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Cigarras e Formigas I

10/17/2013

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I

Da muita cultura reaccionária que podemos rememorar, a mais insidiosa e perigosa, está nos contos infantis.

O mais atávico para mim é o da cigarra e da formiga.

Quando era miúdo, uma das histórias que mais me intrigava e irritava ao mesmo tempo era a da cigarra e a da formiguinha.

Nela uma cigarra cantava no Verão enquanto a formiga labutava e a tempos avisava a cigarra de que o Inverno se aproximava, e depois não teria que comer, ao que a cigarra respondia com jactância vivendo a vida com alegria e cantoria alheia ao planeamento logístico avançado da formiga. Chega a altura em que a fábula moral se conclui com a desgraçada cigarra morrendo de fome e frio e a formiga soberba a acolhe e dá de comer após a sentença moral de que como a cigarra lhe alegrara o Verão, merecia permanecer viva.

Ainda hoje não sei porque me irritava.

Munido da moralidade fundamentalista que só as crianças podem ter, julgava a cigarra como inconsciente apesar de não perceber como era tão castigada na entoação de quem me contava a história apenas por se dedicar aos vícios do canto em dias de Verão. Que devassidão nesse ser dedicado ao pecado do canto e da preguiça.

Outro dos significados implícitos, destinados a educar as crianças, era a da recompensa do trabalho árduo estival, frutificado no Inverno, com imagens de uma formiga com comidinha e no quentinho do seu lar. Os adultos pareciam dizer-nos que ‘trabalha agora para teres depois’ além de que ‘as costas ao alto depois dão sobressalto’. A fábula pretende sublinhar a previdência, o planeamento, e a visão realista sem deslumbramento da existência. Um ‘caute’ espinosiano.

II

Irritava-me talvez por causa da sujeição da cigarra à vontade da providente formiga, avisada que fora a tempo, e por não compreender que alegria intoxicante pode haver em cantar dias a fio, de molde a arriscar a vida e a dignidade ao ponto de se esquecer que no Inverno teria de comer o que produziria no Verão. Julgava assim a negligente cigarra não a compreendendo.

Estava no poder da cigarra evitar pedir e arriscar a vida. Não o fez. Era acima de tudo isso e aquilo que era a sua burrice (para mim) de não fazer o que fazem as respeitáveis formigas.

Ora há uma sabedoria mais fatal na atitude da cigarra que aparenta à  1ª vista.

A cigarra não é negligente, é reactiva. Ela sabe que se não trabucar não pode manducar, o que ela faz é negar o mundo de trabalho, o mundo de necessidade e esforço autotélico das formiguinhas. Mesmo que cantasse para atrair machos ou fêmeas, ou pelo gosto de cantar, hoje parece-me bem mais razoável que a formiga, autómata, a cigarra aproveita a vida a formiga safa-se nela. Vive no Inverno do trabalho acumulado no Verão, cumpre metodicamente o seu objectivo egoísta, a outra entrega-se a apreciar a vida. Rejeita e depois sujeita-se, e esse é o único motivo que degrada a cigarra, aceitar o que havia rejeitado.

A formiga não tem por onde se lhe pegar. Exerce a sua provisão abnegadamente, ciente de um mundo de escassez,  encerrada no seu propósito e culmina numa lição de moral de capela condoída de escrúpulos de última hora perante aquela que laborara afinal de forma diferente. Sabendo que cantar também é trabalho, porque insiste no sermão a formiga?

Para castigar outro ser que se havia dedicado a apreciar a vida em grupo e não no privado Inverno de chinelos  da formiguinha.

É a vida contemplativa que é castigada.

III

A fábula moral ensina desde cedo que a censura apenas opera num sentido.

Só a formiga, ente colectivo e despersonalizado, semelhante a milhares de tantas outras tem o poder de censurar, de deitar postas de pescada, avisos e reprovações. A formiga acima de tudo ensina-nos a segurança da igualdade. A esperteza de esperar recompensa se jogarmos pelas regras. A virtude de um autosacrificio em nome próprio, mais profundo ainda, o valor do calculismo de pendor  imediato e prático, a chico esperteza.

