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O centralismo dos crápulas versus Lisboa como bode expiatório agregador

7/26/2022

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Tão sazonal como a ocorrência de incêndios florestais, é a regular e intermitente demonstração de falta de carácter daqueles que se dedicando à política, se dedicam também a lucrar com a terra queimada.
 
Já não bastava a instrumentalização de um regionalismo à Pedroto, de décadas de boçalidade de Alberto João Jardim, dos casos falhados de Fernando Gomes, Nuno Cardoso, ou agora de Rui Moreira, que temos agora dois indivíduos a tentar reeditar o mesmo estratagema de sempre, a união de fileiras contra um inimigo externo, neste caso Lisboa.
 
Ora, como eu sou lisboeta, e já vi este discurso repetido, acho que tenho de ficar chateado. Nem é por me fazerem de vilão, a par dos outros 2 milhões que vivem em torno da capital.
É mesmo pela falta de originalidade e pela falta de consideração para com o público-alvo das invectivas dos separatistas incendiários.
 
Qualquer vitimização é um assumir de inferioridade em relação a outro ou a uma situação.
Se bem que o calhorda incendiário diga que não ofende os lisboetas per se mas o órgão de soberania nacional, o Parlamento, ofende sempre que usa a expressão ‘Lisboa’, reduzindo-a a um órgão de soberania da mesma maneira em que um trolha reduz o ente humano feminino a um par de mamas, num qualquer piropo criminalizado.
 
Mas deve-se ter em conta que no Parlamento não estão só lisboetas. Ou até, que o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, nem sempre foi lisboeta.
Para quem se queixa dos tentáculos centralistas, imagine-se o que seria se um lisboeta concorresse e ganhasse a presidência do Funchal, Ponta Delgada ou Porto.
Não se pode olhar para estas invectivas separatistas como uma razão real de queixa acerca de um suposto e inescapável poder centralista, dos lisboetas a conspirarem à noite para roubar as riquezas e privilégios de qualquer região que acha que deve ter mais, ser independente, ou apenas rezingar para manter os cabecilhas no poder, porque as populações se sentem isoladas em relação a outras zonas do país.
O insulto do lisboeta, é precisamente ser demonizado pelo benefício de outrem, em concreto, do político incendiário.
Se os 2 milhões de lisboetas (compostos em grande parte por milhares de pessoas oriundas de todas as partes do país) fossem todos judeus, teríamos a comunidade internacional a apelar ao fim do anti-semitismo em Portugal. Mas como não são, podemos continuar a ser utilizados por qualquer canalha sem qualquer tipo de pudor ético, para encantar os eleitores tal como ratos atrás de um instrumento de sopro.
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A existência de regiões autónomas, para mim, há muito que perdeu razão de ser, foram formadas como resguardo de algumas forças políticas no 25 de Abril de 1974, para o caso de ‘aqui’ as coisas correrem mal.
Os USA na altura, e contra o comunismo, inundaram de meios, os movimentos nacionalistas em ambos os arquipélagos, e um dos incendiários chegou a ser presidente da assembleia da República.
Nada como um bom tacho para diluir a doença independentista.
É uma pena que tenham surgido as ligações regulares por via aérea, bem como a internet de banda larga.
Ambas possibilitam a passagem da capital política do país, para Ponta Delgada ou Funchal. Eu apoio!
Mas pergunto, de que se queixarão depois os ilhéus ou os outros independentistas todos?
Nenhuma dessas capitais tem as costas tão largas como Lisboa.
Da mesma Lisboa, bem como de outros portos, de onde saem, desde pelo menos há 5 séculos, os habitantes de tais locais, a uma hora de avião, nos dias que correm.
De que raio se queixam então os adeptos dos incendiários? Da falta de centros comerciais? Da falta de infra-estruturas culturais e básicas? Eu moro numa freguesia com 45 000 habitantes, em 17,59 km2, o que dá a módica ideia de 2520 moradores por quilómetro quadrado.
Existem piores, Monte Abraão, Amadora, etc.
Temos apenas recentemente, um centro de saúde, uma esquadra de polícia, e uma piscina de 25 metros para toda esta malta.
A freguesia mais populosa da ilha da Madeira é Santo António, no Funchal, com 27 383 habitantes em 22.17 quilómetros quadrados, com uma densidade populacional de 1235 habitantes por quilómetro quadrado.
Tem piscinas olímpicas, 2 centros de saúde, e um ou dois centros comerciais. Isto se o google maps não me enganou.
Esta comparação é básica e sem muita utilidade senão a de tentar mostrar, que a 10 minutos do centro de Lisboa, eu e outros cidadãos que moramos nesta área geográfica, não possuímos sanitas de ouro, como os incendiários da política querem fazer entender.
A cidade de Ponta Delgada tem 46 102 habitantes, espalhados por 231,9 quilómetros quadrados (município). Tem o centro de saúde de Ponta Delgada, um hospital, vários centros médicos e clínicas (maioritariamente privadas) mais de 2 centros comerciais, etc.
Este rápido e básico exemplo, visa apenas mostrar que em zonas de Lisboa, com maior densidade populacional, estes equipamentos tirados à sorte, tendem a equivaler-se em questões de quantidade.
Se o ilhéu, exige do continental igualdade de tratamento, é justo que as 46 000 almas de Ponta Delgada ou as 46 000 almas da cidade do Funchal, tenham mais equipamentos sociais que os 45 000 compatriotas encaixados em 17 quilómetros quadrados?
Mas nem todos os ilhéus são iguais.
Os de Porto Santo queixam-se do centralismo do Funchal, os do Faial, do centralismo de Ponta Delgada.
Os vimaranenses queixam-se de ter de ir ao Porto fazer tudo, a malta de Portimão de ter de ir a Faro.
E todos se queixam de Lisboa. Lisboa enquanto alvo de ódio regionalista, é o maior elemento agregador deste país.
A sério, serei o primeiro a assinar uma petição para tornar Ponta Delgada ou o Funchal, como capitais do país, colonizando assim os continentais com o imperialismo insular.
Quanto mais rápido isto for feito, mais rapidamente temos de continuar a levar com o boçalismo do centralismo. A mesma merda de espada de Dâmocles que o estado português cobarde, tem desde 1974.
Já enjoa, ou pedem independência, ou calem-se.
O que subjaz neste argumentário, não é um pedido de igualdade de tratamento, mas de privilégio.
Projecta-se na capital aquilo que não se tem ou aquilo que se deseja ter, para justificar uma suposta desigualdade. Martelam-se estudos que evidenciam a mensagem de desigualdade, com fundos pagos pelo orçamento comum, português, que todos os anos segue do continente para as ilhas, para justificar a merda da espada separatista, no próprio pescoço do país.
Nos tempos da crise do subprime, dei-me ao trabalho de ver a contribuição para o PIB nacional, da Região Autónoma da Madeira, equivalia, na altura a 3%, ou a 3 AutoEuropas.
A contribuição para a divida portuguesa, em muito suplantava essa percentagem, pois os projectos financiados pela EU, não sendo pagos a 100%, o estado centralista tinha de se chegar à frente.
Foram os saudosos tempos do Alberto João a chamar cubanos aos continentais e filhos da puta aos jornalistas.
Como foi sempre reeleito, deduzo que os madeirenses concordavam com a mensagem.
Sempre que um crápula sente o rabo apertado nas sondagens, tem a certeza de que se usar a carta do centralismo, canaliza os ódios a seu favor.
Lisboa precisa do país, mas pelos vistos o país dispensa Lisboa. Proponho alternativamente, que se divida o país em cidades-estado.
Resolve-se o problema de Portugal, seja ele qual for, porque simplesmente se corta a mão para acabar com a dor de dedo.
Ou isso, ou metam o preço dos combustíveis em Lisboa, ao preço dos preços na Madeira, que isto de ir buscar todos os meses uma sanita de ouro nova, é caro. Em gasóleo.
Andamos durante décadas a alimentar este peditório, a reboque de medíocres. Eventualmente chegaremos ao ponto de ter de dividir isto tudo, cada um na sua zona, onde é rei.
É melhor, que ter de ouvir esta gente, sem que nenhuma autoridade do estado possa chamar à responsabilidade, os crápulas. Porque estamos num país de sacanas governado por bananas.
Aberto João:
"A todos os companheiros da luta pelo povo madeirense, pela democracia e contra o colonialismo, que se encontram na Festa da Autonomia, Herdade do Chão da Lagoa, um grande abraço! Os fascismos não passarão! O colonialismo será destruído".
 
