculos cujas sentenças provam apodicticamente que a Economia e a Fiscalidade, são mesmo ciências exactas. Os mais grunhos dão-se inclusive ao trabalho de emitir sentenças e soluções para Portugal, que não anda para a frente por causa de pessoas que não pensam como eles, e não veneram certas escolas de pensamento económico.
Depois temos a grande maioria de utilizadores, que posta um pouco de tudo, especialmente das pequenas coisas que se passam na sua vida privada, revelando uma necessidade de atenção, e de trazer normalidade e ‘invejabilidade’ para a sua existência, postando a sua ‘vida loca’ de almoços em horário laboral, férias em destinos paradisíacos e noitadas em sítios da moda, numa panóplia de exibicionismo que mostre aos outros que o sujeito em questão é bem-sucedido e sabe viver a vida, por contraposição às formigas a quem só resta invejar.
Outras tagarelices são a atracção para a vida corrente, como as fotos sobre sushi caseiro, a lareira acesa, abraçados aos filhos como em álbum de família, etc., na celebração da classe média aburguesada que a si mesma se celebra. Múltipla e variada, como só a classe média consegue ser.
Gradualmente até ao pólo negativo encontramos aqueles que usam o fb como meio de divulgação, de produtos motivacionais, esquemas de negócio fácil, esquemas ponzi, blogs, grupos, bandas musicais, etc. …
Temos os gozões que usam o facebook para postar fotos chocantes ou irónicas, links caricatos, numa demonstração que não levam o espaço demasiado a sério, mas ainda assim respeitam quem o frequenta, apesar de sentirem ser contra o ‘sistema’.
No espectro diametralmente oposto, temos os gozões e os trolls. Os gozões gozam pela negativa, isto é provocando e inflamando para se sentirem importantes.
Como os outros já abordados, utilizam o próximo como meio para obter algo.
O chamado troll, é uma criatura irritante e profusamente bloqueada, que provoca e alimenta-se de onde quer que haja uma discussão. Na maior parte das vezes é aquele tipo de pessoa que pressente a falsidade da rede social, e sente-se desadequado do mundo de Pollyanna em que observa os outros. Não perde uma ocasião para inflamar ou provocar, o que lhe causa ostracismo e até inimizades no mundo real daqueles que levam o facebook demasiado a sério.
Não acredita e não respeita a sacralidade do espaço desta imagem pública que considera falsa logo passível de gozo, e desafio. Ofende-se com a gratuidade dos bloqueios e com a sua desadequação da era digital, o que só lhe aumenta o amargor e a vontade de gozar com os cordeiros que bezerram.
Onde quer que intervenha é mal visto. A sua energia revolucionária é negativa e sobe ou desce sempre com o grau de comentários e posts polidos e assexuados que lê, deitando-se sozinho à noite com raiva dos broncos que celebram a futilidade para gáudio comum, acossado pela indiferença com que o brindam e convicto de que como Sócrates apenas luta por um pouco mais de espinha e autenticidade. Sócrates era um troll.
Como rede social, o facebook é uma experiência de pensamento fascinante. Os seus habitantes geralmente consideram o ‘seu’ perfil ficcionado como um espaço de imagem pública que concedem aos outros para se relacionarem, e que portanto a sua imagem está em jogo nesse espaço virtual, mesmo que seja uma imagem de faz de conta na medida em que não passa de uma dramatis personae elaborada para sacar dos outros alguma coisa que alicia ao sujeito… que se considera dono do perfil de uma plataforma que não lhe pertence, e para a qual é chamado a participar para ser espiado. Defendem esta imagem desejada de modo viril, com o único poder digital que lhes resta, retirar o outro da sua esfera de amizade, limpar as energias no mural, e continuar o prolongamento da fábula.