I
Os desenvolvimentos últimos do pântano que há 39 anos se chama 'democracia portuguesa' levam a crêr que a continuidade política pode passar por um caminho de convulsão e confusão análogo ao da Grécia.
Se há algo que se pode observar nas últimas erupções sociais televisionáveis ocorridas um pouco por todo o planeta, é o saneamento mediático e reaccionário de todas essas manifestações sociais.
Qualquer abafamento dessas erupções só ocorre quando o regime que se impõe é mais cruel, ou por outras palavras, mais assertivo que o deposto. No centro desta dinâmica está sempre a mesma questão.
A propriedade.
Geralmente as forças conservadoras trabalham em surdina e com um uso eficientíssimo da propaganda. Portugal não é excepção.
É a partir da lei da propriedade que se organiza a estrutura social, que pode ser hierarquizada ou hierarquizada com sabor a canela, como no caso português.
A origem da desigualdade entre os portugueses não radica na fortuna genética de uns em relação a outros, ou de uma meritocracia da esperteza, mas radica sim na perversa lei da propriedade.
A acumulação de riqueza, capital, propriedade imóvel, etc.detém a génese para a desigualdade social, ergo para a existência de uma sociedade classista. Há pelo menos quatro factores de resistência à nacionalização da propriedade de alguns para o bem geral:
1) a crença de que o esforço individual merece a recompensa de bem estar material só possível através da acumulação de valor. Muito boa gente acredita que é a ambição pessoal que conquista os supostos sucessos civilizacionais. Que é a ganância e não a cooperação que promove o desenvolvimento tecnológico das sociedades. O registo arqueológico não mostra isso. Longe vai o tempo do difusionismo. O mercado global desde os Descobrimentos, como todo o comércio de bens, obedece às leis de oferta e procura e portanto, baseia-se num pressuposto de escassez. Esse pressuposto é regra geral de índole espacial, e não psicológica, portanto a geração de valor não ocorre quando um sujeito não consegue estar quieto e tem uma ideia de negócio, mas precisamente por aproveitar as condições de escassez de determinado bem que só o é de acordo com a sua menor disponibilidade. Pensar que sem a ambição pessoal os sujeitos se deitariam todo o dia de barriga para o ar, é uma ficção tão grande como aquela que sustenta que é pelas trocas comerciais baseadas em economias de carência se evitam os conflitos armados entre as sociedades.
Se por fantasia aceitamos o factor da ambição pessoal no progresso de uma comunidade, devemos aceitar a desigualdade porque 'essa' pessoa se esforçou e merece por isso viver uma vida materialmente melhor que as restantes? Os exemplos anedóticos de que 'se eu fizer uma horta e outro quiser colher os frutos do meu trabalho' só revelam a tal aceitação implícita de que a) a malta sem coerção não faz nenhum, e b) numa sociedade não capitalista as únicas escolhas são o marasmo ou a miséria.
Se a horta for comunitária, não será possível dividir quer os proventos, quer os esforços?
A acumulação de valor pelo sujeito só concede mais valia para o mesmo se o 'produto' for relativamente escasso, portanto os chamados hoje de 'empreendedores' são aqueles que só podem sobreviver onde há miséria, ou pelo menos escassez de oferta. Os neoliberais reformulam a linguagem e dizem que o 'empreendedor' sucede onde há abundância de oportunidades.
2)Na base disto está outra ideia feita, a de que a desigualdade social deve recompensar aqueles que conseguem ser mais espertos, dinâmicos que os outros. Eu mereço ter um Porshe e um Ferrari porque descobri um nicho de mercado onde posso vender tshirts personalizadas, fui esperto, soube ler o mercado, numa lógica meritocrática que em Portugal tem uma maioria de fãs, que paradoxalmente nos cafés se queixam da chico esperteza dos seus concidadãos como factor de desprezo e atraso. Na base desta mundividência está a prevalência de um objectivo de vida que leva como mote 'uma boa vida' em detrimento de 'uma vida boa' isto é, é por o sujeito pensar que o que interessa é esta vida e tirar o máximo dela, que sustenta o modo de olhar as coisas de forma acrítica e acelerada tendo como referente uma visão hedonista e limitada de si mesmo e dos outros. Muitos sustentam que o senhor Belmiro de Azevedo e outros merecem a pornográfica riqueza que têm porque foram mais espertos que a concorrência, e que por tal não interessa olhar para os contextos dessa aquisição mas apenas para o resultado final. Até porque dão muitos empregos e portanto estão gradativamente entre anjos e santos.
