I
Da muita cultura reaccionária que podemos rememorar, a mais insidiosa e perigosa, está nos contos infantis.
O mais atávico para mim é o da cigarra e da formiga.
Quando era miúdo, uma das histórias que mais me intrigava e irritava ao mesmo tempo era a da cigarra e a da formiguinha.
Nela uma cigarra cantava no Verão enquanto a formiga labutava e a tempos avisava a cigarra de que o Inverno se aproximava, e depois não teria que comer, ao que a cigarra respondia com jactância vivendo a vida com alegria e cantoria alheia ao planeamento logístico avançado da formiga. Chega a altura em que a fábula moral se conclui com a desgraçada cigarra morrendo de fome e frio e a formiga soberba a acolhe e dá de comer após a sentença moral de que como a cigarra lhe alegrara o Verão, merecia permanecer viva.
Ainda hoje não sei porque me irritava.
Munido da moralidade fundamentalista que só as crianças podem ter, julgava a cigarra como inconsciente apesar de não perceber como era tão castigada na entoação de quem me contava a história apenas por se dedicar aos vícios do canto em dias de Verão. Que devassidão nesse ser dedicado ao pecado do canto e da preguiça.
Outro dos significados implícitos, destinados a educar as crianças, era a da recompensa do trabalho árduo estival, frutificado no Inverno, com imagens de uma formiga com comidinha e no quentinho do seu lar. Os adultos pareciam dizer-nos que ‘trabalha agora para teres depois’ além de que ‘as costas ao alto depois dão sobressalto’. A fábula pretende sublinhar a previdência, o planeamento, e a visão realista sem deslumbramento da existência. Um ‘caute’ espinosiano.
II
Irritava-me talvez por causa da sujeição da cigarra à vontade da providente formiga, avisada que fora a tempo, e por não compreender que alegria intoxicante pode haver em cantar dias a fio, de molde a arriscar a vida e a dignidade ao ponto de se esquecer que no Inverno teria de comer o que produziria no Verão. Julgava assim a negligente cigarra não a compreendendo.
Estava no poder da cigarra evitar pedir e arriscar a vida. Não o fez. Era acima de tudo isso e aquilo que era a sua burrice (para mim) de não fazer o que fazem as respeitáveis formigas.
Ora há uma sabedoria mais fatal na atitude da cigarra que aparenta à 1ª vista.
A cigarra não é negligente, é reactiva. Ela sabe que se não trabucar não pode manducar, o que ela faz é negar o mundo de trabalho, o mundo de necessidade e esforço autotélico das formiguinhas. Mesmo que cantasse para atrair machos ou fêmeas, ou pelo gosto de cantar, hoje parece-me bem mais razoável que a formiga, autómata, a cigarra aproveita a vida a formiga safa-se nela. Vive no Inverno do trabalho acumulado no Verão, cumpre metodicamente o seu objectivo egoísta, a outra entrega-se a apreciar a vida. Rejeita e depois sujeita-se, e esse é o único motivo que degrada a cigarra, aceitar o que havia rejeitado.
A formiga não tem por onde se lhe pegar. Exerce a sua provisão abnegadamente, ciente de um mundo de escassez, encerrada no seu propósito e culmina numa lição de moral de capela condoída de escrúpulos de última hora perante aquela que laborara afinal de forma diferente. Sabendo que cantar também é trabalho, porque insiste no sermão a formiga?
Para castigar outro ser que se havia dedicado a apreciar a vida em grupo e não no privado Inverno de chinelos da formiguinha.
É a vida contemplativa que é castigada.
III
A fábula moral ensina desde cedo que a censura apenas opera num sentido.
Só a formiga, ente colectivo e despersonalizado, semelhante a milhares de tantas outras tem o poder de censurar, de deitar postas de pescada, avisos e reprovações. A formiga acima de tudo ensina-nos a segurança da igualdade. A esperteza de esperar recompensa se jogarmos pelas regras. A virtude de um autosacrificio em nome próprio, mais profundo ainda, o valor do calculismo de pendor imediato e prático, a chico esperteza.
Esta adequação bovina às leis e esperança por recompensa está no núcleo do carácter conservador e atávico de grandes massas populacionais.