Bruno Melim, líder da JSD Madeira « "cavalheiros de Lisboa" que nada fizeram, assegura, pela juventude madeirense. E no aviso a "esses" de Lisboa não poupou nas palavras: "a nossa luta vai continuar (...) querem mandar em nós a partir de Lisboa e isso nunca vamos deixar".»

Miguel Albuquerque, presidente do governo regional «Quem manda na Madeira são os madeirenses.(…) muito bem clarificado (...) de um lado os autonomistas e, do outro, os socialistas ao serviço do centralismo de Lisboa»
A intervenção terminou com Miguel Albuquerque ao piano a tocar e a entoar o hino da "independência": "Madeira és livre e livre serás..."
 

Luís Montenegro «o PSD não recebe lições de ninguém em matéria de autonomia(…)Uma nova Lei de Finanças Regionais com mais transparência (...) não estamos aqui a olhar para aquilo que fizemos, estamos a olhar para aquilo que ainda vamos fazer a bem da Madeira»
 
P.S.: só uma nota para Miguel Albuquerque, quem manda na Madeira, são os portugueses. Nos quais se incluem os madeirenses.
Se quer mudar essa situação, peça a independência, como qualquer outra região portuguesa teria de fazer.
Peça ou cale-se. Sem conversa fiada.
 
 
https://www.dn.pt/politica/o-socialismo-colonialista-dos-cavalheiros-de-lisboa-sera-destruido-15044349.html
 
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A civilização woke I

3/23/2021

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A civilização woke I
 


Dizem alguns dicionários, que ‘woke’ é um termo afro-americano, que descreve a consciência hodierna, de bons costumes e causas sociais, englobando desde os direitos LGBT aos direitos de igualdade entre raças.
Woke será, portanto aquele que é desperto, para as injustiças deste mundo, por contraposição ao que ‘está a sleep’, o que configura de forma primária, a grande diferença nesta outra variação de dualismo tribal, ‘nós vs eles’, a saber, a posse de uma consciência da realidade ou discurso sobre a realidade, mais válida ou superior aos outros, que obviamente, estão a dormir, anestesiados, ou propositadamente anestesiados a este rol de aflições na sociedade ocidental, hipócrita e maléfica, para a qual o único antídoto, é a disseminação wokista.


 
A crítica, no sentido de exame, das bases ideológicas wokistas, é tripartida, envolve metafísica, epistemologia, e ética, três grandes regiões da Filosofia Ocidental.
 
Metafísica, pois o sentimento woke, baseia-se numa ideia de progresso, entendido como um movimento de um estado mais elementar de justiça social, para um mais pleno da mesma, cuja urgência vem da crença de que no ‘mundo actual’ não se coaduna com a injustiça e violência das sociedades passadas.


Não permite, pois, qualquer crítica a esta ideia de evolução ou progresso, ou sequer aquiesce em relação ao facto de que esta civilização actual, ainda não no ponto, mas em direcção a um  mundo melhor, está construída sobre escombros de sofrimentos passados. Podemos amaldiçoar uma civilização na qual criticamos os frutos mas não o processo de maturação? Podemos, mas estaremos a ser hipócritas, para quem valoriza congruência, claro está.
Nenhum encontro civilizacional, será fraterno e equilibrado, enquanto houver disparidade tecnológica e militar entre ambas as margens. Se no século XIV tivessem chegado navios africanos ou asiáticos, ou americanos (nativos), à Europa, dificilmente não seriam os europeus hoje, a preocuparem-se com a herança colonial e esclavagista, pois pura e simplesmente seriam conquistados e subjugados pelo mais forte.


