Raistapartisse
  • Começo
  • Raistapartisse
  • Respublica
  • Ensaios de Filosofia Política
  • Ensaios de Historiografia
  • Ensaios Geográficos
  • SPQL
  • Sê um homenzinho
  • Recursos
  • Contacto
  • Lado B

Auto Racismo I

10/31/2013

0 Comments

 
I

O auto-racismo português é tão lendário como o triângulo das Bermudas e tão intrigante como Jack the Ripper, ou o monstro de Loch Ness.

Penso que é triangular, baseado em :

a)      Um profundo complexo de inferioridade por parte da população portuguesa.

b)      Uma mentalidade derrotada e derrotista.

c)       Um vazio de imaginação na forma de renovação da própria comunidade nacional.

Temos falado sobre este complexo noutros textos. Esta inferioridade parece ser relativa à situação de constante atraso de Portugal em relação às outras nações europeias, à qual uma união apressada e sem freio veio trazer fim, aparentemente, numa lógica de ‘se não os podes vencer junta-te a eles’.

Os japoneses e os alemães a seguir à guerra adoptaram sem freio a cultura do vencedor. Vigorou a virtude do mais forte, e o desejo de performance faz com que cada aspirante a hegemonia respeite a força quando a força de outrém supera a sua. Um pouco como os culturistas que só respeitam gente de musculatura desenvolvida. Passo o exemplo.

A mentalidade ‘antiga’ embora preservada q.b., vergou a cabeça para baixo, cabisbaixa sobre uma realidade que a suplantou, que a superou. Nesses tempos, o alemão era o fardo de si próprio, e o japonês queria ser tudo menos o que era. Havia o peso da derrota sobre a jactância que era elevada antes do conflicto. Nas séries, nos trejeitos, nas estruturas à derrota segue-se a mimese, a adopção do modelo vitorioso.

O português não quer viver na sua pele. Não passou por uma guerra, mas sente-se na mesma um derrotado. É a nossa história de pequeno país que nos derrota e esmaga, e as jovens gerações querem tudo menos ser ‘portugueses’.  A nossa história feita de barracas, como a vergonhosa derrota de Alcácer Quibir (não pela derrota mas pelo contexto da mesma), feita dos naufrágios causados por cupidez de cortar a madeira verde para fazer as naus, que curiosamente vinham carregadas além de toda a preocupação de estabilidade, e por obra do fado abriam rombos inexplicavelmente levando centenas em excursão forçada até ao fundo oceânico. Os desaires inscritos na nossa memória colectiva, as esperanças atraiçoadas em 8 séculos de História, o peso de uma sociedade classista que se mantém pelas eras, e que é a razão directa do chamado atraso estrutural português, contribuem para a formação de uma auto imagem, na qual os feitos e os desaires concorrem para um placebo de espírito crítico, onde o português guarda exclusivamente para si o direito de falar mal do país e cultura que ama, mas ressabiadamente rejeita por lhe reconhecer o asco da inadequação em relação às modas do seu tempo.

Portugal está sempre atrasado. Não, não está, posso dar n exemplos, mas fico-me com estes, a Psiquiatria portuguesa da primeira metade do século XX estava na vanguarda dos estudos nesse campo, a nível mundial. Egas Moniz, depois Miguel Bombarda, Sobral Cid e Júlio de Matos são as estrelas de uma época de glória para a nossa ciência. Não é um exemplo que mostra o mérito, mas ajuda a explicar que o português espera muito do seu país. Sabemos que somos bons, embora saibamos que somos maus, estrebuchamos na impotência de resolver o impasse. Não é fácil ser um pequeno país num continente de aguerridos matulões. Mas mal ou bem, ainda aqui estamos. Não foi bonito e nem sempre airoso, mas pagando todos os preços mantivémos a identidade vincada que muitos perderam por essa Europa fora. Apesar das traições e contra produções intestinas. Esta estagnação entre correntes contrárias, dá a sensação de movimento sem que se saia do mesmo sítio. Assim passamos nós pelo tempo. E quando olhamos para os outros já nos dizem adeus de longe, do ponto onde escolheram que era o futuro e o progresso. E nós corremos atrás do prejuízo, para quando lá chegarmos, já eles nos acenam de outra posição a partir do qual estamos sempre em atraso.

Temos então a mentalidade derrotada de olhar para fora para quem nos ‘vence’ como se fosse o estrangeiro a vencer-nos e não a nossa mentalidade.

Procuramos no outro o referente para o projecto da nossa mesmidade, e assim como cão perseguindo a cauda, movemo-nos sem sair do mesmo sítio, só para não sentir que estamos parados como sabemos que sempre estivemos.

Esta consciência desespera-nos, parece que não sabemos como resolver o nó górdio, e o desespero leva à aceitação da nossa incapacidade de auto determinação. Sim, porque é auto determinação um povo fazer aquilo que pode e deve fazer de si mesmo, já o dizia o grande Kant.

Este desespero, isto é, esta falta de esperança, aliada ao cansaço civilizacional de andarmos sempre a correr pelas pistas dos outros, leva a que se acentue cada vez mais, a incapacidade de imaginar e projectar um destino comum. Possivelmente no futuro o Norte estará junto com um novo país composto pela Galiza, o Alentejo e Lisboa formam uma nova nação, os Açores serão mais um estado americano e a Madeira fará parte de um grande arquipélago com as Canárias, e Portugal será uma memória que se pretenderá nublar como agora nos Balcãs se ofusca a ideia de uma antiga Jugoslávia.

Penso que neste ritmo, estamos condenados a desaparecer, talvez seja este o ritmo de vida natural das nações.

A falta de imaginação e de reinvenção, o peso do passado, e o falhanço das esperanças fazem com que hoje seja uma ideia agradável, não se ser português, ou o seu equivalente, ser-se um cidadão do mundo.

 II

Um das formas que se solicita ao leitor a que preste análise é a da publicidade. A publicidade é a propaganda moderna com o bónus de que é legal, e acima de tudo, considerada inócua.

Mistura explosiva, alimentada com a ideia de que o cidadão actual é maduro o suficiente para saber de publicidade e dos cantos de manipulação que a mesma possa encetar. Atendendo às estatísticas internacionais sobre a capacidade da população escolar de descodificar textos literários, duvido seriamente que a restante população saiba decifrar imagens e outros suportes cujo conteúdo ideofactual  está além da imediatez de um bê-a-bá, e implica uma perspectiva crítica acerca da realidade.

Uma das coisas que reparo é que o sexo é usado para vender tudo, desde colchões a barras de cereais. Não apenas sexo explícito mas sucesso com o sexo oposto. Nada de novo, os manuais de marketing ensinam a usar a biologia humana a favor do fabricante.

Os outros significados, que podem ser produtos da minha cabeça ou não, são mais sinistros e eu deixei de acreditar em coincidências. Vejam-se os seguintes exemplos.









