I
Num dos programas mediáticos de televisiva auto-flagelação, mascarada de catarse, um alemão tentava explicar a mentalidade portuguesa a partir da dicotomia do crime e do castigo sob um ponto de vista religioso, o teutão protestante paga o mal que cometeu, o católico meridional carrega a culpa como se de uma nódoa em polo Lacoste.
Um sabe que falhou e tem de pagar o outro vira-se para a Providência e cogita sob o peso existencial do seu erro castigado.
Embora se deva rejeitar esta leitura simplista, deve-se no entanto pensar sobre um pormenor, o da responsabilidade pessoal assumida frontalmente, versus a da responsabilidade assumida por via de 3º (destino, Deus, sistema social, etc.).
Não há, creio, uma acção concertada de teutões protestantes para menorizar os católicos do Sul por serem católicos do Sul, há capitalismo. Mas o mal que o outro nos faz so dependena verdade na nossa doação da outra face. Uma lambada qualquer um leva, dar a outra face é que só alguns são capazes. Ao assumir pessoalmente a ‘culpa’ responsabilizo-me a mim pelo decurso das minhas acções ou inacção ( que é também uma acção).
Ao projectar a culpa para um castigador externo, coloco-me numa peça cósmica segundo a qual é o homem perante a criação, ou perante o Criador, é a natureza humana individuada perante as relações que a condicionam, e assim em uníssono nasce a ideia de determinação.
O culpado protestante cai em introspecção, o católico em contemplação pactuante. Só assim se explica que a grande parte das lutas a favor de sociedades laicas e que tentam abolir a luta de classes, com a abolição das classes, ocorreram acima do Sena.
II
A corrupção é a degradação lenta e inexorável das condições seminais de qualquer projecto. A oligarquia vigente, o reino das quintas nacionais, é a corrupção de uma ideia vigente que orientou os obreiros da República, mais que retirar os monárquicos do poder. É certo que como no 25 de Abril há sempre largas franjas de oportunistas que se posicionam para substituir as velhas elites ou mesmo as elites que intendem perpetuar a sua importância.
A República portuguesa está doente, e é corrupta, corrupta até à medula.
Quando se enuncia como Virginia López a quantidade de casos de largo âmbito que se tornam por sistema obscuros e sem objecto, a justiça portuguesa está presa por interesses contra os quais deveria trabalhar e estar isenta. É para isso que paga a população e não para um placebo de justiça. Será que é a astúcia e ambição dos advogados? Ou a corrupção dos juízes que causa a inimputabilidade dos acusados?
a)Camarate;
b)Fax de Macau;
c) Hemofílicos de Évora;
d) Saco Azul (Fátima Felgueiras);
e) Moderna;
f)Casa Pia;
g) Freeport;
h) Apito Dourado;
i) Portucale;
j) Isaltino de Morais;
k) Sócrates-Independente/Relvas-Lusófona;
l) Submarinos, Pandur, Patrulhas, kits MAFFS dos C130;
m) Operação Furacão;
n) BPN;
o)Face Oculta.
Podíamos continuar repetindo várias vezes o alfabeto. A justiça em Portugal é para rir, apenas os pequenos prevaricadores, os que mandam o Presidente da República trabalhar, temem pela vida, os que lhe chamam palhaço levam uma reprimenda de enfant térrible após pedido de desculpas apressado. A percepção que o comum tem da justiça é esta, a de que não é cega. Em todos os caso anteriormente citados o bem estar e riqueza pública foram prejudicados, bem como foram expostas teias de influência.
Como reage o cidadão comum, que não jornalista a soldo ou comentador pago? Inundando os centros comerciais e estádios de futebol, espancando os professores dos filhos, ou exultando com qualquer menorização das profissões que abomina por inveja. Como reaje o cidadão? Não indo votar quando é feriado ou dia de praia, julgando que é um activista feroz por tal desconsideração que supõe ser levada a peito pelos seus ódiaodos políticos de estimação. Como reage o cidadão? Votando pela cara do eleito, ou pelo partido que supostamente representa, convencido que no alto da sua maioridade já sabe tudo de política e democracia que é possível saber, ou que a política consiste em debitar os discursos que ouve na televisão por parte de comentadores mais interessados em mostrar a complexidade artificial e palaciana da ‘política’ que em mostrar a sua simples face, nada afoita um sistema desejável em que cada um estivesse em igualdade de condição para desempenhar um lugar público.
III
Não me canso de o repetir. E a ‘culpa’ também a assumo como minha.
O português não assume frontalmente a culpa. A culpa é sempre do outro a quem confiou a condução da coisa pública. Como tomar a sua República em mãos dá muito trabalho, o nosso sistema político tornou-se a epítome da má fé, isto é, o cidadão sanciona o político que mandato após mandato o decepciona, servindo de bode expiatório para a corrupção da preguiça e negligência do cidadão que o elege. Pode continuar assim o povinho a culpar os outros pela sua inacção. Pode o cidadão dormir à noite com sua consciência vitimizando-se perante o azar de escolher sempre os mesmos abusadores amantes ideológicos, vivemos numa sociedade da sofreguidão pela superioridade moral, onde o político se sente legitimado para mentir e desempenhar a farsa, e o cidadão legitima a farsa porque recebe por isso o sentimento de superioridade moral e de cônjuge encornado, mesmo que isso lhe custe o país, a saúde, a educação e milhares de mortes não contabilizadas por má gestão.
Sentem-se os católicos lusitanos compadecidos com a crónica inexistência de políticos de qualidade quando nunca foi isso que procuraram. Os portugueses apenas procuram políticos sérios e rezam para não os encontrar, que graça perderia a novela se aquele que nos representa fosse um exemplo superior, não poderia eu dormir à noite sentindo-me medíocre em mim mesmo. Ao invés prefiro pensar em portas, coelhos, varas e outros acessórios, que me aparecem como refinados escroques a mim que sou pobrezinho mas honesto e durmo em minha cama descansado enquanto eles passeiam de iate ao fim de semana e comem bom caranguejo. Haverá um católico inferno onde ardam pelas suas acções.
Portugal é a terra da simbiose sinuosa e terrível entre um povo não preparado para viver numa verdadeira democracia virada para promover o bem comum. País de corrupção que constrói um regime político baseado na ilusão, apenas para não ser julgado pelo exterior, afinal o único medo profundo destas gentes, os juízos de fora.
IV
O português vive a prazo, vive o tempo que tem de vida o melhor que lhe seja possível, pois sabe que existe um teatro cósmico em que a segurança e conforto da vida mudam sem que mãos humanas isso possam decidir. Os sulistas católicos, têm a ideia entranhada de participarem numa peça cósmica, mais que desempenhar um papel, e que portanto no infinito do espaço sideral, tudo é relativo e vale mais a pena viver o melhor possível a vidinha que assumir de frente que se está vivo. E o que tudo isso implica.
Não é Portugal que é um país faz de conta, é o povo que faz de conta que é.