Obviamente isto não justifica qualquer violência cometida no passado, presente ou futuro, apenas visa enunciar, que podemos tirar o primata da selva, mas não tiramos a selva do primata.


O que nos leva à questão epistemológica. Achar que uma civilização é, no seu todo, algo de mau, e que outra é eminentemente pacífica e livre das tensões sociais atribuídas ao capital, é uma fantasia. Que o digam as tribos de canibais da Papua Nova Guiné, ou os ameríndios, pois onde existir um humano, vai existir violência, competição intra-específica, e no caso de evolução tecnológica, depredação dos recursos da biosfera.


Basta existir competição sexual num grupo humano, leia-se, competição para legar genes à geração seguinte, que outros grupos humanos e plantas e animais irão sofrer por isso.


Pode-se argumentar que os arautos do wokismo querem reformar e não anular, a chamada civilização ocidental, pois sentem-se discriminados dentro dela. O que nos conduz à questão ética.


A civilização ocidental emerge da competição entre estados europeus e violência inimaginável ao longo de milénios. Desde o destino aos perdedores das guerras na Hélade, aos romanos, às etno-migrações nórdicas, toda a Europa é um palco de sangue, vertido essencialmente por europeus. O africano, é uma entrada tardia neste teatro de competição e conquista proto-capitalista.


Até que ponto é que o direito de reconhecimento não é um desejo de eminência? Até que ponto é que chamar a atenção para a opressão do negro sobre a do branco não é um racismo invertido? Não é assumir que todo o branco tem um suposto privilégio sobre todo o preto, um conceito racista? Um branco pobre, tem mais direitos que um preto rico na sociedade ocidental?


A mesma coisa em relação aos trans e gays. Um heterossexual, só por via da sua preferência sexual, é automaticamente homofóbico ou opressor, em virtude dessa preferência?


E a questão da teoria de conjuntos? Quando se critica toda a sociedade ocidental, não se engloba esse mesmo branco pobre e heterossexual, que ou são indiferentes ou alheios a essa peleja social?


Pois a questão wokista reside aqui, no fundamentalismo de que o indiferente ou alheio, são parte do problema, na mesma medida em que o foram os meros observadores dos gaseados de Auschwitz. A célebre expressão de que a indiferença perante o mal é o próprio mal, serve de combustível ao woker.


A sua identificação em termos dualistas, convence-o da rectidão das suas crenças, e o outro é demonizado, de forma tribal, pela não adesão ou indiferença às mesmas. Todos os não wokes, são portanto privilegiados que não se mexem porque estão bem. Que se sentissem na pele, os males do mundo, fariam qualquer coisa para o mudar.

​
Não interessa que a lei vise acabar com a violência. Não chega, pois supostamente, as instituições e pessoas, são condicionadas desde cedo,  só o woke conhece e libertou-se desse condicionamento.
Para libertar a uns da violência, convence a outros da culpa.
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O estranho caso da pandemia de pavões morais

3/5/2021

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«Para que um governo não tenha o direito de punir os erros dos homens, é necessário que esses erros não sejam crime; os erros só são crime quando perturbam a sociedade; os erros perturbam a sociedade logo que inspiram o fanatismo; é portanto necessário que os homens comecem por não ser fanáticos para merecerem a tolerância. (…) Não é apenas grande crueldade perseguir nesta curta vida os que não pensam como nós, mas não sei se não há demasiada ousadia em pronunciar-lhes a condenação eterna.»
Voltaire, Tratado sobre a tolerância


I

Poucas pandemias são tão interessantes e potencialmente destrutivas, como a pandemia dos pavões morais.

O pavão moral é o mesmo que social justice warrior, ou guerreiro de justiça social.

É um arquétipo da selva urbana, e engloba uma miríade de estilos, que por sua vez classificam inúmeras posturas adoptadas por um número interminável de indivíduos.


 
Basicamente, o pavão moral, é alguém que paga o seu privilégio na existência, com a exposição das suas penas ornadas de superioridade moral. Serve para acasalar e não só.


Paga a má consciência, isto é, o conforto material e uma vida de relativo conforto (que tornam as pessoas cegas em relação à dor da existência – pois têm de a imaginar, conceber intelectualmente e não sentir a fraternidade com outros, que só está disponível a quem sofre na carne e não apenas no espírito), com a dedicação a uma causa de luta contra injustiças e males neste mundo. No fundo paga o seu conforto, com acções e ideias de caridade adequada.


É também uma forma de pagamento ao justiceiro impotente, aquele que não motivado para vir para a rua oferecer pedras à polícia, tem a forma mais fácil de limpar a consciência, destilando ódio contra o sistema do qual beneficia. Sob este ponto de vista, o justiceiro social é portanto um cobarde, cuja acção preconiza uma desistência de dar o exemplo, preferindo captar legionários para a sua causa, supostamente até atingir uma massa de aderentes que importe para alguma coisa. O justiceiro é o revolucionário lúcido, que sabe apenas que só mudará alguma coisa com o apoio da maioria, e por isso também, reforça o ódio e a reacção aos que pensam diferente dele, pois são não só uma regressão no processo, como uma fácil forma de destilar a tensão acumulada.


II
 
É mais fácil encontrar este tipo de postura nas falanges da esquerda tradicional, na medida em que esta tem por tradição uma justa crítica ao sistema capitalista, não podendo identificar senão dois campos, o campo a favor, ou o campo contra. Fundamentalismo, portanto.


A direita padece menos destes achaques, pois o peso do ideal é menos pronunciado, por causa do pragmatismo emanado do amor ao capital.


 
O pavão moral moderno, tem por isso mesmo, grande dose de fundamentalismo porque é influenciado por dois mecanismos de reforço em relação à sua individuação: 1) assinalar para outros em que campo está (como se a coisa ética fosse análoga a paixão clubística ou a um espírito de grupo) e 2) assinalar para si que está do lado dos pobres e desprotegidos.