Joguemos pelo seguro. Não sejamos parvos ou levianos. Respeitemos a ordem milenar da abnegação.
Acontece que desde que se optou por um regime republicano estruturado em democracia, ou em algo parecido, que se vive num sistema cuja definição implica a força da maioria em submeter a globalidade social ao seu desígnio. Um dos grandes logros da civilização europeia está em fazer acreditar que a maioria ( a soma numérica de cabeças) pensa melhor que as minorias, e que a maioria obedece a um critério de justiça no qual o interesse do maior número reina sobre os interesses particulares. Só uma formiguinha embriagada acreditaria nisto. A cigarra consciente canta para não rever esta ingenuidade.
Quando se observa calmamente o cidadão português nosso próximo, e se esmiúça a sua forma de pensar e encarar o mundo, ficamos com a ideia que deveríamos cometer seppuku.
As pessoas que decidem por mim, não são mais esforçadas, mais esclarecidas, ou mais preocupadas com o bem estar geral, que eu. Pelo contrário. Fazem da ovinidade uma arte, esvoaçam ligeiramente pelo frívolo, e rejeitam a responsabilidade que um republicano deve abraçar. Não cometeria o pecado de me identificar com os ‘melhores’ não fosse o facto de achar que estes maioritários de que falo são mesmo do pior.
Confirmo-o em cada manobra perigosa da estrada ou falta de civismo defendida com galhardia, ou na exposição da mundividência mediante a qual a esperteza, a previdência comezinha e anafada do Inverno que se aproxima, tolhem a visão de um futuro mais prolongado. Não sabe o vulgo viver em comunidade nem organizar o futuro, a sua organização é de vista curta e extremamente materialista.Não tem portanto, virtude.
Tenho eu de me submeter ao voto de quem exulta com ‘reality shows’ e defende o seu direito a estacionar em 2ª fila perante mim, e se desculpabiliza e corrige de imediato se por acaso é a polícia a alertar para o mesmo facto? Este último facto é importante, o que está em causa não é a natureza da ofensa mas a origem da chamada de atenção.Eu não sou ninguém, não apresento ameaça, nem tenho «autoridade» ou dever de chamar a atenção a ninguém. A populaça só acha que pode ser chamada à atenção por alguém que considere superior ou aos que podem trazer sarilhos para a sua excitante vida.
Revela-se portanto uma preocupação em levar uma vida fácil e folgada, sem chatices e torcendo as circunstâncias em benefício próprio, rejeitando a intervenção civíca do próximo. Experimente o caro leitor solicitar a alguém para apanhar o papel que acabou de deitar para o chão ou para trocar o jogo de futebol pela assembleia de freguesia. É esta mentalidade que nos define como maioria e que nos submete à sua superior sapiência.
Agora que um curso superior já não dá emprego valorizável e certo, que devem os mais esclarecidos fazer? O que fazer com tanta bibliografia devorada, e tanto pensamento elaborado? Ceder à imediaticidade e à prática? Quem as determina? Quem são os líderes partidários senão os mais motivados nas jogadas de bastidores e ao completo arrepio de existência de coluna vertebral efectiva? Estes são os premiados pela nossa democracia, os covardes, os sabujos, os que apenas se sabem safar num meio artificial endógeno, a ‘política’.
Tenho eu de me submeter ao grunho para ser governado pelo bufo incompetente?
A própria instrução não é sinónimo de esclarecimento, pois conheço muita gente com doutoramentos e pós doutoramentos que por causa do título acham que podem falar de assuntos sobre os quais nada percebem.
Sentem-se autorizados, e aqui o termo é mesmo AUCTORITAS, pela obtenção de uma distinção artificial, cuja pompa é real. Foi este sentimento que levou a um surto demográfico de graus académicos na política sem melhorias assinaláveis na sua forma de exercício. Muito titular de graus académicos, é poeta estando calado.
IV
Desde que me lembro do Tratado de Methuen dado no preparatório e revisto no secundário que me pergunto sobre a utilidade da História na tomada de decisão do presente. Como foi possível chegarmos a colonato inglês, como foi possível passar alguns verões cantando e quase morrer de fome nos seguintes invernos. Que condições seriam essas que deixaram os ébrios de então prejudicar tanto a pátria?