Esta adequação bovina às leis e esperança por recompensa está no núcleo do carácter conservador e atávico de grandes massas populacionais.

Joguemos pelo seguro. Não sejamos parvos ou levianos. Respeitemos a ordem milenar da abnegação.

Acontece que desde que se optou por um regime republicano estruturado em democracia, ou em algo parecido, que se vive num sistema cuja definição implica a força da maioria em submeter a globalidade social ao seu desígnio. Um dos grandes logros da civilização europeia está em fazer acreditar que a maioria (  a soma numérica de cabeças) pensa melhor que as minorias, e que a maioria obedece a um critério de justiça no qual o interesse do maior número reina sobre os interesses particulares. Só uma formiguinha embriagada acreditaria nisto. A cigarra consciente canta para não rever esta ingenuidade.

Quando se observa calmamente o cidadão português nosso próximo, e se esmiúça a sua forma de pensar e encarar o mundo, ficamos com a ideia que deveríamos cometer seppuku.

As pessoas que decidem por mim, não são mais esforçadas, mais esclarecidas, ou mais preocupadas com o bem estar geral, que eu. Pelo contrário. Fazem da ovinidade uma arte, esvoaçam ligeiramente pelo frívolo, e rejeitam a responsabilidade que um republicano deve abraçar. Não cometeria o pecado de me identificar com os ‘melhores’ não fosse o facto de achar que estes maioritários de que falo são mesmo do pior.

Confirmo-o em cada manobra perigosa da estrada ou falta de civismo defendida com galhardia, ou na exposição da mundividência mediante a qual a esperteza, a previdência comezinha e anafada do Inverno que se aproxima, tolhem  a visão de um futuro mais prolongado. Não sabe o vulgo viver em comunidade nem organizar o futuro, a sua organização é de vista curta e extremamente materialista.Não tem portanto, virtude.

Tenho eu de me submeter ao voto de quem exulta com ‘reality shows’ e defende o seu direito a estacionar em 2ª fila perante mim, e se desculpabiliza e corrige de imediato se por acaso é a polícia a alertar para o mesmo facto? Este último facto é importante, o que está em causa não é a natureza da ofensa mas a origem da chamada de atenção.Eu não sou ninguém, não apresento ameaça, nem tenho «autoridade» ou dever de chamar a atenção a ninguém. A populaça só acha que pode ser chamada à atenção por alguém que considere superior ou aos que podem trazer sarilhos para a sua excitante vida.

Revela-se portanto uma preocupação em levar uma vida fácil e folgada, sem chatices e torcendo as circunstâncias em benefício próprio, rejeitando a intervenção civíca do próximo.  Experimente o caro leitor solicitar a alguém para apanhar o papel que acabou de deitar para o chão ou para trocar o jogo de futebol pela assembleia de freguesia. É esta mentalidade que nos define como maioria e que nos submete à sua superior sapiência.

Agora que um curso superior já não dá emprego valorizável e certo, que devem os mais esclarecidos fazer? O que fazer com tanta bibliografia devorada, e tanto pensamento elaborado? Ceder à imediaticidade e à prática? Quem as determina? Quem são os líderes partidários senão os mais motivados nas jogadas de bastidores e ao completo arrepio de existência de coluna vertebral efectiva? Estes são os premiados pela nossa democracia, os covardes, os sabujos, os que apenas se sabem safar num meio artificial endógeno, a ‘política’.

Tenho eu de me submeter ao grunho para ser governado pelo bufo incompetente?

A própria instrução não é sinónimo de esclarecimento, pois conheço muita gente com doutoramentos e pós doutoramentos que por causa do título acham que podem falar de assuntos sobre os quais nada percebem.