Há uma certa dose de ingenuidade nestas duas posturas, que implica uma crença de que é a esperteza e o esforço que fundamentam a acumulação de riqueza, e portanto a riqueza material que se crê ser a fonte de felicidade na vida.
Há muito boa gente que acredita que o senhor Abrahmovic é um iluminado porque soube gerir e aumentar a sua fortuna a partir dos patinhos de borracha que começou a vender de porta a porta.
Muitos pequenos e médios empresários dão o seu exemplo, de esforço e abnegação, 'para terem mais alguma coisinha' como mais horas de trabalho que os outros, mais sacrifícios e riscos, e que portanto todo o conforto material que possam ter lhes é devido porque o pagaram com suor. A maior parte dos pequenos e médios empresários nacionais, vivem de pequenos expedientes e migalhas, deixados por grupos económicos a quem não compensa determinado teatro de operações e a quem convém a luta pelos preços e a dependência que 'os pequeninos' travam para poderem ter fluxo de trabalho sob as grandes corporações. Outro factor que leva trabalhadores a quererem ser empresários é não terem de se sujeitar à má gestão crónica de patrões, que em Portugal é um recurso abundante, e que por isso, por causa da mentalidade de querer ser patrão, cria a perpetuação de má gestão empresarial, bem como o marasmo reivindicativo que é factor de estagnação tecnológica e social.
3) Se se nacionalizarem os recursos ai meu Deus que cai o Carmo e a Trindade, é a crença de que o Estado é mau gestor. Esta crença radica na primeira, pois sustenta que no Estado os trabalhadores são todos uns madraços porque não têm um patrão a morder-lhes as canelas.
Pelos vistos o dinamismo só funciona em ambientes coercivos, e a tendência biológica de poupança de energia, é contra as necessidades do mercado, logo a natureza é nossa inimiga, excepto quando utilizada para vender. Tornar determinados recursos a uma posse comum e garanti-los a toda a população alivia a carga coerciva de 'viver' o que até pode aumentar a produtividade, longevidade, e diminuir os custos com a saúde pública, dizem alguns. Outros dizem que a boa gestão dos recursos, só é possível através da gestão privada, pois o patrão não quer perder lucro ou os recursos explorados, e como já vimos, os espertos, e os esforçados têm de ser recompensados pelo seu dinamismo. Não se percebe porque é que ninguém ainda se lembrou de colocar umas ventoínhas cobertas por lençóis na Avenida da Liberdade, com modelos femininos fazendo campanhas de charme para venda de vias verdes que se colem na testa, para os transeuntes daquela zona que passeiam e pagam portagem possam usufruir de ar mais limpo e filtrado.
Ou seja, a privatização e exploração de bens essenciais para a vida normal do cidadão deve ser considerada como artificial e perniciosa, pois com determinado conjunto de regras ou leis, também eu sei ser um magnata dos negócios.
4)O medo do papão por fim, é o factor que mais entranhadamente habita a ideia dos homens contemporâneos.