Mais espanto sinto hoje em dia pelo logro pior da camisa de forças em que estamos, bem pior que o Tratado de Methuen. E sempre houve gente disso consciente, então, como agora há sempre alguém com lucidez. Eu humildemente sempre informei os meus próximos sobre a importância de estarmos atentos, da militância política sistemática, de se comprar produtos nacionais bem como da importância teimosa de autonomia a arrepio de tudo e todas as pressões.
Nos tempos em que entravam mais milhões da Europa que jactos espanhóis em espaço aéreo nacional, ninguém ou quase ninguém queria saber, era a Expo 98, o Euro, as cidades da cultura e as casa da música, era o melhor dos mundos e havia tanto plasma tft para comprar. Havia viagens para fazer, olhos da Maddie e solidariedade para com Timor para meter nas janelas junto da bandeira da selecção nacional de futebol. Eu e outros vimos isto e alertámos os semelhantes. Os que se estão a borrifar, os grunhos e os próprios jotas e sabujos partidários.
A grande ideia que se deixa é portanto a de que as minorias da população que podem ser úteis à maioria são sistemática e convenientemente alheadas de tomadas de decisão e limitadas a um espaço de manobra nulo . A mediocridade vence e uniformiza.
A servidão voluntária de La Boétie nunca foi tão actual como agora. As pessoas vivem de acordo com as regras que se lhe apresentam, tornando-se assim o instrumento da sua menoridade e de todos aqueles que podem contribuir para uma hipotética libertação.
Enquanto quisermos fazer a right thing e ser os alunos bem comportados da Europa e do mundo, os pacóvios que sempre fomos, não vale a pena sonhar com liberdade. Resta-nos assumir o papel de cigarra cantando e os males espantando agarrados a um tronco de oliveira pesarosos, pois vamos sempre estar dependentes das formigas que nos causam tanta angústia mas que no fim acabam por nos alimentar com o pão da náusea, pois só existe um sistema com as massas, e são elas que cilindram a evolução social ao sabor de cânticos acéfalos e efémeros.
Cantemos irmãos.
Da muita cultura reaccionária que podemos rememorar, a mais insidiosa e perigosa, está nos contos infantis.
O mais atávico para mim é o da cigarra e da formiga.
Quando era miúdo, uma das histórias que mais me intrigava e irritava ao mesmo tempo era a da cigarra e a da formiguinha.
Nela uma cigarra cantava no Verão enquanto a formiga labutava e a tempos avisava a cigarra de que o Inverno se aproximava, e depois não teria que comer, ao que a cigarra respondia com jactância vivendo a vida com alegria e cantoria alheia ao planeamento logístico avançado da formiga. Chega a altura em que a fábula moral se conclui com a desgraçada cigarra morrendo de fome e frio e a formiga soberba a acolhe e dá de comer após a sentença moral de que como a cigarra lhe alegrara o Verão, merecia permanecer viva.
Ainda hoje não sei porque me irritava.
Munido da moralidade fundamentalista que só as crianças podem ter, julgava a cigarra como inconsciente apesar de não perceber como era tão castigada na entoação de quem me contava a história apenas por se dedicar aos vícios do canto em dias de Verão. Que devassidão nesse ser dedicado ao pecado do canto e da preguiça.
Outro dos significados implícitos, destinados a educar as crianças, era a da recompensa do trabalho árduo estival, frutificado no Inverno, com imagens de uma formiga com comidinha e no quentinho do seu lar. Os adultos pareciam dizer-nos que ‘trabalha agora para teres depois’ além de que ‘as costas ao alto depois dão sobressalto’. A fábula pretende sublinhar a previdência, o planeamento, e a visão realista sem deslumbramento da existência. Um ‘caute’ espinosiano.
II
Irritava-me talvez por causa da sujeição da cigarra à vontade da providente formiga, avisada que fora a tempo, e por não compreender que alegria intoxicante pode haver em cantar dias a fio, de molde a arriscar a vida e a dignidade ao ponto de se esquecer que no Inverno teria de comer o que produziria no Verão. Julgava assim a negligente cigarra não a compreendendo.