Em ambos os mecanismos de reforço exprime-se o investimento egóico que cada indivíduo faz nas crenças a partir das quais retira valor para si próprio.
O objectivo é o mesmo em ambos, ser valorizado por outros, ser valorizado por si mesmo, através da composição e reforço da auto-imagem.


O justiceiro social entrega-se amiúde a esta forma de encarar o mundo, fundamentalista, dual e infantil. Tem de o fazer pois a convicção no ideal é tal, que não admite que a idealidade não possa ser correcta ou a forma de alterar o mundo. Que o mundo se não for como o ideal lhe dita, mais vale que não seja.



E se assim é, o justiceiro passa a ver-se a si mesmo, como a solução para o problema, o lado bom das coisas. Reforça essa ideia quando encontra pessoas que alinham na mesma forma de encarar a realidade, esse conceito nebuloso, e raramente procura os que o contradigam, senão para enxovalho e desdém.  Porque não procura uma adequação do discurso com a coisa-em-si, mas um reforço entre o externo e a coisa-para-si. Por outras palavras, procura caixa de eco nas pessoas que pensam igual, para confirmar o próprio viés que coloca na interpretação do mundo.


O justiceiro social pode ser encarado como a maior ameaça à democracia, porque 1) é drogado, 2) está preso num feedback loop, e 3) é fundamentalista.


Sendo drogado move-se por intenções egoístas travestidas de altruístas, sem se aperceber. Estando preso num loop de confirmação e reforço, não tem capacidade crítica a não ser que uma situação-limite o puxe para fora do torpor narcótico, e é fundamentalista, porque isso reforçará a sua dose, sendo drogado, ou seja, ganha algo anulando o discurso do outro. A justificação para tal virá depois, desde que funcione.


Eu por exemplo, sendo de esquerda desde que voto, sou acusado de ser de direita, ou pior, um troll, se por acaso me oponho a uma partilha de conceitos sem direito a análise ou contraditório. Por alguma razão, pareço nunca estar na posse dos estudos que confirmam as opiniões, e portanto, na mira dos conformados. Neste ponto de vista, a homogeneização ideológica, em nada se distingue dos jogos de hierarquia na C+S.

 
III


O pavão moral, reforça desta forma a sua individuação, a saber a forma como se diferencia dos outros, pois sente-se bem com a sua superioridade moral, reforçada por outros que a reconhecem, numa espécie de mente colectiva codependente, onde uma ideia em comum é a de um suposto progresso civilizacional.


Há uma espécie de esquizofrenia na crítica da sociedade ocidental, ao mesmo tempo que se exige a adequação da moldura ética e de justiça (às causas defendidas), por outras palavras, a sociedade ocidental é má e a raiz de todos os problemas, mas, temos de mostrar que somos avançados e moralmente conscientes, pese embora a sociedade ocidental tenha servido de modelo para as outras, a nível das instituições e liberdades individuais.


Ah, mas é o capitalismo a causa de todos os males. Concordo, mas remetendo a Marx, também libertou forças de produção prodigiosas, responsáveis não só pelo conforto material a que o justiceiro social nunca, em rigor, admitirá abdicar, mas também pela gradual obliteração do planeta.



O capitalismo é a forma mais rápida de limar as diferenças entre sociedades, e oponho-me a este sistema de forma total, mas gostava de ver o guerreiro social fazer campanha para a China abandonar as centrais a carvão, por exemplo. Ou reduzir os gases de estufa. É mais fácil fazê-lo no Ocidente.


A ideia de progresso civilizacional é ilusória, existe progresso técnico, nenhuma lei, nacional ou internacional, superará a natureza de primata e as consequências da geografia.


O justiceiro social acredita no conceito progressista da História, não como adequado a uma interpretação do real, mas ad hoc, isto é, a eterna revolução em curso, que faculta sempre uma causa a que se adira, e gente a quem odiar.


O desmantelamento da sociedade de serviços que deslocalizou o trabalho árduo para outras latitudes, implodiria com o conforto material do justiceiro social, urbano e defensor de causas. Remete-se para o ponto I, pois é outra forma de tomar esta ideia de pagamento pelo conforto material obtido pela sociedade que se critica. Pagar a má consciência.


 
IV


Esta crença acrítica nas ideias com as quais o guerreiro social se acostumou a avaliar, fazem com que qualquer crítica às mesmas seja interpretado como um ataque social.


Se interferirmos com a dose de oxitocina e endorfina do toxicodependente, é o valor próprio e o lirismo do ideal que são atacados, e portanto o indivíduo reage guturalmente, animado até pela ideia de ter encontrado uma causa nobre para a sua peleja, o inimigo, que apenas existe na sua cabeça enformada pelo espírito fundamentalista, acima descrito.


Geralmente inconsciente da mão do instinto titereiro, boa parte dos guerreiros sociais não tem a capacidade quer de introspecção, quer de autocrítica, e portanto reage de forma emocional e não tem paciência para o mais exaustivo exercício democrático, o diálogo.


Tudo o que seja dialogar é visto como uma cedência à idealidade, uma traição a imperativos mentais estabelecidos a priori, e aos quais a realidade, o concreto, se devem submeter.


Por isso, o ódio aos maus, pouco tem a ver com a adesão a uma causa, mas com um processo egoísta de individuação, que visa captar aceitação dos outros e de nós para nós mesmos. Tem mais a ver com um prolongado investir da nossa identidade em determinada ideia, que na adesão a uma projecção (causa) que acreditamos que vá resolver determinado problema.
Se a ligação entre a nossa crença sofre uma ruptura, é o nosso ego que desaba, pois está ligado a essa ideia.

​
Portanto, o drogado social, foge como o diabo da cruz, a qualquer heterodoxia em relação às suas crenças mais basilares.


V


Estamos pois, perante uma geração de drogados, de bons sentimentos, que não hesitam em lançar os outros na fogueira, para benefício próprio. Na fogueira, no auto de fé, na câmara de gás.