Sentem-se autorizados, e aqui o termo é mesmo AUCTORITAS, pela obtenção de uma distinção artificial, cuja pompa é real. Foi este sentimento que levou a um surto demográfico de graus académicos na política sem melhorias assinaláveis na sua forma de exercício. Muito titular de graus académicos, é poeta estando calado.

IV

Desde que me lembro do Tratado de Methuen dado no preparatório e revisto no secundário que me pergunto sobre a utilidade da História na tomada de decisão do presente. Como foi possível chegarmos a colonato inglês, como foi possível passar alguns verões cantando e quase morrer de fome nos seguintes invernos. Que condições seriam essas que deixaram os ébrios de então prejudicar tanto a pátria?

Mais espanto sinto hoje em dia pelo logro pior da camisa de forças em que estamos, bem pior que o Tratado de Methuen. E sempre houve gente disso consciente, então, como agora há sempre alguém com lucidez. Eu humildemente sempre informei os meus próximos sobre a importância de estarmos atentos, da militância política sistemática, de se comprar produtos nacionais bem como da importância teimosa de autonomia a arrepio de tudo e todas as pressões.

Nos tempos em que entravam mais milhões da Europa que jactos espanhóis em espaço aéreo nacional, ninguém ou quase ninguém queria saber, era a Expo 98, o Euro, as cidades da cultura e as casa da música, era o melhor dos mundos e havia tanto plasma tft para comprar. Havia viagens para fazer, olhos da Maddie e solidariedade para com Timor para meter nas janelas junto da bandeira da selecção nacional de futebol. Eu e outros vimos isto e alertámos os semelhantes. Os que se estão a borrifar, os grunhos e os próprios jotas e sabujos partidários.

A grande ideia que se deixa é portanto a de que as minorias da população que podem ser úteis à maioria são sistemática e convenientemente alheadas de tomadas de decisão e limitadas a um espaço de manobra nulo . A mediocridade vence e uniformiza.

A servidão voluntária de La Boétie nunca foi tão actual como agora. As pessoas vivem de acordo com as regras que se lhe apresentam, tornando-se assim o instrumento da sua menoridade e de todos aqueles que podem contribuir para uma hipotética libertação.

Enquanto quisermos fazer a right thing e ser os alunos bem comportados da Europa e do mundo, os pacóvios que sempre fomos, não vale a pena sonhar com liberdade. Resta-nos assumir o papel de cigarra cantando e os males espantando agarrados a um tronco de oliveira pesarosos, pois vamos sempre estar dependentes das formigas que nos causam tanta angústia mas que no fim acabam por nos alimentar com o pão da náusea, pois só existe um sistema com as massas, e são elas que cilindram a evolução social ao sabor de cânticos acéfalos e efémeros.

Cantemos irmãos.

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Académicos -parte III

10/12/2013

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I

         Lembro-me dele quando a licenciatura que tirava lhe projectava uma aura de abertura de espírito e espanto pelas coisas que vejo agora que não era mais que aura.

Aos temas falados, os olhos brilhavam num aparente fascínio pela complexidade do mundo e de uma sofreguidão por saber mais.

Servia a licenciatura não só para aprender, como para mostrar a si mesmo a sua dignidade, o seu valor próprio, em situação análoga à de Lúcia que havia tirado uma licenciatura só porque havia em horário nocturno. A licenciatura e o caminho académico começa para muitos a ser uma forma de valorização própria, não do saber pelo saber, mas essencialmente por se partilhar ainda a ideia comum de que uma pessoa com estudos ‘vale’ mais que uma sem estudos. Ser ninguém na vida é um medo equivalente ao sentimento de não se ser digno ou de se ser inferior a outros, o grau académico é para grandes franjas da populção, madeira para a fogueira da vaidade ou a única forma de fugir a humildes origens.

O  licenciado findo esse trajecto, acha que conseguiu algo, e olha já para si como fazendo parte de uma pequena elite, em que as diferenças intrínsecas se devem mais a capacidade de trabalho que a diferenças genéticas, reservadas a restante percentagem populacional que não tem interesse ou cabeça para os estudos.