Estava no poder da cigarra evitar pedir e arriscar a vida. Não o fez. Era acima de tudo isso e aquilo que era a sua burrice (para mim) de não fazer o que fazem as respeitáveis formigas.
Ora há uma sabedoria mais fatal na atitude da cigarra que aparenta à 1ª vista.
A cigarra não é negligente, é reactiva. Ela sabe que se não trabucar não pode manducar, o que ela faz é negar o mundo de trabalho, o mundo de necessidade e esforço autotélico das formiguinhas. Mesmo que cantasse para atrair machos ou fêmeas, ou pelo gosto de cantar, hoje parece-me bem mais razoável que a formiga, autómata, a cigarra aproveita a vida a formiga safa-se nela. Vive no Inverno do trabalho acumulado no Verão, cumpre metodicamente o seu objectivo egoísta, a outra entrega-se a apreciar a vida. Rejeita e depois sujeita-se, e esse é o único motivo que degrada a cigarra, aceitar o que havia rejeitado.
A formiga não tem por onde se lhe pegar. Exerce a sua provisão abnegadamente, ciente de um mundo de escassez, encerrada no seu propósito e culmina numa lição de moral de capela condoída de escrúpulos de última hora perante aquela que laborara afinal de forma diferente. Sabendo que cantar também é trabalho, porque insiste no sermão a formiga?
Para castigar outro ser que se havia dedicado a apreciar a vida em grupo e não no privado Inverno de chinelos da formiguinha.
É a vida contemplativa que é castigada.
III
A fábula moral ensina desde cedo que a censura apenas opera num sentido.
Só a formiga, ente colectivo e despersonalizado, semelhante a milhares de tantas outras tem o poder de censurar, de deitar postas de pescada, avisos e reprovações. A formiga acima de tudo ensina-nos a segurança da igualdade. A esperteza de esperar recompensa se jogarmos pelas regras. A virtude de um autosacrificio em nome próprio, mais profundo ainda, o valor do calculismo de pendor imediato e prático, a chico esperteza.
Esta adequação bovina às leis e esperança por recompensa está no núcleo do carácter conservador e atávico de grandes massas populacionais.
Joguemos pelo seguro. Não sejamos parvos ou levianos. Respeitemos a ordem milenar da abnegação.
Acontece que desde que se optou por um regime republicano estruturado em democracia, ou em algo parecido, que se vive num sistema cuja definição implica a força da maioria em submeter a globalidade social ao seu desígnio. Um dos grandes logros da civilização europeia está em fazer acreditar que a maioria ( a soma numérica de cabeças) pensa melhor que as minorias, e que a maioria obedece a um critério de justiça no qual o interesse do maior número reina sobre os interesses particulares. Só uma formiguinha embriagada acreditaria nisto. A cigarra consciente canta para não rever esta ingenuidade.
Quando se observa calmamente o cidadão português nosso próximo, e se esmiúça a sua forma de pensar e encarar o mundo, ficamos com a ideia que deveríamos cometer seppuku.
As pessoas que decidem por mim, não são mais esforçadas, mais esclarecidas, ou mais preocupadas com o bem estar geral, que eu. Pelo contrário. Fazem da ovinidade uma arte, esvoaçam ligeiramente pelo frívolo, e rejeitam a responsabilidade que um republicano deve abraçar. Não cometeria o pecado de me identificar com os ‘melhores’ não fosse o facto de achar que estes maioritários de que falo são mesmo do pior.
Confirmo-o em cada manobra perigosa da estrada ou falta de civismo defendida com galhardia, ou na exposição da mundividência mediante a qual a esperteza, a previdência comezinha e anafada do Inverno que se aproxima, tolhem a visão de um futuro mais prolongado. Não sabe o vulgo viver em comunidade nem organizar o futuro, a sua organização é de vista curta e extremamente materialista.Não tem portanto, virtude.
Tenho eu de me submeter ao voto de quem exulta com ‘reality shows’ e defende o seu direito a estacionar em 2ª fila perante mim, e se desculpabiliza e corrige de imediato se por acaso é a polícia a alertar para o mesmo facto? Este último facto é importante, o que está em causa não é a natureza da ofensa mas a origem da chamada de atenção.Eu não sou ninguém, não apresento ameaça, nem tenho «autoridade» ou dever de chamar a atenção a ninguém. A populaça só acha que pode ser chamada à atenção por alguém que considere superior ou aos que podem trazer sarilhos para a sua excitante vida.