O Estado gere mal, os que querem nacionalizar são uns malandros e eu sou tão mais feliz quanto mais liberdade tenho, e por liberdade entendo a possibilidade de escolher 3 ou 4 marcas diferentes de pasta dentífrica que provavelmente vêm da mesma fábrica. Isto ou escolher uma infinidade de bens de prestígio, que se avariam ao fim de determinado tempo, mas que entretanto me conferiram prestígio a mim, que sou mediaticamente convencido que o prestígio social através da conquista material é o pináculo de felicidade na vida. Não, já se provou no passado que a nacionalização só traz guerra, fomes, pestes e corrupção, e nem interessa quais as condições e especificidades pois vi na televisão com os meus próprios olhos. A propriedade e a colectivização de sectores da vida pública são hoje em dia um dos temas mais proibidos pela comunicação social , que como bem sabemos é o barómetro da opinião pública ou pelo menos da sua apreensão do que se parece passar. O primeiro passo para resolvermos aquilo de que nos queixamos não é gritar, mas sim colocar todas as possibilidades. É mesmo verdade que o Estado gere mal?Como e porquê. Se em consciência for verdade, após crítica partir então para outras soluções sem descartar nenhuma só porque temos ideias feitas em relação a ela.
Do que foi dito temos ainda de pensar na transmissão de propriedade e em justiça social.
Basta ao senhor Paulo Azevedo não ser um completo inapto, e ensinar a sua descendência a não o ser também, que até à nª geração os seus descendentes estarão em vantagem com os meus a não ser que eu os condicione a serem tão ambiciosos que embarquem numa vendetta/mimese empresarial para superarem a riqueza do clã Azevedo, mas isso não é garantido. Ou seja, se a acumulação de riqueza parece compensar o dinamismo de alguns a assim conferir-lhes destaque em relação aos outros, porque é que essa acumulação pode ser transmitida aos descendentes perpetuando a desigualdade social através das gerações? Se o esforço é o critério que justifica a riqueza, porque é que pode ocorrer que um preguiçoso só porque nasceu rico, possa permanecer rico? Como se pode medir a quantidade de esforço despendida por exemplo entre o senhor Catroga e um trabalhador braçal de igual idade e tempo de trabalho, de forma a equilibrar a diferença de reformas?
A acumulação de capital permite várias coisas, aumento da longevidade, desenvolvimento de uma mentalidade competitiva, destreza em manipular grandes somas de capital, e pensamento conservador para manter o estatuto e benefícios que se 'adquiriu'.
Permite até, na folga material, a associação de folgados a outros folgados para o desenvolvimento de manobras para se ir mantendo a folga e até aumentando a acumulação de material. Ao mesmo tempo que se nega aos despojados, aos geneticamente inferiores, os falhados da vida, a pertinência da sua associação. E vexando-os porque não produzem mais, consumiram acima das suas possibilidades e se os incentiva a programas de eugenia e controlo demográfico indirecto.
É a lei da propriedade que origina aquilo que uns designam por 'luta de classes'. Nessa luta, uns possuem meios de produção, outros possuem algo que é a força de trabalho, que parece ser algo ao mesmo tempo intrínseco ao trabalhador, e extrínseco ao trabalhador, o que parece ser confuso.
Uns quantos adquirem e transmitem propriedade, outros perdem-na. É a vida. Mas numa civilização em que se conseguiu uma acumulação material e uma alienação considerável de uma maioria populacional, só o escravo não percebe que o é, e a associação dos que apenas possuem a prostituição do seu corpo e mente torna-se aparentemente obsoleta, ao passo que a clara consciência de uma posição de destaque de quem possui os meios de gerar 'riqueza', permite manter essa mesma riqueza.
II
Um pouco por todo o mundo, da Islândia ao Egipto, do Equador à Turquia, os processos globais de concentração de capital provocam reacções mais ou menos espectaculares e que invariavelmente acabam por perder força e a revolução invariavelmente transforma-se em contra-revolução.
Na Islândia, das geniais reformas, a uma nova constituição, passou-se à retomada do mesmo governo responsável pelo descalabro. Parece que só a direita sabe mexer em dinheiro. Quando se instala algum bem estar, naturalmente o cidadão com desafogo e segurança deseja manter o que acha que conseguiu.
Chega-se então ao Estado presente no qual cada sujeito quer viver inebriado pela corrosão da conformidade.
A acumulação de propriedade conduz ao conforto, não ao conforto que decorre da amenização das condições de vida, mas ao conforto doentio e alienante. Não queremos só saborear o mexilhão, mas sim comer até vomitar, as ostras.
