A surpresa
Embora não fosse credível nenhuma novidade ou surpresa no acto eleitoral de 4 de Outubro de 2015, havia ainda uma nada deslumbrada esperança de que face à violência do anterior mandato da coligação de direita, seria óbvia uma rejeição em massa dos mesmos protagonistas.
Um castigo, a um dos mais inaptos e lesivos executivos de governo da República Portuguesa.
Esta afirmação não se prende com uma mera discordância ideológica, emerge a partir do facto indesmentível de que no nosso período de vida assistimos à maior diáspora da mais formada geração que Portugal deu à luz.
Estamos perante o exílio, quase sempre em definitivo, de nossos compatriotas, empurrados para fora, com sofrimento impossível de quantificar em gráficos do I.N.E., bem como o aumento de suicídios e outros indicadores de problemas sociais.
Tenho a forte convicção de que nada, sem ser a guerra civil, é mais indicador da falência e corrupção de governos e regimes que o êxodo em massa de cidadãos para fora do seu país, por a vida se tornar aí insustentável.
Tenho-o repetido até à exaustão, mas parece que nos meios de comunicação social o assunto é secundário, perdidos que estamos na auto flagelação por sermos morenos, madraços e mediterrânicos.
Este êxodo derrota completamente qualquer justificação para a existência de um Estado.
Se entendermos o Estado como uma ferramenta de organização e exponenciação da vida comum, de forma a o cidadão proteger o seu direito e dever a uma vida melhor, a negação deste direito e dever é por consequência a negação do Estado.
Por miúdos, se o Estado visa proporcionar uma vida melhor, a emigração recente é a negação do Estado.
De que serve a existência, paga e custeada pelo cidadão, de um conjunto de instituições subsumidas sob o nome 'Estado' que visam regular e facilitar a vida e coisa pública, se a vida e a coisa pública são impossibilitadas e privatizadas (alienadas da comunidade) por essa mesma Instituição de instituições?
Podemos embarcar no cisma da coligação de direita, repetindo que é tudo consequência de mandatos anteriores, a culpa é dos outros, os anteriores, a troika, dos mercados, dos ratings, de Bruxelas, do despesismo, etc.
Podemos repetir até à exaustão os mantras de que estamos a melhorar, a crescer, a evoluir, numa clara negação da realidade lançando-lhe confiança, panaceia para a economia.
Mas existem pelo menos 3 ideias que de um certo ponto de vista lançam por terra este condicionamento neuro-linguístico, e que simultaneamente permitem erguer critérios de avaliação sobre a competência e irresponsabilidade dos eleitos e dos eleitores, podendo expor a conclusão de que isto é tudo gente do passado, um anacronismo opcional agora, mas obrigatório extirpar num futuro próprio.
São elas:
1) Portugal foi, é e sempre será um país pequeno e periférico. Particularmente porque não controla a sua localização geográfica nem a sua situação económica. Esta última, cremos, por motivos que implicam o reordenamento da estrutura social, e que têm apoios constantes e vigorosos de uma mentalidade reaccionária. De uma forma ou de outra a estrutura classista tem conseguido perpetuar-se ao longo dos séculos, e a 'integração' na União Europeia não corresponde a um projecto português (aliás nunca referendado ou sujeito a outro tipo de sufrágio) mas a um projecto feito por outros, ao qual Portugal aderiu inebriado pelo acesso a fundos comunitários.
Isto tem sido repetido até à exaustão pelas sucessivas oposições, andámos a viver acima das nossas possibilidades, mas apenas porque as possibilidades não eram nossas.
2)O ritmo de exploração do capitalismo actual é vertiginoso e incomportável para o planeta.
Continuamos a aposta numa economia de massas, composta por excedentes e lucros, que falha rotundamente numa gestão racional dos recursos, tudo branqueado pela repetição do dogma de auto regulação dos mercados. Quem não percebe a imoralidade de consumir uma banana que atravessou um Oceano e um Hemisfério para chegar às suas mãos, não pode ter o mesmo direito de voto que pessoas mais esclarecidas.
3)Continuamos a apostar na desigualdade social, não a resolvendo, apenas a mascarando. Solidificamos uma sociedade amaciada pela hipocrisia, a que damos o nome de 'meritocracia'.
Sobrevalorizamos o egoísmo e a ambição e apagamos essa má consciência com impostos.
Concorde-se ou não com estas 3 ideias, há uma que é evidente quer a nível de trabalhos científicos quer na presença da voz popular.
É a de que o planeta onde vivemos é um sistema fechado.