Pode o jovem estudante de licenciatura, mastigar-se em lamentos perante os pais, por estar no desemprego, a culpa é do mercado, tempo perdido, emigrar, coitado do meu filho, especialmente quando qualquer curso serve para fazer a vontade aos pais que geralmente nunca puderam estudar e querem dar esse privilégio aos filhos, uma vida melhor com ideias dos tempos em que ter um canudo era sinónimo de desafogo financeiro. Esta geração de nossos pais, compensa com egoísmo perante todos o altruísmo a favor dos filhos. Que se lixem os filhos dos outros, o que interessa é que o nosso se safe. Não sejas parvo, esforça-te e acaba isso para poderes ser alguém. Com a 4ª classe ou nem isso, estes milhares de migrantes nas grandes urbes do país, inculcam nos filhos o atavismo de alfaia que trouxeram da aldeia. Por amor, por profundo amor reclamam da injustiça do mundo perante os seus filhos desempregados, na exacta medida em que desprezam ou defendem a condição dos filhos dos outros que nãos lhes interessa senão por analogia para com a situação da sua prole.

Esta geração de pais cinquentões, que viveu o 25 de Abril com sangue pueril na veia, é a geração que paga as contas deste país ao mesmo tempo que o mergulha no atavismo de sempre e na pasmaceira que é criticada pelos filhos emigrantes no estranjeiro. Culpam estes erradamente as mentalidades, os políticos, sem se perceber que o dano está naqueles que se sacrificaram por eles, e que eles mesmos fazem parte de uma longa lista pelos séculos de expatriados que cospe fel e sonha mel sobre Portugal quando fora dele.

Só assim se percebe a facilidade com que se desmantelou o ensino superior público e gratuito, como se sustentam salários de miséria e a ideia de que há mais dignidade numa licenciatura que nas virtudes públicas de defesa do interesse comum.

II

Após a licenciatura veio o mestrado e o sentimento de ter tido aproveitamento em 180 créditos bolonheses dá a convicção de que se pode falar com conhecimento de causa sobre qualquer assunto, como se obter aprovação num programa básico de universidade legitime o detentor numa aprovação universal, e dele faça um apto a debater o quer que seja.

Não é a mesma postura, já não é um fascínio por aprender ou pelo novo, é já projectar uma certeza íntima assente num esforço de estudo de determinados assuntos, de superação de avaliações e trabalho árduo, que dá ao detentor de grau de ensino uma projecção de competência para todo o campo do saber humano, excepto aqueles que de tão diametralmente opostos, forçam o estudante a rejeitar implicitamente qualquer discurso em tudo aquilo que mostre que continua a ser ignorante na maior parte dos assuntos. Posição ganha é para  ser mantida.

No mestrado, a basófia, ou seja, a convicção interior que se projecta para fora, é um apêndice do projecto de especialização em que i indivíduo se lança, não apenas porque o assunto lhe interessa, mas porque também há algo que se ganha na especialização. Pontos no micro cosmos académico, auto imagem, imagem que se projecta para os outros, uma espécie de identificação temática análoga à de adoslecente por banda de heavy metal ou boys band.

Sentimento de pertença, sentimento de progressão. O mestre ou mestrando já não é um estudante de licenciatura, progrediu, não meramente nos estudos mas no status, na crença interior de ir à frente.

Acha que já trata a academia por tu, conhece-lhe as regras e defende-as, defende tudo o que lhe conforma a ilusão de onde tira o seu auto valor.

Dizem ao mestrando que o grau onde está inscrito aprofunda o seu conhecimento, acima dos outros licenciados, e mais do que o fascínio por outra jornada assiste-se geralmente a uma consolidação da solenidade pomposa com que a academia é formada, como dizia Orlando Vitorino, as universidades estão vazias.