é irónico falar em amenizar as condições de vida, desde a revolução microeléctrica, pois desde aí que somos consumidores e não já o velho homo faber. Construímos um mundo virtual de sombras e pó no qual o excesso de conforto é a ilusão que nos mantém escravos e nem a evidência ecológica permite um clarificar das consciências, a não ser quando é evidente que os envernizados cidadãos dividem e despejam o lixo em contentores coloridos que quando chegam à incineradora vão todos para queimar para o mesmo sítio, ou quando entrega o secador no electrão, para pagar a sua boa consciência mesmo sabendo que será embalado num contentor para ser enviado para um país de 3º mundo onde será desmontado e o plástico fica lá mas o cobre retorna para a Europa. Bem feito, quem manda os 3º mundistas não serem dinâmicos?!...
Construímos a nossa sociedade baseada em má fé, em pequenos, insustentáveis, e fúteis prazeres.
O nosso 25 de Abril também foi assim, esperançoso e cheio de boas intenções, mas cedo corrompido sempre pela dinâmica de amealhamento. Hoje, tal como na Expansão que abriu os mercados mundiais no século XV, a burguesia ascendente é assimilada na sociedade do privilégio, autêntico camaleão transtemporal, os operários do Verão quente adquirem os 'boca de sapo' e tornam-se doutores e operários de escritório, de colarinho branco e dignidade superior.
É essa classe média que satisfeita pelo seu provinciano aderir a uma sociedade 'internacional' promove a existência de um arco governativo responsável, que é engrossado com os milhares de retornados com ideologia reaccionária que afluem ao país que anteriormente os deixava a morrer sós em terras do Ultramar. Organiza-se a maior ponte aérea para trazer o robustecimento conservador para terras onde os malandros comunistas grassavam, numa manipulação tantas vezes vista e agora repetida até à exaustão por telejornais de hora e meia de idiotice superficial.
Há sempre uma dinâmica que se repete, entre revolução e conservação, entre espoliados e remediados. Enquanto continuarmos a cantar o mesmo fado, não vale a pena aprender a propriedade dos ritmos.
Os desenvolvimentos últimos do pântano que há 39 anos se chama 'democracia portuguesa' levam a crêr que a continuidade política pode passar por um caminho de convulsão e confusão análogo ao da Grécia.
Se há algo que se pode observar nas últimas erupções sociais televisionáveis ocorridas um pouco por todo o planeta, é o saneamento mediático e reaccionário de todas essas manifestações sociais.
Qualquer abafamento dessas erupções só ocorre quando o regime que se impõe é mais cruel, ou por outras palavras, mais assertivo que o deposto. No centro desta dinâmica está sempre a mesma questão.
A propriedade.
Geralmente as forças conservadoras trabalham em surdina e com um uso eficientíssimo da propaganda. Portugal não é excepção.
É a partir da lei da propriedade que se organiza a estrutura social, que pode ser hierarquizada ou hierarquizada com sabor a canela, como no caso português.
A origem da desigualdade entre os portugueses não radica na fortuna genética de uns em relação a outros, ou de uma meritocracia da esperteza, mas radica sim na perversa lei da propriedade.
A acumulação de riqueza, capital, propriedade imóvel, etc.detém a génese para a desigualdade social, ergo para a existência de uma sociedade classista. Há pelo menos quatro factores de resistência à nacionalização da propriedade de alguns para o bem geral:
1) a crença de que o esforço individual merece a recompensa de bem estar material só possível através da acumulação de valor. Muito boa gente acredita que é a ambição pessoal que conquista os supostos sucessos civilizacionais. Que é a ganância e não a cooperação que promove o desenvolvimento tecnológico das sociedades. O registo arqueológico não mostra isso. Longe vai o tempo do difusionismo. O mercado global desde os Descobrimentos, como todo o comércio de bens, obedece às leis de oferta e procura e portanto, baseia-se num pressuposto de escassez. Esse pressuposto é regra geral de índole espacial, e não psicológica, portanto a geração de valor não ocorre quando um sujeito não consegue estar quieto e tem uma ideia de negócio, mas precisamente por aproveitar as condições de escassez de determinado bem que só o é de acordo com a sua menor disponibilidade. Pensar que sem a ambição pessoal os sujeitos se deitariam todo o dia de barriga para o ar, é uma ficção tão grande como aquela que sustenta que é pelas trocas comerciais baseadas em economias de carência se evitam os conflitos armados entre as sociedades.