Só por si este dado devia determinar uma economia gerida por recursos e não ao sabor dos 'mercados'. Não pode ser a biosfera sujeita a este tipo de pressão, só por causa dos bens de prestígio e de economias cujo ópio é o desperdício e o escalonamento em segmentos relativos ao estatuto social dos consumidores. Parece que foi isso que aconteceu na Ilha da Páscoa, e não parece ter sido produtivo.
Sustentando nós uma economia autofágica e autotélica, baseada no consumo e na obsolescência programada, temos de olhar para esta gente dos partidos, advogados e economistas, e perguntar se são eles, além da corrupção abafada, que servem para gerir a cada vez menor coisa pública.
Grande parte das pessoas na minha rede de conhecimentos e relações, esboçou, com pasmo e indignação fácil, uma reacção em relação aos resultados eleitorais do passado Domingo.
Não percebo o porquê do espanto.
Quem votou na coligação de direita, foram os mesmos, foram todos aqueles que acreditam que a malta de direita tem dinheiro e está habituado a geri-lo. Foram todos aqueles que repetem frases feitas de que o socialismo consiste em gastar bem o dinheiro dos outros e outros lugares comuns, que pela estupidez têm força para calar qualquer tentativa de resposta.
Quem votou PAF faz pouca fé nas ideias anteriormente indicadas.
Os eleitores são geralmente pertencentes à burguesia urbana com forte crença na possibilidade de regulação do capitalismo moderno, igual crença na infinidade de recursos naturais e humanos, e por fim, acreditam piamente na desigualdade, de facto, entre humanos, seja desigualdade genética, seja social, seja de ânimo ou auto motivacional. Apenas os mais corajosos o veêm e admitem.
Os outros mascaram com a falácia da meritocracia.
Esta meritocracia é bipolar, no sentido em que por um lado parece óbvio que os 'melhores' (critério nebuloso) fazem evoluir a sociedade, mas por outro lado o meritocrata assumido assume-se como uma minoria, uma excepção contra a regra.
Os outros são a seus olhos, todos uns calões, oportunistas, ou conformados, enquanto apenas ele e quem ele respeita (respeito que pode vir pela posse de bens de prestígio que o meritocrata almeja) – o meritocrata está sempre no lado oposto ao dos incapazes e preguiçosos, dos piegas.
O meritocrata que tem alguma coisinha arrancada ao mercado de trabalho, tira valor para si através da decuplicação do seu sacrifício.
O meritocrata é bom gestor, bem remunerado porque trabalhou muito, se esforçou muito. Uma mulher da limpeza ou pedreiro, não se esforçaram tanto, portanto têm isso reflectido no salário. Até porque não estudaram, andaram por aí a vegetar. Se alguém estuda é porque o que aprendeu nada vale para o mercado do trabalho, ou porque existem licenciados a mais.
A meritocracia é sempre uma desculpa com costas largas para justificar a desigualdade.
É mais fácil encontrar uma manada de unicórnios nas Berlengas, que um cidadão trabalhador português que assuma que assuma a sua incompetência com igual denodo com que assume que os outros é que são sempre os responsáveis pelo estado a que 'isto' chegou, revestidos de defeitos contrapostos às suas próprias virtudes.
Mais difícil será encontrar um gestor, ou administrador de empresa que desfaça por terra a sua crença de valor próprio, afirmando que o trabalho que faz pode ser feito por outro, pode ser feito por um tipo da linha de montagem se lhe for dada formação e informação para isso. Onde está portanto a base da desigualdade laboral? Nas habilitações? Nas opções da vida pessoal de cada um?
Na mobilização a troco da própria individualidade ou na capacidade de reunir e passar informações sobre colegas de trabalho aos capatazes, com o objectivo de melhorar o expediente?
As profissões são remuneradas tendo em conta a sua escassez? Porque recebe mais um médico que um alfaiate ou que um artesão que constrói guitarras ou canecas das Caldas?
A classe média portuguesa legitimou mais do mesmo, pelo menos metade da classe média. A outra metade vingou-se comodamente através da abstenção, elaborando cenários segundo os quais os políticos iriam fazer uma profunda auto culpabilização e reflectir gravemente sobre o fenómeno.
A classe média que continua a legitimar a mesma incompetência de sempre, é a que pode e quer continuar a mandar vir gadgets da Amazon, a visitar Nova Iorque em escapadinhas nas pontes que elabora logo no início do ano, para tirar fotos e meter nas redes sociais dignificando assim a sua própria existência.