Este anúncio da EDP é um dos muitos que povoam o mundo publicitário português, essencialmente com gente de olhos azuis e cabelos louros. Se bem que tenhamos herança celta, romana, visigótica, sueva, e de outras proveniências setentrionais, penso que é consensual dizer que somos um país maioritariamente de morenos de cabelos pretos e olhos castanhos.

Perco-me a tentar perceber, porque é que os loiros e loiras, especialmente as crianças, são mais publicitáveis que os descendentes da matriz hispano romana, ou da Lisboa quinhentista onde um terço da população era negra. Estranho este ‘fascínio’ pelos nórdicos ou pelas características morfológicas nórdicas, em detrimento do mundo mediterrânico, ou do Magreb, àrea geográfica mais semelhante a Portugal que a margem norte do Reno.

Portugal é geográficamente, mais Norte de África, que Sul da Europa. Mas enfim, podemos ter a noção de que grande parte das agências publicitárias são de países do norte e os modelos são de arianas características. Mas o interessante é que mesmo em anúncios feitos por empresas de marketing nacionais, a malta das alvas pilosidades e dos olhinhos azuis, bate ao ponto os rejeitados morenos e morenas de humilde olhinho castanho.
 Imagem
Deixo aqui um outro exemplo que não deixa de ser paranóico e talvez interessante.

E uma questão, que abordaremos futuramente, é que se esta preferência, tem alguma justificação, ou é a minha apreensão que está inquinada e os números não confirmam o que afirmo. De qualquer modo associo esta preferência rácica, a um complexo de inferioridade, tema que explanarei no futuro.

Exemplo no nipónico boneco de animação de Dragon Ball, moreno com feições europeias, mas nome japonês.

 Imagem
Eis o super guerreiro, uma versão melhorada, superior agora com diferente escolha de tonalidade dos cabelos e da óbvia permanente lembrando o Kenny G, se este usasse viagra no amaciador.
 Imagem
0 Comments

Provinciae

9/20/2013

1 Comment

 
 Imagem














Este pequeno vasilhame anteriormente utilizado para sorver café, a droga mais legal a seguir ao amor e ao sentimento de superioridade moral, (righteousness, em inglês, que difere da rectidão pois em ambiente novo mundista assume contexto de mistura de adequação metafísica intemporal e participação numa ideia de sucesso material e social temporal) fita-me por detrás das suas cores.

Mas não são as cores que me solicitam o pesar, antes as palavras inscritas a branco, que transcrevo:

‘The rhythm of time’.

Varias coisas me inebriam porventura por efeitos da cafeína e da privação do sono. Porque é que estando eu em Lisboa, em Portugal, para onde quer que olhe só vejo frases em inglês? Que deus anglo-saxónico poderoso é este que força milhares de jovens e menos jovens, particulares e empresas a utilizar expressões e palavras alheias em detrimento das que existem na sua própria língua? Que Hidra é esta que petrifica as sílabas da língua de Camões e deixa Shakespeare sair triunfante ainda que travestido pela boca dos falantes?

Não é nenhuma divindade setentrional em operação mas tão somente a deusa do provincianismo ancião dos eternos portuguesinhos. Ora conforme as modas do continente, se assiste a um ritmo de tempo mais longo, que testemunha as preferências pelas influências linguísticas francesas, alemãs ou castelhanas, bem mais próximas. A língua portuguesa passa a ser prostituída não quando assume por imitação creativa palavras de que carece, mas quando tendo palavras para a realidade a denotar, elas são preteridas por outras menos belas, mais técnicas, que dão uma aura de sofisticação ao orador que palavras na língua mãe apenas vulgarizariam. O portuguesinho é um imenso provinciano, especialmente se mora nas cidades.

Sushi lounge, snack bar, blazer, jogging, e milhares de outras expressões que encontram equivalente prévio na nossa língua, ouvem-se pelas cidades, e testemunham as duas vertentes do provincianismo lusitano.

Uma revela  que o português não gosta da sua língua, nem do que é.

A outra revela que este afã mimético visa não simplificar contextos técnicos, mas tão somente aferir sofisticação e ‘glamour’ aos emissores.

O mal dos nossos pecados vem de não gostarmos de nós, de termos até vergonha daquilo que somos caso algum dia queiramos enfrentar a árdua tarefa de querer descobrir, de queremos ser algo de diferente, algo cosmopolita, queremos ser como os outros, aqueles que parecem ser melhor e mais modernos que nós. 10 milhões de portugueses com um complexo de inferioridade, que se manifesta em ouvir música estrangeira que esteja na moda ou que ninguém no torrão pátrio conheça, em adaptar estruturas e organogramas de acordo com as soluções encontradas lá fora, sobrevalorizando tudo o que é estrangeiro só porque não é português.

O mal dos nossos pecados vem de querermos parecer mais aos outros para quem representamos a nossa peça de teatro, a esses outros a quem mostramos que temos um carro topo de gama, um telemóvel topo de gama, que temos uma casa exclusiva, que as nossas ceroulas vêm de Itália e foram feitas por um alfaiate que é misto artista/artesão.

A pompa das nossas representações criou uma cultura da aparência, da estratificação, da distância entre as pessoas e da desconfiança. Criou as sementes da nossa bovinidade geral, pois só no olhar submisso dos outros encontramos a prova de que a nossa vida é bem sucedida.

Falhamos rotundamente como nação, e porque falhamos como nação, somos indivíduos falhados, sem raízes, sem referências, esquizofrénicos sem identidade, pior, albergamos no covil da nossa consciência a crença surda e interior da nossa falta de valor, que se observa paradoxalmente em jornais e revistas que todos os dias mostram casos de ‘portugueses de sucesso’ lá fora, um gestor de multinacional, outra investigadora premiada, e por aí fora.

Como se fosse inspirador para alguém, saber que um português é capaz de ser em sucedido na área que quiser, como se fosse motivo de assombro, como se fosse algo de diferente em relação aos outros. Estes jornalistas tanto quanto os analfabetos que acham anacrónico o fado só porque não se parece com o hip hop 50 Cents, ou os analfabetos que gostam de fado só porque é chique gostar de fado, fazem parte da mesma tribo de provincianos, que urra o carácter vincado dos holandeses que andam com as tradicionais socas de madeira, mas que são incapazes de lhes repetir o gesto quando se lhes oferece um barrete de campino ou umas saias da Nazaré.

Não é uma chávena de café que me diz isto.

Mas é um acervo de cultura popular que revela por portas e travessas essa arqueologia do provincianismo, que aparece por exemplo num filme em que é estrela Joaquim de Almeida, em 1994, e que se chama ‘Uma vida normal’. Nele podemos ver um estereotipo do conservador do século XXI, ou seja, daquele tipo de pessoa que se afeiçoou tanto a este compromisso ontológico, a este modo de viver e de pensar que hoje treme de medo ou desdém só por alguém bradar ‘mudança’. Um copywriter  quarentão afoga-se em tabaco e malte, mimetizando os bons filmes gringos com humphrey bogarts atormentados, cinícos e descuidados. O sexo é tratado com a relatividade de quem anda numa vida farta, sem carga dramática, tanto quanto é semelhante a leve trabalho que se entrega ao chefe no último dia do prazo estabelecido. Que dizer desta ode à vida moderna e ao fel existencial que o actor tenta transmitir à personagem, em claro contraponto ao que a realidade nua e crua oferece, pois aos dramas burgueses de uma família de classe média, se compararmos uma realidade limite, de guerra, fome ou até mesmo pobreza, os achaques no celulóide pouco mais são que um exercício de arte.