Se por fantasia aceitamos o factor da ambição pessoal no progresso de uma comunidade, devemos aceitar a desigualdade porque 'essa' pessoa se esforçou e merece por isso viver uma vida materialmente melhor que as restantes? Os exemplos anedóticos de que 'se eu fizer uma horta e outro quiser colher os frutos do meu trabalho' só revelam a tal aceitação implícita de que a) a malta sem coerção não faz nenhum, e b) numa sociedade não capitalista as únicas escolhas são o marasmo ou a miséria.
Se a horta for comunitária, não será possível dividir quer os proventos, quer os esforços?
A acumulação de valor pelo sujeito só concede mais valia para o mesmo se o 'produto' for relativamente escasso, portanto os chamados hoje de 'empreendedores' são aqueles que só podem sobreviver onde há miséria, ou pelo menos escassez de oferta. Os neoliberais reformulam a linguagem e dizem que o 'empreendedor' sucede onde há abundância de oportunidades.
2)Na base disto está outra ideia feita, a de que a desigualdade social deve recompensar aqueles que conseguem ser mais espertos, dinâmicos que os outros. Eu mereço ter um Porshe e um Ferrari porque descobri um nicho de mercado onde posso vender tshirts personalizadas, fui esperto, soube ler o mercado, numa lógica meritocrática que em Portugal tem uma maioria de fãs, que paradoxalmente nos cafés se queixam da chico esperteza dos seus concidadãos como factor de desprezo e atraso. Na base desta mundividência está a prevalência de um objectivo de vida que leva como mote 'uma boa vida' em detrimento de 'uma vida boa' isto é, é por o sujeito pensar que o que interessa é esta vida e tirar o máximo dela, que sustenta o modo de olhar as coisas de forma acrítica e acelerada tendo como referente uma visão hedonista e limitada de si mesmo e dos outros. Muitos sustentam que o senhor Belmiro de Azevedo e outros merecem a pornográfica riqueza que têm porque foram mais espertos que a concorrência, e que por tal não interessa olhar para os contextos dessa aquisição mas apenas para o resultado final. Até porque dão muitos empregos e portanto estão gradativamente entre anjos e santos.
Há uma certa dose de ingenuidade nestas duas posturas, que implica uma crença de que é a esperteza e o esforço que fundamentam a acumulação de riqueza, e portanto a riqueza material que se crê ser a fonte de felicidade na vida.
Há muito boa gente que acredita que o senhor Abrahmovic é um iluminado porque soube gerir e aumentar a sua fortuna a partir dos patinhos de borracha que começou a vender de porta a porta.
Muitos pequenos e médios empresários dão o seu exemplo, de esforço e abnegação, 'para terem mais alguma coisinha' como mais horas de trabalho que os outros, mais sacrifícios e riscos, e que portanto todo o conforto material que possam ter lhes é devido porque o pagaram com suor. A maior parte dos pequenos e médios empresários nacionais, vivem de pequenos expedientes e migalhas, deixados por grupos económicos a quem não compensa determinado teatro de operações e a quem convém a luta pelos preços e a dependência que 'os pequeninos' travam para poderem ter fluxo de trabalho sob as grandes corporações. Outro factor que leva trabalhadores a quererem ser empresários é não terem de se sujeitar à má gestão crónica de patrões, que em Portugal é um recurso abundante, e que por isso, por causa da mentalidade de querer ser patrão, cria a perpetuação de má gestão empresarial, bem como o marasmo reivindicativo que é factor de estagnação tecnológica e social.
3) Se se nacionalizarem os recursos ai meu Deus que cai o Carmo e a Trindade, é a crença de que o Estado é mau gestor. Esta crença radica na primeira, pois sustenta que no Estado os trabalhadores são todos uns madraços porque não têm um patrão a morder-lhes as canelas.