III

O universo castrense da universidade é um terreiro de progressão social fictícia. Com a imobilidade social endémica que caracteriza Portugal, a Universidade assume-se como placebo, como terreiro virtual onde a progressão nos estudos dignifica e glorifica o sujeito anónimo, mesmo que virtualmente e apenas na sua cabeça. Quando confrontado com outros que numa suposta meritocracia lhe estão abaixo apenas nos estudos e não nos salários, lhe acorre o ressentimento de se sentir superior e especial por não ser reconhecido. Lamenta o mundo que não o reconhece como ser supremo, e igualmente capaz como todos os outros de ser um ‘grande’.

Todos sabemos que é a cunha a lei, mas a indignação fácil é mais saborosa quando nos ofendemos com a discrepância entre os eleitos e a nossa dignidade académica, onde os títulos e realizações são medalhas das batalhas travadas, não para a vitória mas para se poder dizer que se lutou.

Urramos quando saem noticias sobra falsos graus académicos ou nomeações não baseadas em habilitações.

O estudante da mais obscura universidade privada, por exemplo de Relações Internacionais, acha-se em igualdade de circunstância para com o aluno de Medicina que logo desde o 1º ano recebe blocos de papel e canetas com as marcas de medicamentos que receitará no futuro.

O aluno de Letras que fugiu à Matemática acha-se injustiçado por pagar a mesma propina para o desemprego quando apenas ele custeia as fotocópias de livros demasiado caros,  o aluno de Medicina é mais considerado por ser mais útil e glamouroso além de acarretar mais custos em laboratórios e afins, apesar de pagar a mesma propina.

Não há igualdade entre os cursos e há crenças ocultas como a de que Letras são tretas e que só os cursos com empregabilidade são dificeis e dignos. O resto são artefícios que as pessoas usam para dizerem que se ‘formaram’.

O engenheiro do Técnico acha que todos os outros cursos que não os de engenharia são óptimos para encontrar namoradas e que os rapazes que lá andam ou são maricas ou inaptos para a complexidade da exactidão...e nada percebem de um mundo leibniziano.

Transversal, portanto a todo o mundo da academia, está a posição social.

Qualquer diferenciação social acarreta conservadorismo, pois quem tem a melhor mão, não a quer abrir. Humano é.

IV

O meu amigo mal começou o doutoramento. Mas já, por amizade, me dá lições sobre a vida académica, sobre o afã de publicar, e ser alguém na academia. Todo o académico acalenta o sonho de dar aulas, de pertencer a uma profissão considerada e estável. Ser alguém.

Ser convidado para palestras e conferências, ver pessoas a tirar notas ao que dizemos ter público e honrarias.

Sermos citados intra e extra muros, sermos alguém. Pelo caminho deixamos as peles andrajosas de cobra que testemunham a metamorfose de um ser iludido em aprender, que apenas pretendia ser considerado. Pergunta-se à boca cheia nas cantinas destas universidades que fazer dos nossos cursos, que empregos vamos ter...e eu sempre pergunto se um curso só vale pelo valor empregável que tem para ti...mas temos de viver, pois eu sei mas não devias deixar que tanta practicidade te condicionasse a forma de ver a assimilação de saber. Pelo menos é o que eu penso.

Aprender é algo que estimo acima de tudo, por me fazer crescer como pessoa e de poder colocar o meu esforço ao serviço da comunidade.

Era bom viver do meu trabalho na minha área de estudo, mas não é isso que me vai condicionar a progressão.

Entretanto os nossos amigos doutorados, homenageiam-se a si mesmos, glorificam-se e reproduzem-se entre si.

Falam já com certezas desarmantes sobre qualquer assunto que a sua especialização aguda legitima.

Vêm-nos a certeza não de uma adesão interior, mas de uma longa carreira de revisão de pares.

O ‘Dr.’ o ‘Professor’ antecede qualquer nome com entoação pomposa, que à primeira vocalização parece uma celebração académica do outro mas é sob mais fria análise, uma glorificação própria de si mesmo através do corpo académico. Não raras vezes os nossos professores falam do seu ponto de chegada como o culminar de uma difícil etapa, só acessível a eleitos, raramente se encontra um honesto o suficiente para dizer que ignora determinados assuntos.