Esta e outras formas de arte/propaganda criaram a ideia do que seria a modernização de Portugal, um país igual aos outros, e porque somos iguais somos igualmente dignos e estamos igualmente correctos.

A civilização urbana que cresceu nas sombras de 1986, é aquela que não quer perder a vida fácil travestida de dramática tal e qual como uma empregada de escritório acha que tem o pior emprego do mundo e trabalha mais que metade da população mundial ao mesmo tempo.

A cultura fútil que criámos para colocar no lugar da pele andrajosa que quisemos tanto largar em 1986, é a responsável pelos nossos medos, é a responsável pela nossa situação actual de nada produzirmos além de serviços e serviços de bandeja na mão como é o turismo.

Nas redes sociais abundam as citações a estrangeiros, por mais obscuros que sejam, e ninguém lê António Sérgio, ou cita Natália Correia. Poucos além de quem faz vida profissional disso, se dedicam a sorver e a compreender a cultura portuguesa, acossada em alguns cantos desprezada em tantos átrios.

O português não sabe o que é e não gosta do que acha que é.

O português acha que tudo o que vem de fora é melhor, ou que somos capazes de fazer igual aos outros, o que por si, por se achar que é digno de admiração, comprova que temos complexos de inferioridade em relação ao que somos.

O emigrante passa a maior parte do tempo a amar e a falar mal da sua pátria, e quando cá vem no Verão passa o tempo a falar de como é bom na França, de quão curiosas são as idiossincracias do país de acolhimento, mas sem tolerância alguma para com as do seu país, ( a maior parte do tempo com soberba e arrogância) pois não sabe ser senão um português provinciano.

Outros   mistificam e mitificam a cultura portuguesa dando-lhes referentes exagerados só porque justamente querem realçar a nossa cultura, mencionam o papel cosmopolita do português no mundo como se fosse um cidadão iluminado e percursor de uma ordem mundial tolerante, quando o que está na base da diáspora oitocentista portuguesa é a miséria e a cupidez.

É este misto de expressões que caracteriza o provinciano, se por um lado odeia a cidade porque a teme e a sente superior a si, por outro almeja ser reconhecido como urbano, não ser mais desconsiderado em relação à sua condição original. Toma o brilho pelo ouro, e manifesta-se como emancipado mostrando aos outros que é comos os demais, através de trejeitos e de chapinhar no lago ao invés de lhe bordejar o fundo.

O português é assim por todo o lado reconhecido como o perfeito ovino, como aquele que fala inglês mais perfeito que os que falam em Albion, aquele que faz a massa mais francesa dos croissants, ou a melhor pasta de Itália. O esforço em mostrar-se digno perpassa cada compatriota, não para se superar a si mesmo, mas porque no fundo nascemos, crescemos e morremos a acreditar que somos uns coitados, os outros são melhores que nós.

No fundo permanecemos no mesmo eterno coma narcótico que se desenrola pelo tempo como um ritmo ditirâmbico, hipnotizados com a infelicidade de sermos nós.


1 Comment

As 1001 maneiras de se esfolar um facto

10/9/2011

0 Comments

 
Num dos debates mais interessantes, televisionado, do panorama filosófico do século passado, sentaram-se lado a lado Foucault e Chomsky.

Foucault disse algo que me provocou uma reticência que dura até hoje.
Por minhas palavras, após Chomsky enumerar vários modos e estratégias de opressão e manipulação das massas, nem sempre óbvios ou facilmente descodificáveis, Foucault contrapõe a noção de que toda a cultura ocidental sempre foi ávida em comprazer-se nas denúncias que faz às formas como ela própria se oprime. Foucault enuncia também a noção de que é mais útil e pertinente enunciar as formas de libertação do quer que seja que oprime, que perder-se na pornografia da queixa, interpretação minha.


O debate desenvolve-se até à noção de natureza humana, se existe, se não existe, e a relação do seu conhecimento para com os fins de utilização desse conhecimento.


Há algo que Foucault não nega, nem pode negar, que é a existência de um mínimo harmónico repetível além indivíduos e culturas, ou seja, existem padrões ou repetições naquilo que seja a realidade humana, não lhe quero chamar 'estrutura' pelo menos para já, obviamente que acredito que ela existe.


Mas existe por seu lado a eterna dialéctica inapreensível do humano, bem como os agentes de 'manipulação e corrupção', a sua existência é até na maior parte das vezes aceite e acarinhada por nós. A sua existência e função estão para 'além do bem e do mal' pois respondem a necessidades e intenções que assim se materializam.
A sua existência e presença são assim estruturadas no conhecimento dessas harmonias e ritmos que se repetem no quer que seja que é o ser humano.
Essas forças sempre existiram desde que o Homem é Homem, e aumentam com a agregação crescente dos indivíduos em massas anónimas seja nas cidades e subúrbios, seja nos grandes públicos hipnotizados pelos meios de comunicação.
Este é o terreno próprio de utilização dos conhecimentos sobre estes ritmos internos (fisiológicos, biológicos e psicológicos)  e externos(psicológicos, antropológicos e sociológicos).


Como Foucault, achamos não só vital e necessário descobrir os caminhos para a libertação mas também pensar nas rotas navegadas até à opressão, e nelas reconhecer a falibilidade da nossa própria condição e o caminho para uma reconciliação com a Natureza, que nos compõe.
Sem certezas absolutas, ou fundamentalismos não porque falte convicção na necessidade do empreendimento, mas porque o real é dialéctico e inapreensível para cada discurso que dele se retira, nem deve ter disso a pretensão.


II
O grande daimôn e o grande demónio do Consumismo


            1955. A economia americana do pós-guerra cresce exponencialmente, vicia-se e estrutura-se em função desse crescimento e começa a  acamar a sua existência, espalhando nesse crescimento a fé optimista característica do american way of life, só ensombrado à distância por uma cortina corrida por uns tipos que se chamam 'comunistas' e que lhes disputam a hegemonia.
Mas o clima é de ocupada progressão industrial e comercial.
Victor Lebow, consultor de marketing, profissional de uma estranha profissão que em pouco tempo será exportada para o Velho Mundo, e para onde quer que exista um mercado, publica um texto  que se chama ' Price competition in 1955', na Primavera de 1955 aparecendo no 'Journal of Retailing'.