Pelos vistos o dinamismo só funciona em ambientes coercivos, e a tendência biológica de poupança de energia, é contra as necessidades do mercado, logo a natureza é nossa inimiga, excepto quando utilizada para vender. Tornar determinados recursos a uma posse comum e garanti-los a toda a população alivia a carga coerciva de 'viver' o que até pode aumentar a produtividade, longevidade, e diminuir os custos com a saúde pública, dizem alguns. Outros dizem que a boa gestão dos recursos, só é possível através da gestão privada, pois o patrão não quer perder lucro ou os recursos explorados, e como já vimos, os espertos, e os esforçados têm de ser recompensados pelo seu dinamismo. Não se percebe porque é que ninguém ainda se lembrou de colocar umas ventoínhas cobertas por lençóis na Avenida da Liberdade, com modelos femininos fazendo campanhas de charme para venda de vias verdes que se colem na testa, para os transeuntes daquela zona que passeiam e pagam portagem possam usufruir de ar mais limpo e filtrado.
Ou seja, a privatização e exploração de bens essenciais para a vida normal do cidadão deve ser considerada como artificial e perniciosa, pois com determinado conjunto de regras ou leis, também eu sei ser um magnata dos negócios.
4)O medo do papão por fim, é o factor que mais entranhadamente habita a ideia dos homens contemporâneos.
O Estado gere mal, os que querem nacionalizar são uns malandros e eu sou tão mais feliz quanto mais liberdade tenho, e por liberdade entendo a possibilidade de escolher 3 ou 4 marcas diferentes de pasta dentífrica que provavelmente vêm da mesma fábrica. Isto ou escolher uma infinidade de bens de prestígio, que se avariam ao fim de determinado tempo, mas que entretanto me conferiram prestígio a mim, que sou mediaticamente convencido que o prestígio social através da conquista material é o pináculo de felicidade na vida. Não, já se provou no passado que a nacionalização só traz guerra, fomes, pestes e corrupção, e nem interessa quais as condições e especificidades pois vi na televisão com os meus próprios olhos. A propriedade e a colectivização de sectores da vida pública são hoje em dia um dos temas mais proibidos pela comunicação social , que como bem sabemos é o barómetro da opinião pública ou pelo menos da sua apreensão do que se parece passar. O primeiro passo para resolvermos aquilo de que nos queixamos não é gritar, mas sim colocar todas as possibilidades. É mesmo verdade que o Estado gere mal?Como e porquê. Se em consciência for verdade, após crítica partir então para outras soluções sem descartar nenhuma só porque temos ideias feitas em relação a ela.
Do que foi dito temos ainda de pensar na transmissão de propriedade e em justiça social.
Basta ao senhor Paulo Azevedo não ser um completo inapto, e ensinar a sua descendência a não o ser também, que até à nª geração os seus descendentes estarão em vantagem com os meus a não ser que eu os condicione a serem tão ambiciosos que embarquem numa vendetta/mimese empresarial para superarem a riqueza do clã Azevedo, mas isso não é garantido. Ou seja, se a acumulação de riqueza parece compensar o dinamismo de alguns a assim conferir-lhes destaque em relação aos outros, porque é que essa acumulação pode ser transmitida aos descendentes perpetuando a desigualdade social através das gerações? Se o esforço é o critério que justifica a riqueza, porque é que pode ocorrer que um preguiçoso só porque nasceu rico, possa permanecer rico? Como se pode medir a quantidade de esforço despendida por exemplo entre o senhor Catroga e um trabalhador braçal de igual idade e tempo de trabalho, de forma a equilibrar a diferença de reformas?
A acumulação de capital permite várias coisas, aumento da longevidade, desenvolvimento de uma mentalidade competitiva, destreza em manipular grandes somas de capital, e pensamento conservador para manter o estatuto e benefícios que se 'adquiriu'.