É a classe média que optando, e sendo contra, pode colocar os filhinhos no ensino privado, como se fosse um mal necessário e protector, que acha que por poder pagar mais tem direito a um um serviço de saúde um pouco melhor. São os sinais do tempo e temos de nos adaptar.
Os pobres, miseráveis, esses têm telemóveis e não poupam e não temos de pagar por eles, de dividir o fruto do nosso trabalho tão arduamente ganho nos serviços ou no import-export.
Raios, temos direito ao nosso cimbalino diário com pastel de nata no refeitório da empresa, que nos subcontrata para fazermos o que ela não quer fazer, e nós subcontratamos outros para fazer o que nós não queremos fazer, afinal, somos inovadores e competitivos.
O que sustenta os partidos do arco governativo são estas legiões urbanas e suburbanas, são os reformados que defendem aguerridamente as suas pensões, e que escolhe de acordo com o grau de boçalidade o seu candidato.
O que sustenta a coligação PAF são aqueles que ainda têm alguma coisa, e que não querem perder aquilo que acham que têm. Pudera, foram traçados cenários caóticos pelos comentadores e paineleiros dos canais generalistas isentos.
O crime não é defenderem o que é 'seu'.
Não.
A sua falha é não conseguirem perceber que de acordo com a plausibilidade das 3 ideias acima citadas, aquilo que é 'seu' não é passível de defesa, pois não depende de si.
As pensões não dependem deles, tal como a sua riqueza material não depende de si. Basta a China querer o monopólio dos Call Centers, para boa parte destes eleitores se ver na posição daqueles desempregados a que hoje chamam de parasitas e madraços.
Como exemplo, de nada adianta defender o direito de os portugueses comerem bananas, se as greves dos camionistas franceses ou espanhóis implicarem uma ruptura de stocks em Portugal. Não depende de nós. E nada ou quase nada é feito para corrigir esta dependência, não é uma questão do dia.
Ao contrário de muita gente, e pese embora as minhas esperanças, sinto algum alívio nos resultados destas eleições.
Por perceber que para haver tanta gente a querer manter este executivo, e haver ainda mais a achar que o melhor protesto é o silêncio, é porque ainda há muita riqueza ou cegueira no nosso país.
Se for riqueza, prova-se a competência do executivo.
Se não for, é porque há muita banana em Portugal.
Embora não fosse credível nenhuma novidade ou surpresa no acto eleitoral de 4 de Outubro de 2015, havia ainda uma nada deslumbrada esperança de que face à violência do anterior mandato da coligação de direita, seria óbvia uma rejeição em massa dos mesmos protagonistas.
Um castigo, a um dos mais inaptos e lesivos executivos de governo da República Portuguesa.
Esta afirmação não se prende com uma mera discordância ideológica, emerge a partir do facto indesmentível de que no nosso período de vida assistimos à maior diáspora da mais formada geração que Portugal deu à luz.
Estamos perante o exílio, quase sempre em definitivo, de nossos compatriotas, empurrados para fora, com sofrimento impossível de quantificar em gráficos do I.N.E., bem como o aumento de suicídios e outros indicadores de problemas sociais.
Tenho a forte convicção de que nada, sem ser a guerra civil, é mais indicador da falência e corrupção de governos e regimes que o êxodo em massa de cidadãos para fora do seu país, por a vida se tornar aí insustentável.
Tenho-o repetido até à exaustão, mas parece que nos meios de comunicação social o assunto é secundário, perdidos que estamos na auto flagelação por sermos morenos, madraços e mediterrânicos.
Este êxodo derrota completamente qualquer justificação para a existência de um Estado.
Se entendermos o Estado como uma ferramenta de organização e exponenciação da vida comum, de forma a o cidadão proteger o seu direito e dever a uma vida melhor, a negação deste direito e dever é por consequência a negação do Estado.
Por miúdos, se o Estado visa proporcionar uma vida melhor, a emigração recente é a negação do Estado.
De que serve a existência, paga e custeada pelo cidadão, de um conjunto de instituições subsumidas sob o nome 'Estado' que visam regular e facilitar a vida e coisa pública, se a vida e a coisa pública são impossibilitadas e privatizadas (alienadas da comunidade) por essa mesma Instituição de instituições?
Podemos embarcar no cisma da coligação de direita, repetindo que é tudo consequência de mandatos anteriores, a culpa é dos outros, os anteriores, a troika, dos mercados, dos ratings, de Bruxelas, do despesismo, etc.
Podemos repetir até à exaustão os mantras de que estamos a melhorar, a crescer, a evoluir, numa clara negação da realidade lançando-lhe confiança, panaceia para a economia.