Este aparentemente obscuro texto, desta obscura fonte, inaugura uma deliciosa análise do que se tornará paradigma nas décadas vindouras. O que mais fascina neste texto não é o seu carácter profético, a sua inovação conceptual. O que fascina é a sua candura a sua ingenuidade pura, no sentido de não fazer esforço algum em mascarar ou travestir as suas intenções e preocupações, pese embora a atenuante de ter sido publicado numa publicação do seu 'meio' o que claramente faz o seu autor sentir-se em casa.
Na nossa opinião, só superficialmente este artigo foca a competição ao nível do retalho.
Apresenta uma concepção do consumidor, do produtor, do produto e da própria economia que são verdadeiros hinos à época do 'Consumo logo existo'.




a) Neste artigo, 'Price competition in 1955' a óptica do homem de negócios é cristalina, vai haver mais competição porque se testemunham avanços tecnológicos e portanto há um aumento da produção, de mais unidades de produção, ou seja mais unidades a produzir cada vez mais.
Os preços consequentemente baixam, baixando as margens dos produtores, pelo que a única saída é produzir mais, cada  vez mais variadas coisas, criando as necessidades de forma artificial, para que os consumidores absorvam estes produtos, e a eles fiquem fidelizados.


b) Com vigoroso optimismo luterano, há o prenúncio que a competição no retalho, na distribuição retalhista será maior, e que há uma íntima ligação entre as actividades dos produtores, e os padrões de vida dos  consumidores, e que esta relação tem grande importância na variação dos preços da distribuição retalhista.


c) A noção de consumidor aparece com uma teoria social e antropológica simplesmente eficaz, representada pela ideia de que a mais importante característica da atitude com o seu nível de vida, é o simples facto de querer melhorá-lo.
Seja na ascensão social ou na económica, que convergem curiosamente, na mesma necessidade de reflexo através daquilo que pensamos que os outros pensam de nós. É este o impulso, fundamental dominante.
Portanto a sociedade não pode ser igualitária sob pena de se perder este impulso dominante, que é a raiz da mobilidade social e económica, tal qual roda de hamster.


d) O retalho, como parte do sistema que se aproveita e incentiva este dinamismo, vê-se preso na necessidade de manter este gigantesco fluxo de desejos e ilusões sob pena de perder a sua razão de ser, e o tamanho desmesurado, proporcional aos desejos que se incute nas pessoas.
Os custos da distribuição representam a pressão necessária para manter o alto nível de consumo.
«Our economy demands a constantly expanding capacity to produce»
Distribuir é oneroso, só o grande consumo compensa a distribuição, especialmente numa época, em que a maioria dos norte americanos trabalhava nos serviços, em 1955, o sector produtivo apenas ocupava 30 por cento da mão-de-obra disponível.




Qual é a resposta destas necessidades retalhistas de 1955? A televisão e a sua potencialidade de plantar necessidades fictícias na cabeça dos espectadores.


Mas isso fica para outra altura, não perca o próximo episódio que nós também não.
0 Comments

10 balizas por onde entra o golo

9/10/2011

0 Comments

 
Pondere em cada estímulo externo complexo que o seu cérebro recebe, se o mesmo se pode encaixar nestas linhas de apresentação.



Se sim, está a ser manipulado. Se ainda continuar a achar que pode ser um mal entendido ou deficiente ou inquinada percepção da sua parte, analise quem mais lucra, o que se lucra com esses mesmos estímulos externos complexos.



Se ainda assim continuar desconfiado acerca de uma suposta teoria da conspiração, por mim virulentamente implantada na sua massa encefálica, force-se a pensar que a inexistência de prova não é prova da inexistência, e que o termo ‘teoria da conspiração’ é intencionalmente pejorativo para relativizar o pensamento paralelo, isto é fora do formatado.



Se ainda assim achar isto de desconfiar e muito estranho e qual será a minha intenção, então pura e simplesmente esqueça, não vale a pena acordar o que já está morto.





10 estratégias de manipulação / alienação da opinião pública

(a partir de Noam Chomsky)





3 grupos:

1)manipulação da percepção da mensagem

2)manipulação da percepção do receptor

3)estar sempre à frente na tecnologia manipulativa







Grupo 1

a) estratégia distractiva

b) estratégia do problema artificial

c) estratégia do doseamento gradativo

d) estratégia da projecção adiada para o futuro



Grupo 2



e) estratégia da infantibilização da audiência

f) estratégia do apelo emocional

g) estratégia da imbecilização / mediocrização da audiência

h) estratégia da complacência com a mediocridade

i) estratégia do reforço da autoculpabilização



Grupo 3



J) estratégia de surfar na crista da onda







Grupo 1



a)Estratégia distractiva – é a principal arama da alienação e desinformação social. Consiste em desviar a atenção do público dos maiores problemas e das tomadas de decisão das elites, através da técnica da saturação da percepção geral, isto é difundindo ruído generalizado saturando os canais de recepção (geralmente os olhinhos e as orelhinhas) ou no mínimo relativizando o impacto de nova informação sobre os mesmos. A percepção do público em geral e de cada indivíduo em particular, é saturada com contínuas distracções e informações insignificantes.



Posso dar o exemplo das revistas cor de rosa, que têm um público, ou de como ainda me lembro como os telejornais acabavam com algum vídeo de um concurso de comer cachorros quentes, ou pepinos picantes, geralmente nos Estados Unidos, em verdadeiras compilações que não só mostravam em fundo uma sociedade rica até ao disparate como a permeabilidade à imbecilidade. Tínhamos também os comentários serôdios do José Rodrigues dos Santos quando o telejornal acabava com um desfile de moda com modelos em escassa roupagem.





Esta técnica não só idiotiza como ajuda a criar resistências por parte do público a conhecimentos fundamentais e básicos nas áreas das ciências, da economia, Filosofia, História, etc. pois exige algum pouco esforço, inadmissível quando se passam horas a ver os apanhados ou o Isto só vídeo.



Manter a atenção do público distraída e longe dos reais problemas sociais absorvida em assuntos sem importância real, como as telenovelas entre agentes desportivos, ou os cultos aos líderes sob a forma biográfica de agentes políticos elevados a categorias de ídolos do momento, etc., etc.…



É a técnica da saturação, da avalanche de informação que ocupa constantemente a atenção do público, não lhe dando tempo para pensar, criando ao mesmo tempo a ilusão de uma dialéctica vertiginosa e constante dos acontecimentos, à maneira dos movimentos rápidos de câmara como se assistiu com mestria no ‘E.R. – serviço de urgência’, a série premiada, norte americana.



O caro leitor pode facilmente ter um gostinho deste princípio bastando ir a uma sessão de time sharing próxima de si, ou a um qualquer vendedor de esquentadores, ou aspiradores, onde uma das técnicas utilizadas é bombardear com informação, essencialmente técnica, e tentar convencer que a complexidade do mundo é inadequada à simplicidade do seu pensamento, pois um aspirador não é um objecto mas um estilo de vida.



b) Estratégia do problema artificial – consiste na criação de um evento ou problema ou situação que tem o objectivo de causar determinada reacção no público de forma a levá-lo a exigir ou tomar as medidas que se pretendem fazer aceitar. Por exemplo desmantelar serviços públicos, dando propositadamente cabo deles, o Estado português chegou a ter a Parteste, onde militava o saudoso António Guterres, e através da qual, a permanência de cada gestor nomeado para determinada empresa, era o mesmo para a saúde da mesma que cangalheiro em cama de constipado.