Permite até, na folga material, a associação de folgados a outros folgados para o desenvolvimento de manobras para se ir mantendo a folga e até aumentando a acumulação de material. Ao mesmo tempo que se nega aos despojados, aos geneticamente inferiores, os falhados da vida, a pertinência da sua associação. E vexando-os porque não produzem mais, consumiram acima das suas possibilidades e se os incentiva a programas de eugenia e controlo demográfico indirecto.
É a lei da propriedade que origina aquilo que uns designam por 'luta de classes'. Nessa luta, uns possuem meios de produção, outros possuem algo que é a força de trabalho, que parece ser algo ao mesmo tempo intrínseco ao trabalhador, e extrínseco ao trabalhador, o que parece ser confuso.
Uns quantos adquirem e transmitem propriedade, outros perdem-na. É a vida. Mas numa civilização em que se conseguiu uma acumulação material e uma alienação considerável de uma maioria populacional, só o escravo não percebe que o é, e a associação dos que apenas possuem a prostituição do seu corpo e mente torna-se aparentemente obsoleta, ao passo que a clara consciência de uma posição de destaque de quem possui os meios de gerar 'riqueza', permite manter essa mesma riqueza.
II
Um pouco por todo o mundo, da Islândia ao Egipto, do Equador à Turquia, os processos globais de concentração de capital provocam reacções mais ou menos espectaculares e que invariavelmente acabam por perder força e a revolução invariavelmente transforma-se em contra-revolução.
Na Islândia, das geniais reformas, a uma nova constituição, passou-se à retomada do mesmo governo responsável pelo descalabro. Parece que só a direita sabe mexer em dinheiro. Quando se instala algum bem estar, naturalmente o cidadão com desafogo e segurança deseja manter o que acha que conseguiu.
Chega-se então ao Estado presente no qual cada sujeito quer viver inebriado pela corrosão da conformidade.
A acumulação de propriedade conduz ao conforto, não ao conforto que decorre da amenização das condições de vida, mas ao conforto doentio e alienante. Não queremos só saborear o mexilhão, mas sim comer até vomitar, as ostras.
é irónico falar em amenizar as condições de vida, desde a revolução microeléctrica, pois desde aí que somos consumidores e não já o velho homo faber. Construímos um mundo virtual de sombras e pó no qual o excesso de conforto é a ilusão que nos mantém escravos e nem a evidência ecológica permite um clarificar das consciências, a não ser quando é evidente que os envernizados cidadãos dividem e despejam o lixo em contentores coloridos que quando chegam à incineradora vão todos para queimar para o mesmo sítio, ou quando entrega o secador no electrão, para pagar a sua boa consciência mesmo sabendo que será embalado num contentor para ser enviado para um país de 3º mundo onde será desmontado e o plástico fica lá mas o cobre retorna para a Europa. Bem feito, quem manda os 3º mundistas não serem dinâmicos?!...
Construímos a nossa sociedade baseada em má fé, em pequenos, insustentáveis, e fúteis prazeres.
O nosso 25 de Abril também foi assim, esperançoso e cheio de boas intenções, mas cedo corrompido sempre pela dinâmica de amealhamento. Hoje, tal como na Expansão que abriu os mercados mundiais no século XV, a burguesia ascendente é assimilada na sociedade do privilégio, autêntico camaleão transtemporal, os operários do Verão quente adquirem os 'boca de sapo' e tornam-se doutores e operários de escritório, de colarinho branco e dignidade superior.
É essa classe média que satisfeita pelo seu provinciano aderir a uma sociedade 'internacional' promove a existência de um arco governativo responsável, que é engrossado com os milhares de retornados com ideologia reaccionária que afluem ao país que anteriormente os deixava a morrer sós em terras do Ultramar. Organiza-se a maior ponte aérea para trazer o robustecimento conservador para terras onde os malandros comunistas grassavam, numa manipulação tantas vezes vista e agora repetida até à exaustão por telejornais de hora e meia de idiotice superficial.
Há sempre uma dinâmica que se repete, entre revolução e conservação, entre espoliados e remediados. Enquanto continuarmos a cantar o mesmo fado, não vale a pena aprender a propriedade dos ritmos.