Mas existem pelo menos 3 ideias que de um certo ponto de vista lançam por terra este condicionamento neuro-linguístico, e que simultaneamente permitem erguer critérios de avaliação sobre a competência e irresponsabilidade dos eleitos e dos eleitores, podendo expor a conclusão de que isto é tudo gente do passado, um anacronismo opcional agora, mas obrigatório extirpar num futuro próprio.
São elas:
1) Portugal foi, é e sempre será um país pequeno e periférico. Particularmente porque não controla a sua localização geográfica nem a sua situação económica. Esta última, cremos, por motivos que implicam o reordenamento da estrutura social, e que têm apoios constantes e vigorosos de uma mentalidade reaccionária. De uma forma ou de outra a estrutura classista tem conseguido perpetuar-se ao longo dos séculos, e a 'integração' na União Europeia não corresponde a um projecto português (aliás nunca referendado ou sujeito a outro tipo de sufrágio) mas a um projecto feito por outros, ao qual Portugal aderiu inebriado pelo acesso a fundos comunitários.
Isto tem sido repetido até à exaustão pelas sucessivas oposições, andámos a viver acima das nossas possibilidades, mas apenas porque as possibilidades não eram nossas.
2)O ritmo de exploração do capitalismo actual é vertiginoso e incomportável para o planeta.
Continuamos a aposta numa economia de massas, composta por excedentes e lucros, que falha rotundamente numa gestão racional dos recursos, tudo branqueado pela repetição do dogma de auto regulação dos mercados. Quem não percebe a imoralidade de consumir uma banana que atravessou um Oceano e um Hemisfério para chegar às suas mãos, não pode ter o mesmo direito de voto que pessoas mais esclarecidas.
3)Continuamos a apostar na desigualdade social, não a resolvendo, apenas a mascarando. Solidificamos uma sociedade amaciada pela hipocrisia, a que damos o nome de 'meritocracia'.
Sobrevalorizamos o egoísmo e a ambição e apagamos essa má consciência com impostos.
Concorde-se ou não com estas 3 ideias, há uma que é evidente quer a nível de trabalhos científicos quer na presença da voz popular.
É a de que o planeta onde vivemos é um sistema fechado.
Só por si este dado devia determinar uma economia gerida por recursos e não ao sabor dos 'mercados'. Não pode ser a biosfera sujeita a este tipo de pressão, só por causa dos bens de prestígio e de economias cujo ópio é o desperdício e o escalonamento em segmentos relativos ao estatuto social dos consumidores. Parece que foi isso que aconteceu na Ilha da Páscoa, e não parece ter sido produtivo.
Sustentando nós uma economia autofágica e autotélica, baseada no consumo e na obsolescência programada, temos de olhar para esta gente dos partidos, advogados e economistas, e perguntar se são eles, além da corrupção abafada, que servem para gerir a cada vez menor coisa pública.
Grande parte das pessoas na minha rede de conhecimentos e relações, esboçou, com pasmo e indignação fácil, uma reacção em relação aos resultados eleitorais do passado Domingo.
Não percebo o porquê do espanto.
Quem votou na coligação de direita, foram os mesmos, foram todos aqueles que acreditam que a malta de direita tem dinheiro e está habituado a geri-lo. Foram todos aqueles que repetem frases feitas de que o socialismo consiste em gastar bem o dinheiro dos outros e outros lugares comuns, que pela estupidez têm força para calar qualquer tentativa de resposta.
Quem votou PAF faz pouca fé nas ideias anteriormente indicadas.
Os eleitores são geralmente pertencentes à burguesia urbana com forte crença na possibilidade de regulação do capitalismo moderno, igual crença na infinidade de recursos naturais e humanos, e por fim, acreditam piamente na desigualdade, de facto, entre humanos, seja desigualdade genética, seja social, seja de ânimo ou auto motivacional. Apenas os mais corajosos o veêm e admitem.
Os outros mascaram com a falácia da meritocracia.
Esta meritocracia é bipolar, no sentido em que por um lado parece óbvio que os 'melhores' (critério nebuloso) fazem evoluir a sociedade, mas por outro lado o meritocrata assumido assume-se como uma minoria, uma excepção contra a regra.
Os outros são a seus olhos, todos uns calões, oportunistas, ou conformados, enquanto apenas ele e quem ele respeita (respeito que pode vir pela posse de bens de prestígio que o meritocrata almeja) – o meritocrata está sempre no lado oposto ao dos incapazes e preguiçosos, dos piegas.