A exaltação dos sentimentos públicos relativos à segurança ajuda a passar medidas de controlo anti democráticas como matrículas chipadas ou câmaras de vigilância omnipresentes, por vezes em zonas onde propositadamente se deixou aumentar a criminalidade, de molde a que os cidadão exigem eles mesmos as medidas que se propagandearam previamente e que lhes vão limitar uma vez mais, a liberdade.

Apesar dos nossos brandos costumes, os decisores que dominam os assuntos e os opinion matters, mencionam a vigilância electrónica, mas sistematicamente esquecem assuntos como os arranjos urbanísticos, bem mais influentes na criminalidade que os efeitos dissuasores de câmaras.



c) Estratégia do doseamento gradativo – onde o truque para fazer aceitar uma medida inaceitável no presente, a mesma é aplicada gradativamente, a conta gotas, durante anos consecutivos, e assim é possível fazer aceitar a diminuição do papel do Estado, privatizando, precarizando, desempregando, etc… acções que se aplicadas a frio e sem vaselina, passo a expressão, provocariam revolução ou levantamentos.



Um dos exemplos case study, são as propinas universitárias, públicas.

O primeiro passo dado previa uma propina que face ao valor actual, era considerada, residual. Mas sucessivas revisões dos decretos lei, aumentou esse valor, numa escalada que não mais parará, e que é alimentada pela total desmobilização do Estado português em ensinar os seus cidadãos.

Lembro-me de ver primeiros ministros na televisão, vociferando da injustiça de o Estado pagar formações a malandros que iam ou lá para fora ganhar bom dinheirinho ficando o Estado a arder com o dinheiro investido, ou, ficavam em Portugal ganhando rios de dinheiro à conta do Ensino Público, pago por todos e assim apresentado como favorecendo uns poucos…o Zé Tuga e a Maria Lusa paparam isto como se papa figos com mel.



A lei da proibição do corte de estradas, há uns 20 anos atrás provocaria revoluções, hoje todos acham bem que a grave do carpinteiro não chateie o serralheiro que vai beber uma cervejinha ou mesmo trabalhar. Os avisos com antecedência ou as requisições de serviços mínimos tornaram hoje as greves tão eficazes a nível de impacto, como o despenhar de um mosquito na careca de um lutador de Sumo.



d) Estratégia da aplicação adiada / projectada no Futuro – é outra forma de fazer aceitar uma decisão impopular e que consiste em apresentá-la como sendo dolorosa e necessária obtendo a aceitação do público, em determinado momento para aplicação futura. O motivo para isto está na nossa estrutura psicológica que torna mais fácil aceitar um sacrifício futuro, de que um sacrifício imediato, e que após acostumação ao sacrifício que virá, quando o mesmo chega, quase que dói menos que uma picada para análise ao sangue.

Dois motivos contribuem para isto, um é o facto de o esforço não ser real, é antes projectado num futuro, e o outro é porque o ‘povo’ age naturalmente de forma ingénua, esperando sempre que os futuros serão melhores e que de alguma forma será possível inverter ou evitar o sacrifício prometido.



Isto dá tempo à opinião pública para se acostumar com a ideia e gradativamente se agarrar a ela e a aceitar como parte da família.



Os nosso políticos nos últimos 37 anos tornaram-se exímios praticantes desta estratégia, basta analisar o timming em que aparecem as promessas de melhorias, para o ano seguinte, ou para os próximos 5 anos, chegando a haver ministros que no topo de alguma crise inauguram um novo início de prosperidade, pouco antes de se descobrir outro buraco das contas logo de seguida, mas aí já o público se encontra ébrio saboreando os futuros virtuais que lhe apresentaram como possíveis.





Grupo 2



e) Estratégia da infantilização da audiência – consiste em utilizar um discurso, argumentos, personagens e entoação de vozes e discursos particularmente infantis, roçando a debilidade ou imbecilidade, como se o receptor fosse uma criança de tenra idade ou um idoso senilizado coitado, ou ainda como se o receptor fosse um deficiente mental.

Este efeito é tanto mais intenso quanto mais se pretende enganar o receptor, o que implica uma gradação da infantilidade do tom.



Na base, está o efeito do fenómeno psicológico da ‘sugestionabilidade’ pois este tratamento infantilizante, de determinada audiência faz com que a mesma reaja desprovida do sentido crítico que deve ser próprio dos adultos, e sim, de acordo com a posição em que implicitamente a forma de tratamento coloca essa mesma audiência.



Se uma boazona chegar ao pé de um transeunte e o tratar como ‘bebé coisinha fofa da mamã’ em 10 quantos dirão que não são crianças para serem tratados dessa forma, e assim perderem virtualmente acesso às delícias que o desenlace desta complexa conversa poderia levar?



Da mesma forma que o cliente quando entra numa grande superfície onde é tratado como pequeno tirano só porque tem uns trocos na carteira que pode deixar na caixa registadora, o que vicia claramente o cliente não é só a perspectiva de um bom negócio, mas o tratamento deferente e reverente por parte de outros, cuja função é por sua vez tratar o cliente nas palminhas, através da propaganda que o cliente é o garante do seu salário.



Quando campanhas publicitárias colocam o cliente a pensar que não é parvo se for ao Mediamarkt, basta ouvir as entoações bombásticas e infantis das vozes dos intervenientes, por vezes podemos ouvir breves histórias tão simples quanto idiotas. A última que ouvi era por parte da TMN em que um hipotético cliente se obtivesse determinado desconto, beijaria o seu mecânico. Esta aparente brincadeira, apela a uma infantilização idiota, sob uma capa de humor simples e ligeiro.



Há versões comerciais mais sofisticadas, que nos apresentam por exemplo pacatos e cómicos personagens cuja pacatez é garantia de inofensibilidade e visam garantir uma identificação e um estilo a adoptar ao espectador.



Bastam 5 minutos em frente a um dos 4 canais televisivos nacionais, para descobrir um dos anúncios que utilizam este dispositivo.



f) estratégia do apelo emocional – consiste em utilizar todos os meios possíveis para canalizar o aspecto emocional da natureza humana, provocando uma suspensão de análise racional e eliminando assim o sentido crítico dos indivíduos.

Este apelo permite também o acesso ao inconsciente e isso possibilita a introdução de ideias, desejos, medos, compulsões, ou indução comportamental nas pessoas, sem que estas se apercebam.

As telenovelas são exímias nisto.

O sexo então é um mundo de oportunidades, desde anúncios a colchões com uma espadaúda e atraente modelo em cima do mesmo, que permite perguntar, o que venderá o fabricante? Estas associações interessantes permitem descobrir facilmente o que vendem, quem vende, o produto, através de imagens ou ideias, ou desejos – ou a possibilidade de concretização dos mesmos – tal como o anúncio das lâminas da barba não vende um rosto imberbe, mas o sucesso do comprador com algumas cachopas.