Este assunto é por deveras triste, não porque se deva censurar a academia mas porque penso que a academia era a nossa única esperança, de construir uma sociedade técnica e equilibrada baseada no saber para mitigar as maleitas ‘humanas’, mas não se pode pedir ao tigre para orientar os cordeiros.

É a universidade portanto um factor de conservadorismo social e político.

V

Em 3 ou 4 anos as pessoas mudam imenso de acordo com as suas posturas e posicionamentos na via sacra das habilitações.

O saber é meio e não fim, e o meio não é altruísta.

Leite Vasconcelos era académico conhecido por sua aversão aos académicos. Como é compreensível nos dias de hoje, perante o atavismo também presente na academia nacional.

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Estertor

10/12/2013

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I

Num dos programas mediáticos de televisiva auto-flagelação, mascarada de catarse, um alemão tentava explicar a mentalidade portuguesa a partir da dicotomia do crime e do castigo sob um ponto de vista religioso, o teutão protestante paga o mal que cometeu, o católico meridional carrega a culpa como se de uma nódoa em polo Lacoste.

Um sabe que falhou e tem de pagar o outro vira-se para a Providência e cogita sob o peso existencial do seu erro castigado.

Embora se deva rejeitar esta leitura simplista, deve-se no entanto pensar sobre um pormenor, o da responsabilidade pessoal assumida frontalmente, versus a da responsabilidade assumida por via de 3º (destino, Deus, sistema social, etc.).

Não há, creio, uma acção concertada de teutões protestantes para menorizar os católicos do Sul por serem católicos do Sul, há capitalismo. Mas o mal que o outro nos faz so dependena verdade na nossa doação da outra face. Uma lambada qualquer um leva, dar a outra face é que só alguns são capazes. Ao assumir pessoalmente a ‘culpa’ responsabilizo-me a mim pelo decurso das minhas acções ou inacção ( que é também uma acção).

Ao projectar a culpa para um castigador externo, coloco-me numa peça cósmica segundo a qual é o homem perante a criação, ou perante o Criador, é a natureza humana individuada perante as relações que a condicionam, e assim em uníssono nasce a ideia de determinação.

O culpado protestante cai em introspecção, o católico em contemplação pactuante. Só assim se explica que a grande parte das lutas a favor de sociedades laicas e que tentam abolir a luta de classes, com a abolição das classes, ocorreram  acima do Sena.

II

A corrupção é a degradação lenta e inexorável das condições seminais de qualquer projecto. A oligarquia vigente, o reino das quintas nacionais, é a corrupção de uma ideia vigente que orientou os obreiros da República, mais que retirar os monárquicos do poder. É certo que como no 25 de Abril há sempre largas franjas de oportunistas que se posicionam para substituir as velhas elites ou mesmo as elites que intendem perpetuar a sua importância.

A República portuguesa está doente, e é corrupta, corrupta até à medula.

Quando se enuncia como Virginia López a quantidade de casos de largo âmbito que se tornam por sistema obscuros e sem objecto, a justiça portuguesa está presa por interesses contra os quais deveria trabalhar e estar isenta. É para isso que paga a população e não para um placebo de justiça. Será que é a astúcia e ambição dos advogados? Ou a corrupção dos juízes que causa a inimputabilidade dos acusados?

a)Camarate;

b)Fax de Macau;

c) Hemofílicos de Évora;

d) Saco Azul (Fátima Felgueiras);

e) Moderna;

f)Casa Pia;

g) Freeport;

h) Apito Dourado;

i) Portucale;

j) Isaltino de Morais;

k) Sócrates-Independente/Relvas-Lusófona;

l) Submarinos, Pandur, Patrulhas, kits MAFFS dos C130;

m) Operação Furacão;

n) BPN;

o)Face Oculta.