O meritocrata que tem alguma coisinha arrancada ao mercado de trabalho, tira valor para si através da decuplicação do seu sacrifício.
O meritocrata é bom gestor, bem remunerado porque trabalhou muito, se esforçou muito. Uma mulher da limpeza ou pedreiro, não se esforçaram tanto, portanto têm isso reflectido no salário. Até porque não estudaram, andaram por aí a vegetar. Se alguém estuda é porque o que aprendeu nada vale para o mercado do trabalho, ou porque existem licenciados a mais.
A meritocracia é sempre uma desculpa com costas largas para justificar a desigualdade.
É mais fácil encontrar uma manada de unicórnios nas Berlengas, que um cidadão trabalhador português que assuma que assuma a sua incompetência com igual denodo com que assume que os outros é que são sempre os responsáveis pelo estado a que 'isto' chegou, revestidos de defeitos contrapostos às suas próprias virtudes.
Mais difícil será encontrar um gestor, ou administrador de empresa que desfaça por terra a sua crença de valor próprio, afirmando que o trabalho que faz pode ser feito por outro, pode ser feito por um tipo da linha de montagem se lhe for dada formação e informação para isso. Onde está portanto a base da desigualdade laboral? Nas habilitações? Nas opções da vida pessoal de cada um?
Na mobilização a troco da própria individualidade ou na capacidade de reunir e passar informações sobre colegas de trabalho aos capatazes, com o objectivo de melhorar o expediente?
As profissões são remuneradas tendo em conta a sua escassez? Porque recebe mais um médico que um alfaiate ou que um artesão que constrói guitarras ou canecas das Caldas?
A classe média portuguesa legitimou mais do mesmo, pelo menos metade da classe média. A outra metade vingou-se comodamente através da abstenção, elaborando cenários segundo os quais os políticos iriam fazer uma profunda auto culpabilização e reflectir gravemente sobre o fenómeno.
A classe média que continua a legitimar a mesma incompetência de sempre, é a que pode e quer continuar a mandar vir gadgets da Amazon, a visitar Nova Iorque em escapadinhas nas pontes que elabora logo no início do ano, para tirar fotos e meter nas redes sociais dignificando assim a sua própria existência.
É a classe média que optando, e sendo contra, pode colocar os filhinhos no ensino privado, como se fosse um mal necessário e protector, que acha que por poder pagar mais tem direito a um um serviço de saúde um pouco melhor. São os sinais do tempo e temos de nos adaptar.
Os pobres, miseráveis, esses têm telemóveis e não poupam e não temos de pagar por eles, de dividir o fruto do nosso trabalho tão arduamente ganho nos serviços ou no import-export.
Raios, temos direito ao nosso cimbalino diário com pastel de nata no refeitório da empresa, que nos subcontrata para fazermos o que ela não quer fazer, e nós subcontratamos outros para fazer o que nós não queremos fazer, afinal, somos inovadores e competitivos.
O que sustenta os partidos do arco governativo são estas legiões urbanas e suburbanas, são os reformados que defendem aguerridamente as suas pensões, e que escolhe de acordo com o grau de boçalidade o seu candidato.
O que sustenta a coligação PAF são aqueles que ainda têm alguma coisa, e que não querem perder aquilo que acham que têm. Pudera, foram traçados cenários caóticos pelos comentadores e paineleiros dos canais generalistas isentos.
O crime não é defenderem o que é 'seu'.
Não.
A sua falha é não conseguirem perceber que de acordo com a plausibilidade das 3 ideias acima citadas, aquilo que é 'seu' não é passível de defesa, pois não depende de si.
As pensões não dependem deles, tal como a sua riqueza material não depende de si. Basta a China querer o monopólio dos Call Centers, para boa parte destes eleitores se ver na posição daqueles desempregados a que hoje chamam de parasitas e madraços.
Como exemplo, de nada adianta defender o direito de os portugueses comerem bananas, se as greves dos camionistas franceses ou espanhóis implicarem uma ruptura de stocks em Portugal. Não depende de nós. E nada ou quase nada é feito para corrigir esta dependência, não é uma questão do dia.
Ao contrário de muita gente, e pese embora as minhas esperanças, sinto algum alívio nos resultados destas eleições.
Por perceber que para haver tanta gente a querer manter este executivo, e haver ainda mais a achar que o melhor protesto é o silêncio, é porque ainda há muita riqueza ou cegueira no nosso país.
Se for riqueza, prova-se a competência do executivo.
Se não for, é porque há muita banana em Portugal.