A desconstrução destas associações não é difícil e é extremamente interessante, tal o grau de complexidade e sofisticação.



g) Estratégia de mediocrização – implica tornar o público incapaz de compreender as tecnologias e os métodos utilizados para a sua manipulação e controlo, bem como descredibilizar sem remorsos quem sustente a existência desses mecanismos.

A qualidade da educação, científica e humanística, deve portanto ser a mais medíocre possível e se ainda há muita gente que se opõe, nada como precarizar os agentes de ensino e amontoar alunos numa sala de aulas de forma a fazer desistir o professor e o aluno, o primeiro por colapso nervoso, o segundo por puro desinteresse.

A ignorância tem de servir de barreira relativamente às formas como são limitados os potenciais dos indivíduos.



h) Estratégia da complacência com a mediocridade - que implica promover e manipular uma determinada linguagem, estética, ideologia, segundo a qual está na moda, é bom, deve-se ser, estúpido, vulgar e inculto.

O clássico exemplo de que o homem deve coçar os tomates, cuspir para o chão e falar de bola, tanto como a mulher ir às compras, são lugares comuns que surgem desta conjugação.



i) Estratégia do reforço da autoculpabilização – onde se trabalha fazendo crer ao indivíduo que só ele é o culpado da sua desgraça e miséria, e que ambas se devem à sua insuficiência, da sua inteligência e capacidades, dos seus esforços.

ii) Isto a dois tempos cria um ascendente para com quem tem sucesso na vida, que necessariamente passa como superior, em qualidades; bem como cria uma plataforma de aceitação que é impedimento contra a rebelião, contra o sistema económico, etc.



Consiste na autoculpabilização e autodesvalorização geradoras de angústia e estados depressivos cuja consequência é a inibição de acção.

Basta analisar todas as mensagens que nos são oferecidas.



i) Estratégia da actualização da informação e do conhecimento, que consiste num estudo que implica que a empresa, os emissores, e os construtores de mensagens, nos conheçam melhor que nós próprios nos conhecemos, a nível da nossa natureza e gatilhos, de forma a que só seja possível resistir à manipulação se conhecermos como podemos ser automaticamente manipulados.



Um dos grandes arquitectos desta velada realidade, é o argumento de que o público é adulto e facilmente desmonta os discursos manipulativos…será?
0 Comments

Manipular é fixe e o resto que se lixe - manifesto?

8/14/2011

0 Comments

 
1

Vivemos tempos em que não é fácil falar de manipulação ou de estrangulamento de espírito.

Não porque existam censuras musculadas e apadrinhadas por sistemas abertamente totalitários, mas porque a própria censura é intrínseca à maioria da população em relação a si e aos que falam dessa manipulação.



A todos foi e é dito que somos maiores, livres, e que o único progresso que há a esperar é o da técnica.

Para quê persistir no amargo caminho do espírito e da verdadeira emancipação para a liberdade, se já somos livres, especialmente se ser livre significa poder comprar os produtos que achamos que nos fazem falta?



Subjacente a esta questão está outra, a de que o próprio diagnóstico da população, feito pela população, já que não se pode confiar noutras entidades, é impossível, pois não só porque a população não lhe acha necessidade, nem se achasse teria ferramentas de avaliação, tanto quanto o peixe pode avaliar sequer a existência da água em que, desde sempre, viveu.





Auscultando a população, o inquiridor deparar-se-á com uma certa uniformidade entre as posturas ontológicas dos indivíduos estudados.

O que se revela é uma maioria de materialistas exacerbados e uma minoria de ultra espiritualistas excêntricos.

A maioria no nosso país acha que por exemplo, a Filosofia para nada serve. Quando é precisamente a área de saber mais perigosa, e o melhor remédio para a epidemia de falta de espírito crítico, juntamente com a Matemática e a História.



No secundário, a Filosofia tem sido reduzida a um compêndio de técnicas argumentativas e complementarmente, numa espécie de vale tudo comparativo entre os vários filósofos. Vale tudo enquadrado por uma suposta marcha das ideias, ao invés de realçar a justificação das propostas a respostas aos grandes problemas filosóficos enquadrando-os com as solicitações do tempo presente. Mas adiante.
0 Comments

Vai para o trabalho

8/9/2011

0 Comments

 

  A economia dos 25 anos a seguir ao fim da 2ª Guerra Mundial caracterizou-se por dois eixos paradigmáticos e operativos:a)taxas de crescimento altas;b)aumento do consumo de bens e de rendimento real.Nos  anos 70, os países capitalistas que estavam viciados narcoticamente nas suas economias que por sua vez se estruturavam em torno destes eixos, começaram a ter dificuldade em acumular riqueza, especialmente através do que até ali havia sido o seu fundamento motriz, ou seja o poder do trabalho.
Existia um bloco comunista e uma aparente alternativa económica e ideológica ao capitalismo, que dava força aos trabalhadores por todo o mundo, incentivava uma boa organização dos sindicatos e ajudava a que os salários tivessem um grande valor, tudo subsumido num grande poder político por parte dos trabalhadores.
Este peso do trabalhador era, ou tornou-se um obstáculo às taxas de crescimento elevadas. A partir de certo momento todas as taxas de crescimento estabilizam e estagnam, com duas excepções muito visíveis :a)      Nos países que já estão na miséria e cujo crescimento não pode ser negativo;b)      Nos países que exportam muito.  Ora para exportar muito é necessário ou  1)‘fidelizar’ a bem ou a mal a clientela, ou 2)ter mão de obra barata. Muito barata. Os países capitalistas nos anos 70 tiveram necessidade de abrir os mercados e aceder à mão de obra internacional de baixo custo. Se não o tivessem feito, teriam estagnado com a economia, estagnando o consumo de bens e serviços, e dos rendimentos reais. Também aqui se vê que a economia da globalização SÓ  funciona com diferenças na balança para produzir direcção no fluxo, ou seja, têm de existir miseráveis e vencedores.
A internacionalização dos mercados criou um enorme sistema financeiro, com a consequente deslocalização do capital onde quer que estivesse a mão de obra barata, e criou o problema do parcelamento dos salários/rendimentos. Baixando os salários e os rendimentos, baixa o poder de compra, logo, como se resolve o problema de uma economia que se baseia na obsessão de consumir, isto é, como vender mais produtos com baixo poder de compra?Mais uma vez, esta economia esquizofrénica estava com problemas. E como sempre tem feito, arranjou paliativos imaginativos, a promessa de rendimentos futuros. Isto é, generalizou-se o acesso ao crédito.A economia havia-se transformado numa economia de crédito.O crédito e a fidelização foram as respostas encontradas para a manutenção do modelo económico e das elites que o controlam.