Podíamos continuar repetindo várias vezes o alfabeto. A justiça em Portugal é para rir, apenas os pequenos prevaricadores, os que mandam o Presidente da República trabalhar, temem pela vida, os que lhe chamam palhaço levam uma reprimenda de enfant térrible após pedido de desculpas apressado. A percepção que o comum tem da justiça é esta, a de que não é cega. Em todos os caso anteriormente citados o bem estar e riqueza pública foram prejudicados, bem como foram expostas teias de influência.

Como reage o cidadão comum, que não jornalista a soldo ou comentador pago? Inundando os centros comerciais e estádios de futebol, espancando os professores dos filhos, ou exultando com qualquer menorização das profissões que abomina por inveja. Como reaje o cidadão? Não indo votar quando é feriado ou dia de praia, julgando que é um activista feroz por tal desconsideração que supõe ser levada a peito pelos seus ódiaodos políticos de estimação. Como reage o cidadão? Votando pela cara do eleito, ou pelo partido que supostamente representa, convencido que no alto da sua maioridade já sabe tudo de política e democracia que é possível saber, ou que a política consiste em debitar os discursos que ouve na televisão por parte de comentadores mais interessados em mostrar a complexidade artificial e palaciana da ‘política’ que em mostrar a sua simples face, nada afoita um sistema desejável em que cada um estivesse em igualdade de condição para desempenhar um lugar público.

III

Não me canso de o repetir. E a ‘culpa’ também a assumo como minha.

O português não assume frontalmente a culpa. A culpa é sempre do outro a quem confiou a condução da coisa pública. Como tomar a sua República em mãos dá muito trabalho, o nosso sistema político tornou-se a epítome da má fé, isto é, o cidadão sanciona o político que mandato após mandato o decepciona, servindo de bode expiatório para a corrupção da preguiça e negligência do cidadão que o elege. Pode continuar assim o povinho a culpar os outros pela sua inacção. Pode o cidadão dormir à noite com sua consciência vitimizando-se perante o azar de escolher sempre os mesmos abusadores amantes ideológicos, vivemos numa sociedade da sofreguidão pela superioridade moral, onde o político se sente legitimado para mentir e desempenhar a farsa, e o cidadão legitima a farsa porque recebe por isso o sentimento de superioridade moral e de cônjuge encornado, mesmo que isso lhe custe o país, a saúde, a educação e milhares de mortes não contabilizadas por má gestão.

Sentem-se os católicos lusitanos compadecidos com a crónica inexistência de políticos de qualidade quando nunca foi isso que procuraram. Os portugueses apenas procuram políticos sérios e rezam para não os encontrar, que graça perderia a novela se aquele que nos representa fosse um exemplo superior, não poderia eu dormir à noite sentindo-me medíocre em mim mesmo. Ao invés prefiro pensar em portas, coelhos, varas e outros acessórios, que me aparecem como refinados escroques a mim que sou pobrezinho mas honesto e durmo em minha cama descansado enquanto eles passeiam de iate ao fim de semana e comem bom caranguejo. Haverá um católico inferno onde ardam pelas suas acções.

Portugal é a terra da simbiose sinuosa e terrível entre um povo não preparado para viver numa verdadeira democracia virada para promover o bem comum. País de corrupção que constrói um regime político baseado na ilusão, apenas para não ser julgado pelo exterior, afinal o único medo profundo destas gentes, os juízos de fora.

IV

O português vive a prazo, vive o tempo que tem de vida o melhor que lhe seja possível, pois sabe que existe um teatro cósmico em que a segurança e conforto da vida mudam sem que mãos humanas isso possam decidir. Os sulistas católicos, têm a ideia entranhada de participarem numa peça cósmica, mais que desempenhar um papel, e que portanto no infinito do espaço sideral, tudo é relativo e vale mais a pena viver o melhor possível a vidinha que assumir de frente que se está vivo. E o que tudo isso implica.

Não é Portugal que é um país faz de conta, é o povo que faz de conta que é.

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