Seja com anulações do outro, bloqueando-o, desprezando-o, ignorando-o ou catalogando-o simplisticamente de acordo com etiquetas infantis que visam reduzir a sua complexidade, seja activamente enxovalhando-o, ou atacando-o com vergonha, fazendo-o recuar na heresia, de forma a silencia-lo, ou normalizá-lo, isto claro, ao mesmo tempo que se apela nas redes sociais à livre expressão do indivíduo contra o sistema que o oprime.
 
Entre a espada e a parede, o herege fica sem saber quem o oprime mais, o sistema, ou os partidários anti-sistemáticos.


O guerreiro social apenas tem uma ponte com o real, baseada no sistema reticular, e como o caro leitor sabe, o sistema reticular é um sistema psicológico, que simplificado  faz com que se nos foquemos em determinado aspecto na realidade, esse conceito nebuloso, encontraremos ou encontraremos mais aquilo em que nos focamos.


Por exemplo, carros vermelhos, se nos focarmos em reparar em todos os carros vermelhos, verificaremos que parece que existem mais carros vermelhos que o que havíamos notado anteriormente. Não existem, o nosso sistema reticular é que traz mais à consciência por meio do esforço consciente para encontrar. Existem os mesmos carros, mas parece que existem mais. Parece que isto tem a ver com a necessidade de encontrar um x na selva, libertando o cérebro de estímulos desnecessários na procura desse x, quando ainda andávamos de gatas na savana.
 
Portanto, o justiceiro social, é aquele que vai à procura na realidade, de tudo aquilo que lhe comprove a crença. E encontra sempre. Pois passará a dar a ênfase que acha que deve ter o que encontrou, e passa a agir como caixa de ressonância para os outros, manipulando – com boa consciência – a percepção alheia, para os problemas da sociedade, e muitas vezes acentuando a culpa e os maus sentimentos a outros, pobres queimados na fogueira em que são lançados.


Ao mesmo tempo que se queixa das técnicas de manipulação do sistema, o justiceiro social manipula o seu próximo, para ter a sua dose de neurotransmissores.


Mas não se pense que o cruzado espera conversão do herege.
É mais útil um inimigo, que um cristão-novo. Tem de haver sempre uma vítima sacrificial, pois o drogado precisa do contraste, o mundo uniformizado seria a cessação da dose. E por isso as causas sociais nada mais são que modas em vitrines giratórias.
O Casal Ventoso está gradualmente voltando a tempos idos, desta vez não vendendo doses de heroína, mas de indignação.
 
 
 
 
 
 
 
 
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Os ismos são is(t)mos

6/10/2020

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I

O longo interregno de publicação aqui neste espaço, deveu-se a uma decisão minha, quando confrontado por alguém que me era próximo, para eu deixar de discutir política e ideologia.
Tendo em conta a energia que toma conta de mim, e o facto de que consigo bem, terminada a discussão, alienar-me por completo de qualquer ressentimento baseado nela, percebi que se calhar era um mau interlocutor, pois posso levar o outro a um ponto de ruptura, e poucas pessoas se identificam tão pouco com as suas opiniões, que não achem que as mesmas são parte da sua identidade e que portanto um ataque à sua opinião é um ataque à sua identidade.
Não sou nenhum santinho, a minha capacidade de não alimentar ressentimentos com discussões, é porque eu gosto de argumentar e ganhar debates. Tomo geralmente a posição oposta à do interlocutor para poder gerar atrito, e gosto sinceramente do acto de discutir.





Ora há uns 20 anos que anda por aí um movimento que visa tirar-me esse prazer, algo que não posso permitir. E esse movimento é o do politicamente correcto, caracterizado como corpo doutrinal e jargão próprio que visa uniformizar uma mentalidade de colmeia.
 
A Ordem dos Lavadores de pratos, tem um corpo de funcionários cuja função é representar os lavadores de pratos e informar a sociedade sobre a importância vital desta Ordem na manutenção da qualidade técnica dos lavadores de pratos e da função dos mesmos no corpo social.
Se desaparecerem os lavadores de pratos, ou se se relativizar a importância dos mesmos, lá se vão os subsídios estatais, mecenatos, e eminência funcional dos corpos sociais da Ordem.


O bicho papão deixou de ser uma estratégia de assustar crianças, para ser uma forma de sobrevivência, material e egóica, por parte de quem se dedica a causas sociais, reais, ou supra reais, isto é, realidade com esteróides.
Como o código legal português não tem leis que defendam a segregação racial, há que apelar a um conceito nebuloso que é o do ‘racismo estrutural’.



A melhor definição que ouvi do mesmo, é ordenada simplesmente pelo facto de eu ser branco, não sei o que é sentir na pele (não passo o trocadilho) o racismo estrutural.


Tal como não posso falar do aborto porque não tenho útero, mesmo que na concepção, 50% do código genético seja meu.


Como o código legal português pune discriminação de género, há que apelar a um processo revolucionário em curso (que nunca poderá ter fim) para mudar as mentalidades acerca de um suposto machismo…estrutural.


Apontar isto, provoca desde logo uma admoestação «-Como és capaz de negar que existe racismo e machismo?», não nego.


Não os considero é generalizados, ou seja numa teoria de conjuntos onde o conjunto maior inclui todos os portugueses, um conjunto tem racistas e machistas, e apreciadores de açúcar na sopa. Mas não se pode caracterizar o conjunto dos conjuntos, como definível pelas partes.


Mas é isso que se faz, não chega para o justiceiro social, culpar uns marretas eugénicos que andam para aí. Não, a dopamina que recebe é tanto maior, quão maior for o moinho contra o qual se estampa.

O Estado.

A sociedade.

A cultura.

O país.

O gajo ou gaja que se oponha à minha dose.

Torna-se pois, divertido, ver os defensores da justiça cometerem injustiças, os defensores da tolerância, serem intolerantes com os que não pensam de forma igual, e os justifiquem num microcosmos que se valida em si como se fosse uma família nobre transeuropeia de época moderna, casando entre si, para não perder propriedade.