            Na guerra económica vale tudo. Para além de bem e de mal.Num exemplo que nos é bem próximo, passou-se a ideia de que os oriundos do Sul europeu são uns madraços, uma espécie de sub-humanidade corrupta e desorganizada parte de uma periferia preguiçosa por contraste com um Norte, leia-se Alemanha, esforçada.Isto é um mito.Foi e continua a ser uma manobra de diversão que passa a mensagem de que a Alemanha é um exemplo a seguir na flexibilização neoliberal e na industrialização em grande escala, difícil e talvez sem bons resultados ecológicos e sociais numa Europa do Sul, com as suas diferenças culturais e geográficas.O que poucos dizem é que a Alemanha congelou ordenados durante uma década, com o único objectivo de aumentar as suas exportações, o que conseguiu após o aumento dos ordenados nos outros países em anos consecutivos fazendo com que as suas economias perdessem competitividade, fidelizando-se assim a clientela, pelo preço baixo e pela obliteração da concorrência. Os direitos sociais e laborais na Europa unida, por parte dos alemães e de outros que adoptaram o mesmo modelo, foram ganhos em parte, à conta do desmantelamento de outras economias, leia-se o bem estar social que ainda subsiste, é à conta dos ‘parasitas’.
Atente-se que por fazer notar esta situação de todos conhecida, não é sinónimo de chamar ao trabalhador alemão, ‘parasita’ ou ‘madraço’. Trata-se de trazer um pouco de comparação ao exercício de pensamento que estamos a fazer.Curiosamente em certos relatórios da OCDE, rapidamente esquecidos por opinion makers de blocos jornalísticos na hora da ceia, aparecem indicadores como a idade de reforma mais alta da Europa, ou menor número de dias de férias por ano, ou maior número de horas por ano gastas no local de trabalho, relativas aos trabalhadores portugueses.
O euro foi a ratoeira final, com ele, nele, já os países não podem desvalorizar moeda e a machadada final veio com a imposição das medidas…neoliberais por parte do Banco Central Europeu.Este foi o caminho pelo qual pagámos portagem, desde uma economia de guerra que se recusou a recuar à normalidade da paz. Os caminhos foram a desvalorização dos trabalhadores e a transformação do trabalho abstracto em valor moral. Bem como a materialização e  imediatização da vida desses mesmos trabalhadores que devem orar no altar daquilo que lhes é apresentado como a Salvação.Paga bem caro o trabalhador, por aquilo que ele próprio produz. Se não tiver dinheiro, hipoteca tempo de vida.


            Com o fim do bloco de Leste, caiu a única segurança ou contrapeso para a regulamentação laboral que os povos tinham. Não se julga aqui e agora os factores meritórios (ou não) desta organização económica ou política, mas apenas a sua instrumentalidade ou quanto muito a sua simples presença, como contrapeso ao sistema capitalista que se universalizava. Já foi repetido à boca cheia que após o colapso planeado e levado a cabo do bloco de Leste, a única ideologia vencedora proliferou sem restrições até à situação presente, provando hoje, e mais uma vez, que o capitalismo tal como certa democracia, não é o remédio para todos os males, e pelo contrário, tem tanta ou mais necessidade de mecanismos de controlo e mitigação de efeitos, comparado com outros sistemas estruturais económicos e ideológicos.
Durante algum tempo foi bom. Parecia que o capitalismo se tinha libertado das suas próprias leis, e se havia libertado também das suas necessárias crises sistémicas.Parece-me que com a queda do bloco de Leste emergiu um certo optimismo ou euforia em surdina crescente, sem localização ou fim aparente, que não uma celebração de vitória tanto quanto de celebração momentânea de fartura súbita.
Esta euforia decorrente do alívio de décadas de tensão acumulada através da Guerra Fria e do equilíbrio do medo, transformou-se rapidamente em infantilidade como aparece representada por exemplo no videoclip ‘Nikita’ de Elton John, com duas realidades exageradas porque demagógicas, de um lado um bloco de rigidez e autoritarismo incompreensível, e do outro uma leveza de borboleta e ostentação de drag queen, com um Rolls Royce vermelho, e indumentária do cantor excêntrica no formato e nas cores, com o objectivo claro de seduzir por uma ideologia, pela cor e leveza do mundo ocidental.



            A ilusão de que o momento histórico estava alinhado e a marcha do progresso seria imparável até ao ignoto objectivo que se encontraria na meta.A partir de certa altura, o rosto colorido e ligeiro do palhaço revela o osso por detrás da máscara, com a desindustrialização (apenas deslocalizada), desregulação neoliberal, com empresários e grupos económicos que pouco mais são que bandos organizados que propagandeiam esta ideia específica de progresso, para com isso permanecerem na linha da frente, mantendo o momentum no carrossel da propriedade e da influência, pagando com dedicação à causa, e recebendo o que lhes permite acesso aos meios  de luxo que os distinguem dos demais.
Diz o cidadão comum que a crise decorre dos gananciosos financeiros que emergiram destas sociedades ocidentais que caminham para a desregulamentação.Regra geral esquece-se que a crise é de facto a crise de uma sociedade baseada no trabalho abstracto e na produção esquizofrénica de mercadorias.Mas mesmo os vencedores dos mercados mundiais se vêem enterrados em vários níveis de miséria.A força de trabalho perde poder e a deslocação fabril segue as rotas dos designados países ‘emergentes’ ou em ‘vias de desenvolvimento’ para onde as empresas têm de deslocar a produção sob pena de se verem suplantadas por rivais que disso se lembrem primeiro.
Ao cidadão comum cabe a parte dos fenómenos de exclusão social, desemprego, crédito como solução ao incentivo económico num aprofundar do drama da submissão excessiva, cabe também a imposição de salários miseráveis, desmantelamento de serviços estatais de acesso universal, sob a desculpa de que não dão lucro, ou só os privados gerem bem, e que são onerosos para o erário público.

Mas a brutal genialidade deste plano, está em algo que Étienne de La Boetie descreve no seu ‘Discurso sobre a Servidão Voluntária’ de 1571, referindo a alienação auto-inflingida por parte das massas, indivíduo a indivíduo, de discursos, de ruído continuamente vertido das pessoas para as pessoas, e por elas aceite de forma acrítica.Poder-se-á afirmar que a alienação contemporânea nada mais é que a aceitação pela maioria de um sistema de coisas, uma mundividência, de uma visão sobre o mundo, onde genialmente se introduziu e instalou solidamente a crença de que nada há a fazer para mudar, e que o sistema embora com falhas, é o melhor que se pode arranjar.A guerra passou-se no campo das ideias,  e venceu a ideia que nos materializa como adultos, emancipados e competentes para a liberdade e que o caminho para ela não é árduo.




Achamos que as massas foram vitimas de uma manipulação ideológica que aproveitou profundamente as nossas características biológicas e psicológicas que nos transformaram em fanáticos agressivos que reagem sempre contra a ideia da possibilidade de um outro mundo, que defendem o carácter sagrado do trabalho, como se este fosse um valor moral, norteador de sucesso e progresso.



A tal servidão é voluntária, tanto quanto é acarinhada.