Revela-se portanto uma preocupação em levar uma vida fácil e folgada, sem chatices e torcendo as circunstâncias em benefício próprio, rejeitando a intervenção civíca do próximo. Experimente o caro leitor solicitar a alguém para apanhar o papel que acabou de deitar para o chão ou para trocar o jogo de futebol pela assembleia de freguesia. É esta mentalidade que nos define como maioria e que nos submete à sua superior sapiência.
Agora que um curso superior já não dá emprego valorizável e certo, que devem os mais esclarecidos fazer? O que fazer com tanta bibliografia devorada, e tanto pensamento elaborado? Ceder à imediaticidade e à prática? Quem as determina? Quem são os líderes partidários senão os mais motivados nas jogadas de bastidores e ao completo arrepio de existência de coluna vertebral efectiva? Estes são os premiados pela nossa democracia, os covardes, os sabujos, os que apenas se sabem safar num meio artificial endógeno, a ‘política’.
Tenho eu de me submeter ao grunho para ser governado pelo bufo incompetente?
A própria instrução não é sinónimo de esclarecimento, pois conheço muita gente com doutoramentos e pós doutoramentos que por causa do título acham que podem falar de assuntos sobre os quais nada percebem.
Sentem-se autorizados, e aqui o termo é mesmo AUCTORITAS, pela obtenção de uma distinção artificial, cuja pompa é real. Foi este sentimento que levou a um surto demográfico de graus académicos na política sem melhorias assinaláveis na sua forma de exercício. Muito titular de graus académicos, é poeta estando calado.
IV
Desde que me lembro do Tratado de Methuen dado no preparatório e revisto no secundário que me pergunto sobre a utilidade da História na tomada de decisão do presente. Como foi possível chegarmos a colonato inglês, como foi possível passar alguns verões cantando e quase morrer de fome nos seguintes invernos. Que condições seriam essas que deixaram os ébrios de então prejudicar tanto a pátria?
Mais espanto sinto hoje em dia pelo logro pior da camisa de forças em que estamos, bem pior que o Tratado de Methuen. E sempre houve gente disso consciente, então, como agora há sempre alguém com lucidez. Eu humildemente sempre informei os meus próximos sobre a importância de estarmos atentos, da militância política sistemática, de se comprar produtos nacionais bem como da importância teimosa de autonomia a arrepio de tudo e todas as pressões.
Nos tempos em que entravam mais milhões da Europa que jactos espanhóis em espaço aéreo nacional, ninguém ou quase ninguém queria saber, era a Expo 98, o Euro, as cidades da cultura e as casa da música, era o melhor dos mundos e havia tanto plasma tft para comprar. Havia viagens para fazer, olhos da Maddie e solidariedade para com Timor para meter nas janelas junto da bandeira da selecção nacional de futebol. Eu e outros vimos isto e alertámos os semelhantes. Os que se estão a borrifar, os grunhos e os próprios jotas e sabujos partidários.
A grande ideia que se deixa é portanto a de que as minorias da população que podem ser úteis à maioria são sistemática e convenientemente alheadas de tomadas de decisão e limitadas a um espaço de manobra nulo . A mediocridade vence e uniformiza.
A servidão voluntária de La Boétie nunca foi tão actual como agora. As pessoas vivem de acordo com as regras que se lhe apresentam, tornando-se assim o instrumento da sua menoridade e de todos aqueles que podem contribuir para uma hipotética libertação.
Enquanto quisermos fazer a right thing e ser os alunos bem comportados da Europa e do mundo, os pacóvios que sempre fomos, não vale a pena sonhar com liberdade. Resta-nos assumir o papel de cigarra cantando e os males espantando agarrados a um tronco de oliveira pesarosos, pois vamos sempre estar dependentes das formigas que nos causam tanta angústia mas que no fim acabam por nos alimentar com o pão da náusea, pois só existe um sistema com as massas, e são elas que cilindram a evolução social ao sabor de cânticos acéfalos e efémeros.
Cantemos irmãos.