Como ruído devolvido exponencialmente, recebemos como que por intuição sem fios as linhas mestras da sensibilidade coeva. O politicamente correcto já não faz escola, já fez Universidade, que passou a Fundação, depois a Business School, e por fim se tornou em cooperativa privada de ensino...Apesar dos tempos difíceis em que a meritocracia ilusória já não necessita de aval do Ministério da Educação para dar consideração social e uma vida mais desafogada no pântano de merda em que vivemos, claro, com muitos ambientadores para disfarçar o cheiro.
O políticamente correcto tem um efeito bidireccional, afina o individuo de acordo com o caldo de ideias da opinião pública, (algo de artificial e parcial que é forjado em meia dúzia de gabinetes de redacção), e de acordo com este condicionamento manifesta de dentro para fora a sua individualidade através da adesão ao lugar comum, isto é, o sujeito individua-se, dissolvendo a sua individualidade.
Nas redes sociais, nos telejornais feitos com a comida já mastigada de Reuters, France Press, BBC's e CNN's, abundam os vídeos que prometem que depois de os vermos vamos chorar, e que nos vão mudar a vida, é o cão que salva a criança, é alguém com cancro a chorar, de preferência com olho azul, é uma suposta criança síria a salvar uma outra ao alcance de atiradores furtivos (mesmo que se venha a saber que foi uma serôdia encenação e ideia triste) é um baile organizado por supostas celebridades para sensibilizar para lúpus, violência doméstica, direitos das mulheres, das crianças com trissomia, das crianças com déficit de atenção, das crianças com papeira, das crianças com bexigas, etc.
Os velhos aparecem de quando em vez, aludindo ao consumidor contribuinte, que tenha um daqueles lá por casa ou em algum lar onde os colocou à espera que morram.
A grande farsa é a de que estas campanhas são algo mais que cosmética. O primeiro rebate é de que as intenções são boas e valem por si, e que no mínimo quem dá a cara para a entrevista na rubrica social cor de rosa, ou que se deixa fotografar dando sopa aos sem abrigo, está a fazer algo para melhorar o mundo.
Quem o nega fará parte do problema. Quem levanta algum problema é negativo negativista, ressentido e frustrado.
O discurso tem tanto de racional, como o de um toxicodependente a quem ameaçam a recolha da sua dose.
É de droga que falo, uma droga neurofisiológica que se liberta no nosso cérebro quando nos sentimos os bons e boas da história, como os bonzinhos que fazem alguma coisa, ao seu alcance claro, para erradicar a maldade do mundo.
Não nos passa pela cabeça que somos tão bonzinhos como aquele que leva a senhora cega a atravessar a estrada para mostrar aos outros que é bonzinho. Os outros podem ser os nossos olhos. Geralmente colocamos uma moedinha na caixa das esmolas para uma qualquer causa que renasce todos os Natais, e voamos para casa satisfeitos connosco próprios por sermos bons, compramos por trocos a boa consciência, que nos abre o apetite para um jantar composto pelos restos de cadáveres de outrora seres vivos e senscientes, minoritários para a nossa preocupação, com um bom vinho alheio à falta de àgua potável em mais de dois terços do planeta, para outras pessoas.
Diz o ingénuo que o oceano é composto de gotas e assim branqueia o ridículo da sua superioridade moral a prestações.
Diz o cínico que os outros são pobres porque querem, que trabalhem como ele, que negaria trabalhar por um prato de arroz, na única ocasião hipotética em que pensa em direitos, apenas quando calha a si.
Nada como o Natal que se avizinha para enchermos os nossos corações de boa vontade e amor abstracto pelo próximo, ou de qualquer adesão que surja por consequência da projecção mediática que tenha, decorrente do sinistro suspense das causas perdidas que aparecem e desaparecem sem que ninguém perceba como, sinistramente as crises humanitárias parecem só existir se aparecerem na televisão.
Os mais honestos dedicam-se a não querer saber, rindo com vídeos em 5ª mão de istosóvideos americanos, ou recentemente nos youtubes «virais», ou com o sorriso maroto no fim do telejornal quando passavam modelos com pouca roupa, após os comentários provincianos do pivot.
Na escola de Frankfurt parece que o politicamente correcto era obra da classe média alienada em conforto de veludo.
A classe média emprenhou e teve filhos, generalizou-se através dos gadgets, e hoje qualquer um que tenha um telemóvel de 500 euros sente a ilusão de pertencer a uma casta privilegiada, mesmo que more no mesmo bairro de lata, coma as mesmas comidas estupidificantes e baratas, e que a miséria seja a estrutura dos seus pensamentos.
O acesso aos vídeos e as redes sociais criaram outra ilusão, a de que existe um corpo homogéneo e sintonizado de cidadãos, mais real que o inefável quotidiano, afinal, a realidade está ao alcance de um botão de ligar/desligar.
Os mais viciados precisam de se sentir mais especiais, conseguindo fazê-lo através da disponibilização de vídeos grotescos, sobre a morte de animais, decapitações para qualificar todos os muçulmanos, ou vídeos sobre a miséria nas favelas, ou a miséria em geral, como forma de criticar a humanidade em geral pela sua estupidez.
Já não é o falhar olhar o corpo por detrás do dedo que aponta. É obter a dose apenas por apontar, o dedo.