Para as massas, fora dela, existe o caos, a anarquia, pois a civilização (dizem os ideólogos) só surgiu através do trabalho, e que quanto mais um indivíduo se consumir por completo em trabalho mais ‘longe’ irá a civilização.





Para quem está atento, assiste-se na análise da História a avanços e retrocessos constantes e regulares, no que concerne à evolução social da nossa espécie.

Cada vez mais e pela primeira vez na História, a Humanidade vai-se libertando através da técnica das condições materiais que a condicionavam, apenas para se autocondicionar de novo.



O progresso social retrocede para o sentido das primeiras populações que alimentavam a Inglaterra que assistiu aos primeiros engenhos a vapor.



A bóia que é lançada ao náufrago, ajuda como âncora, pois os milhões no desemprego assistem à inevitabilidade do desregulamento do código laboral, e de todos os avanços conseguidos previamente, tudo para aumentar a empregabilidade e revitalizar a economia, alinhando a mão de obra pelo nível dos desgraçados trabalham a troco de uma taça de arroz.





O cidadão vê-se assim, também, desprotegido laboralmente.

Como reage?



A sua reacção abrange 3 comportamentos mais comuns:



1) abnegação em trabalhar mais e dar o exemplo para que outros façam o mesmo;

2) assume uma identificação osmótica com o seu trabalho;

3) desenvolve uma coerção e hostilidade para com quem não quer ou não pode trabalhar.



O fundamentalismo do trabalho é propagandeado por todos os meios possíveis. As próprias pessoas, ébrias de uma superficial riqueza, não querem voltar atrás. Não querem estar impedidas de trocar de carro de quatro em quatro anos, querem continuar a ter toda a ‘liberdade’ para os consumíveis electrónicos da moda que são disponibilizados a conta gotas por meia dúzia de empresas que institucionalizaram a ‘obsolescência embutida’, que é tomada pelas massas como consequência do uso dos objectos.



Não querem abdicar da Playstation, ou pelo menos do seu progresso regular de versão em versão, mesmo quando dois terços do planeta passa fome, precisamente para que um terço possa ter acesso a estas riquezas superficiais.

O cidadão comum que sonha com um mundo melhor, sonha com playstations para toda a gente e para com a expansão deste universo alternativo a outros, a toda a gente.





A imaginação afogada por uma ideologia popular tecnocrata, não consegue vislumbrar propostas de solução a ter para com os problemas presentes, quanto mais para alternativas futuras. É preocupante quando a própria juventude não quer nem consegue imaginar um mundo futuro diferente.

É geralmente um sintoma característico da embriaguez.



O colapso do trabalho implica necessariamente o colapso da sociedade capitalista.

Não se constituiu até hoje um único movimento de massas, e até o movimento originado em Março, em Portugal, tinha menos que ver com uma reforma radical da sociedade que com uma justa reivindicação salarial de pessoas que se viram despojadas do reconhecimento social que esperavam obter com uma licenciatura.



As reacções existentes à crise, timidamente, (porque pura e simplesmente ninguém sabe o que fazer) lá pretendem uma regulação estatal da sociedade da mercadoria, mas não a sua abolição ou aniquilamento.

Tal ainda é visto como impossível.

Nem que se tenha de implementar uma administração autoritária da crise tal e qual um governo fantoche, implicando já uma concretização de política económica ultraliberal por parte do governo recentemente eleito (!), a partir de promessas de mais trabalho, coercivo e forçado, sob máscaras de impostos mais pesados, e aumento da carga horária sem compensação salarial.



O trabalho é o cadáver que domina os ventos da ‘globalização’ que traíram as suas melhores promessas e que não passam de aragens bafientas. Nunca como hoje a sustentabilidade ecológica do planeta esteve tão em perigo, nem se travaram tantas pequenas guerras, que no somatório de vítimas encoberto pelos meios de comunicação, se assemelham a grandes conflitos à escala global. Encobrem-se os levantamentos de povos como a Revolução Islandesa, e outros, pois tal não seria bom para as sociedades que defendem que isto é o progresso.



A capacidade ou incapacidade de vender a sua força de trabalho é o requisito perante o qual o ser humano se torna marginal ou supérfluo.



Quem não trabalha não come, é o mote moderno.



O trabalho e a sua ideologia dominante, determina os conceitos, os valores morais (quantas vezes não se ouve que fulano é boa pessoa, muito trabalhador, como se fosse isso um valor sobre o seu carácter) e os comportamentos dos indíviduos.

Mesmo os indigentes interiorizam que é melhor ter qualquer trabalho que não ter nenhum, e os que não conseguem nenhum, encontram justificada na sua culpa, a sua condição humana. Ou seja o pobre e o miserável são-no porque não arranjam emprego, assumindo-se o cidadão moderno como o epitáfio de todas as civilizações passadas humanas, é que sempre houve miséria, mas hoje em dia descobrimos que só existem miseráveis, porque não querem ou não podem trabalhar.

O miserável, portanto, merece a sua fortuna e miséria.



As limitações do trabalho, da sua necessidade na vida dos indivíduos e das comunidades que vivem dos serviços é essencialmente um problema subjectivo dos excluídos, de acordo com a natureza delirante da consciência contemporânea.





O trabalho tornou-se obsoleto. Anda-se apenas a moer a rosca, presentemente.



Os gestores, economistas, políticos incompetentes, perante a própria corrupção e ganância, exigem reivindicações exageradas, acusam de falta de disponibilidade e falta de flexibilidade como as causas para o estado desta casa onde não há pão nem razão, e onde todos ralham.



Agarremo-nos todos ao remo do sacrifício, e abnegadamente rememos, não interessa saber para onde, a saída só pode ser a remar, quem não o faz que morra, desde que não viva à nossa custa, fique para trás será castigado darwinianamente por isso.



É na coerção que o homem se torna lobo do homem, na coerção que uns indivíduos fazem sobre outros, generalizada e delirante, sob a batuta de umas pretensas leis do mercado.

O totalitarismo económico, para o qual os olhos das gerações futuras olharão com espanto, legisla bem, quem não se adapta e agarra com unhas e dentes a esta competição incondicional, será punido aos olhos da rentabilidade e deve ter pelo menos a necessidade de obliterar-se pelas próprias mãos para não ser um encargo para outros.



Perante o vazio de ideias, o abandono na abnegação do trabalho torna-se cada vez mais completo, rendido à imagem imediata da separação única dos males presentes, pela redenção que vem apenas pela entrega absoluta ao trabalho futuro.
0 Comments
Forward>>

    Notar que:

    Debitar de ruminações sobre cultura popular, meios de expressão e comunicação, e outras coisas deliciosamente burguesas. (Se não se tornar muito incómodo, não me ponham em tribunal)

    Arquivos

    July 2016
    August 2015
    March 2015
    November 2014
    July 2014
    April 2014
    January 2014
    December 2013
    October 2013
    September 2013
    October 2011
    September 2011
    August 2011

    Categorias

    All

    RSS Feed

 Imagem
 Imagem