Os ismos nunca terão fim, a sua finalidade não é acabarem com o motivo da sua luta, mas manterem a luta perpetuamente, de forma a justificarem a dose (dopamina libertada por causa do achar que a sua moral é superior, mais justa e humana que a dos outros), de forma a condicionarem o comportamento dos outros de quem precisam para ser o ‘inimigo’, de forma a mostrarem ao mundo que a eminência social, o ser de boa moral são os valores na moda e que eles, justiceiros sociais, estão na moda.
 
Sonho por um tempo em que terei um privilégio que dizem que tenho, se calhar tenho mas não me consigo aperceber porque se sempre tive, não sei que tenho, apesar de nem saber qual é.
Um tempo em que por ser homem e mais ou menos branco dependendo da estação do ano, a senhora que me serve a bica me trata com mais deferência, ou o gajo que refila na fila para o passe social, refira todos os males do mundo e todas as discriminações, e olhe para mim apontando o dedo e dizendo que também eu e os meus antepassados foram vítimas de discriminação.
 
Por acaso tem razão, porque foram todos pobres, mas isso não é chique nos dias de hoje, a não ser que malhemos no ‘sistema’.
O sistema perverso, contra o qual lutam porque sabem no fundo, que o seu nível de conforto material é devido à exploração de outros, mas não querem abandonar os seus privilégios de classe média, portanto sendo melhor filmar as agressões que fazem aos polícias, a propriedade que destroem, com os smartphones que o sistema providencia, onde combinam as vigílias, e lutam contra o racismo, esquecendo os que morrem nas praias que levam ao canal do Suez, pois tentam fazer pirataria em alto mar ou morrer de fome numa costa oriental africana.
 
Os justiceiros sociais não querem saber das causas. Há uns anos atrás, era a ideologia das causas fracturantes.
Hoje é a ideologia da fractura.
Temos, de nos autoflagelar pelo quer que seja que os antepassados fizeram.
Não se percebe se é superioridade moral ou apenas imbecilidade.
Não existe autodeterminação, e o pecado é hereditário.
Tal como a riqueza da nobreza de outros tempos.
 
Minha rica esquerda europeia, o que fizeram de ti?

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Brave New UK is OK

6/25/2016

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I
a)


Dia glorioso.24 de Junho de 2016.Dia glorioso.
Por todos os motivos e mais um.
Um conjunto de povos, até mais ver, decidiu não continuar no monstro neofascista e neoliberal que se assume burocraticamente como «União» Europeia.


Esta ocorrência adquire mais carga simbólica se tivermos em conta que o Reino Unido se 'queixa' das desvantagens de estar metido nesta caldeirada apesar de sempre ter gozado de uma situação de excepção, sempre habilmente negociada (ou no pior dos casos comprada pelos outros países do Eurogrupo) em relação particularmente à política monetária.


Apesar de nunca ter aderido ao euro.
Apesar de ter sido sempre um entrave à federalização da Europa à moda do Iº Reich, a
Grã-Bretanha sempre cumpriu os seus deveres e exerceu os seus direitos assumidos, suscitando
interpretações que iam desde as acusações de estar fora mas dando dicas para dentro, até às acusações do estando dentro querendo secretamente dar o fora.
A máquina política e diplomática britânica nunca deixou de mostrar compromisso com o projecto europeu, desde que ele não fosse contra os seus interesses enquanto nação.


b)


Os endoutrinados burocratas e politólogos sempre se esforçaram por identificar esta postura com uma decisão dúbia, de esperteza saloia até por parte dos britânicos a quem o tempo veio dar razão em razão à sua cautela.
Tendo perto de si dois colossos do velho continente, o sem vergonha designado eixo franco-alemão, cabe aos representantes ingleses, por mais incompetentes que sejam, manter um denominador mínimo de autonomia e independência em relação às potências continentais.


Isto só é censurável, para quem depende do orçamento da Comissão Europeia e para portugueses que tentam assumir o seu alter ego europeu uma vez que não conseguem viver com a má imagem que têm de si mesmos.
A cautela e digamos até alguma desconfiança é salutar e desejável. Sem que por isso se deva acusar de não se estar com o projecto europeu.
Que diga-se e repita-se, o que foi referendado positivamente em 1975, (tendo na altura a Escócia votado contra) não é o mesmo que foi referendado em 2016.


Não nos podemos esquecer que o tratado de Maastricht matou a Europa dos 'Jogos sem Fronteiras' e do 'Festival da Eurovisão', os mais simpáticos instrumentos de charme que a radiodifusão já conheceu.


c)


Os media continuam a sua vergonhosa campanha de desinformação, remetendo para comentadores avulsos e cómodos as crónicas sobre assuntos de ideologia. A Europa a que aderimos, não é a Europa que temos agora, e nem uma única vez foram sujeitos a escrutínio público quaisquer temas relativos aos tratados, que são uma espécie de concílios de Trento, mal explicados à população, que no nosso país recebe as notícias como se de factos incontestáveis, pois estar no projecto europeu significa abdicar de toda e qualquer identidade nacional que não passe como estereótipo bonacheirão.
Upss não se pode falar em 'nacional' que é algo anacrónico e vai contra os paradigmas pop de sucesso, bem como contra as mundividências das massas da classe média de mundos utópicos com céus cor de rosa e nuvens de algodão. Quem fala em nacionalismo só pode ser um porco fascista, pois foram os estados que promoveram as guerras, ou o Estado-Nação é uma coisa ultrapassada por causa da globalização, como se fosse ecologicamente sustentável a médio prazo a orgia de desperdício que essa mesma globalização produz.
Mas não faz mal.


A própria coordenadora do Bloco de Esquerda confessou às câmaras antes do seu congresso que essa coisa dos países como eram nunca mais iria voltar que não tinha condições para isso ou estava ultrapasado, se bem me lembro.


É sempre bom constatar a desenvoltura conceptual e a omnisciência dos nossos políticos, que sabem tanta coisa da vida e do mundo que nos podem ensinar a todos, neste caso acerca da marcha do progresso, que apresenta (como o discurso da senhora Martins o prova) semelhanças com todos os impérios passados que se consideravam eternos.


A senhora Martins por outro lado, sempre rápida a reconhecer o direito à autodeterminação dos povos, nomeadamente no 'vespeiro' do Adriático, ou pela causa curda, reconhece perante as câmaras, por certo para aplacar os facilmente impressionáveis, que na Europa (onde as identidades nacionais são demasiado fortes – e isso corresponde a uma força cultural e não a um defeito) isso dos países está ultrapassado.


Menorizamos os motivos dos povos das Ilhas Britânicas chamando-os de racistas, como se cerca de 17 milhões de votantes fossem movidos por ódio ao kebab ou ao vindaloo.


Chega-se a ler que quem votou a favor do Brexit foram os ignorantes e hooligans.
Acho que deve-se colocar primeiro a seguinte questão, será que nos damos conta de que a «União Europeia» ou o «Projecto Europeu» se transformaram em dogma religioso?


d)


Que democracia europeia é esta que prevendo (há uns anos atrás repetia-se pelas redacções dos Telejornais de que não havia plano de saída para os países, porque não se acreditava que alguém quisesse sair, ontem descobriu-se que afinal tinha ficado escrito preto no branco, no Tratado de Lisboa) a saída de um Estado Membro, o castiga com impropérios ao jeito da pior disputa conjugal?


Os britânicos não foram nisso e em coro, na oposição interna e nos países 'amigos' chamam incompetente a Cameron por ter chamado o povo a dar voz. Os mesmos que criticavam a asfixia da austeridade agora vêm a público dizer que o Reino unido veio estragar a coisa que estava agora tão boa.


Curiosamente os mais comedidos nas críticas são os países periféricos, maltratados pela austeridade. Com excepção à malta da escola de Chicago que enxameia as faculdades de Economia em Portugal.


e)


O que o Reino Unido provou democraticamente (provavelmente saindo o tiro pela culatra a quem pretendia calar a critica interna com uma legitimação popular, que foi em sentido inverso) neste referendo, é que existe limite para comodismo e para a submissão que qualquer povo está disposto a suportar SE mantiver o mínimo de dignidade e margem de manobra para exercer a sua liberdade.


As Ilhas Britânicas a dar o exemplo no exercício da liberdade desde a Magna Carta.
Brave Great Britain.


II


f)


Admito que exultei com este resultado.
Já tinha passado a fase do desespero.
Passei a do cinismo.
Estagnei na da apatia.
Não tinha esperança de ver no meu tempo de vida, a potencialidade de a médio prazo, poderem vir a ocorrer alterações no meu país, pelo qual jurei bandeira e que tenho observado lenta e gradualmente transmutar-se em protectorado. Com uma eficiência que deve muito a Bismark.


Já me tinha acostumado à ideia do florescimento do Estado Totalitário e Burocrático em que vivemos, onde a reificação do cidadão se designa de 'gestão eficiente', e onde o dogma religioso (a ideia de examinar a utilidade de uma união europeia é algo de tão evidente que nem merece exame por parte da maioria dos interlocutores que não se imagina noutra situação) é palavra do (S)enhor.


g)


Que fazer desta segunda natureza das gerações mais jovens que nunca conheceram o país antes da adesão, ou das elites que à conta do Erasmus transmitem nas Universidades que o futuro do país está no Turismo e em não sair da UE que é o nosso abono de família, a nossa São jorge da Mina do século XXI, o nosso Brasil que nos entretém mais umas décadas enquanto adiamos de novo o nosso destino como nação?


Que fazer a motivadores pagos pela Comissão Europeia que circulam por anfiteatros universitários pregando ao dinamismo, pá estão num mercado de 500 milhões arrisquem, coloquem uma mochila às costas e tornem-se empreendedores da vossa própria a vida, ocultando-se o facto de que aqui, na jangada de pedra, é onde existem menos licenciados, e mais licenciados no desemprego, em toda a Europa.


h)


Várias falanges sociais tremem com a sombra de um referendo.
Só quem tem algo a perder, naturalmente.
Quem vive na merda e na miséria sabe menos o que é a Europa, que aqueles que de acordo com a comunicação social, andaram a pesquisar no 'Google' no que tinham votado no referendo, tentando mais uma vez passar um atestado de imbecilidade ao eleitor britânico.


Os ingleses, galeses, escoceses não rejeitaram Portugal ou a Roménia. Rejeitaram a Europa do directório.
Rejeitaram a Europa em que a Alemanha arrasa com os têxteis europeus para poder vender maquinaria pesada à República Popular da China.
Rejeitaram a Europa que perdoa sem sanções durante décadas o desrespeito por deficits acordados, à França e Alemanha, para no momento seguinte castigar PIGS, por não cumprirem com o deve/haver. Ou seja, um sistema burocrático e político que é fraco com os fortes e forte com os fracos.
Rejeitaram a Europa que permite que durante anos não se procedam a aumentos salariais na zona do Ruhr (aliás em toda a Alemanha), erradicando quase por completo toda a indústria em redor, incapaz de competir. Depois de dar cabo da concorrência há que fidelizar. E é por isso que a outrora brilhante indústria automóvel inglesa, com centenas de milhar de engenheiros produzindo excelentes produtos, está de rastos ou nas mãos de estrangeiros enquanto que o Estado alemão ainda tem percentagem de acções nas maiores empresas, alguém se lembra da golden share?


Como dizia o Miguel Sousa Tavares, num comentário que foi esquecido pela maioria das pessoas «(...)era o que faltava alguém chamar à atenção quem mais joga dinheiro na União Europeia».


i)


A Europa a 27, que após o referendo, reuniu a 6, os 'fundadores' como se os restantes 21 fossem verbo de encher.
Brave Great Britain.


Chamam-lhe 'democracia representativa', alguns.
Mesmo que não os tenhamos eleito para nos representar.
Muitos dos indivíduos da minha geração, e até anteriores, gosta do Portugal do Ronaldo-o-melhor-do-mundo-é-português. Rejeitando com algum rubor e vergonha o português dos 3 b's : bigode, barriga, e barril, que era imagem de marca nos anos 80.
É por esta hipótese de análise de psicologia social, que podemos começar a fazer um exame político ao cadáver adiado da CEE pós Maastricht.
A questão do comodismo também vem dar um contributo ao tema.
O pessoal do turismo e dos gadgets que destesta o tecido produtivo no torrão pátrio gabando-o noutras coordenadas geográficas, é aquele que mais sofre com o espectro de não poder comprar nas lojas online que estão sediadas no UK ou que fazem passar pelo UK a expedição dos seus produtos.


j)


Já ninguém quer falar da ingerência desse polvo de índole mafiosa que é a Comissão Europeia, gente sinistra com ingénuas ligações à Goldman Sachs ou ao Lehman Brothers que transita do FMI para a Comissão e da Comissão para o FMI.
Ninguém quer falar das vergonhosas campanhas patrocinadas pela Comissão onde quer que exista um referendo que tenha consequências para o poder ou prestígio desta comissão, na Grécia, Escócia, Irlanda, etc. num claro exemplo do que é ingerência na política interna de um país.
Queixas de agressividade e cinismo inéditos em campanhas eleitorais ocorrem sempre que o dedo da Comissão Europeia vai provar a temperatura da sopa, usando os métodos mais eficazes de apelo ininterrupto à emoção, simplismo e lugares comuns, em manobras que muitos analistas, politólogos da praça apenas identificam em regimes totalitaristas (nem todos, a Arábia Saudita é amiga por exemplo). Disto, os media nacionais, não passam, talvez porque é mais fácil comprar notícias à Reuters, France Press ou BBC do que ensinar aos estagiários a utilizar o Google Translator para verter as notícias para português. Alguns até as fabricam, tudo em nome da democracia representativa.


As tácticas de manipulação de opinião, quando provenientes da Rússia por exemplo, são de escola estalinista. Quando provenientes da Comissão Europeia, são legítimos e profundos apelos à razão.


k)


O indivíduo português particularmente é avesso e acrítico a alguma análise ao que consista ser-se 'europeísta'. É-se e pronto, «não há palavras.» - seja qual for o conteúdo denotado.


Se sair mais uma directiva da Comissão Europeia afirmando que só europeísta quem saltar para dentro de um poço, no dia seguinte esgotam-se as toucas de silicone na Sportzone e Decathlon.
Ser europeísta é ser sofisticado, responsável, moderno, ecologicamente consciente, humanista, comprometido com a paz, como se fosse a União Europeia a responsável por 60 anos de paz nos quais todos os países possuem os exércitos próprios.


Passa-se a ideia de que o comércio cria as interdependências necessárias que dissuadem do conflicto pois os oponentes perderiam algo de igual forma.
Mas a paz só foi mantida jorrando dinheiro, ou melhor deslocalizando-o.
Apenas enquanto há um equilíbrio em que todos ganham, ou onde uns poucos ganham mas controlam completamente os outros.
Os britânicos gostam de dançar, mas apenas o foxtrot e não esta valsa.




Passa-se a ideia de que uma postura crítica ao projecto europeu, (aquele do milho grátis, não este do redil construído) é feita por extremistas.
Existe a esquerda e a direita moderada e responsável. Os criticos são sempre os extremistas de esquerda ou de direita. Um partido neonazi europeísta é baptizado de 'democrata-cristão' só por pertencer ao mesmo credo.


Por mais fascista, idiota ou pérfida que seja a lei europeia sugerida (não precisa de ser imposta, e mesmo imposta no caso português, se a multa for inferior ao lucro que se retira da infracção, não é para ter em conta, veja-se o caso do IA) desde que seja europeia diz-se 'Ámen'.


E assim temos 80% do nosso corpo de leis oriundo de Bruxelas.
Ou seja, a soberania nacional está descentrada do próprio país e o próprio teor de definição da União Europeia é o mercado. O chamado Estado Social europeu está originalmente pensado no Estado-Nação e não na «União» que o utiliza como bandeira de propaganda para aplacar o facto de que a Comunidade Económica Europeia, não deixou de o ser. Isto é apenas uma guilda de feirantes.


Continuo a pensar que o estado da coisa não se deve apenas a uma identificação moral entre «Europa» e progresso civilizacional na cabeça dos portugueses.
Há também uma correspondência a um profundo complexo de inferioridade no nosso modo de pensar, ora tudo o que é externo, tudo o que é estrangeiro é bom, ao mesmo tempo que nos telejornais e conversas de café nos regozijamos porque temos o melhor pasteleiro de Londres, uma das melhores investigadoras no laboratório Y ou um sapateiro numa marca conceituada de chinelos, tudo como exemplos de como o português pode estar entre os melhores, como se isso fosse motivo de espanto.


l)


Em suma, e de acordo com as redes sociais, poucas são as expressões de regozijo por:


a1) realização de um sufrágio universal em que o povo é chamado a decidir o seu destino colectivo, especialmente em assuntos europeus – algo que temo que nunca seja concretizável no nosso país, e isto independentemente de o mesmo ter sido planeado para sacudir o peso crescente do senhor Farage, por parte do senhor Cameron, tendo o tiro saído pela culatra de acordo com as sondagens sensacionalistas que sempre precedem estas votações, decerto sem o intuito de influenciar o resultado final;


a2) rejeição deste 'modelo' europeu por um país que não recebe lições de democracia de ninguém, que não aderiu ao euro para estar no pelotão da frente (vide Guterres) e assim evitando um instrumento de controlo centralizador e de desigualdade entre economias, país que tinha direitos de excepção nos 27;


a3) supostamente, ser respeitada quer a vontade de um povo de sair de uma espécie de federação, bem como ser respeitado o direito de a espécie de federação «deixar» sair um dos seus membros – dando um exemplo ao mundo de como nem sempre os divórcios acabam à paulada.


Ao invés, pelo que é possível perceber nas reacções, é que os malandros dos britânicos estão a ser estúpidos e racistas, e a dar cabo do bem bom para toda a gente e são desde já os responsáveis pela IV Guerra Mundial.
Porque:


b1) vão dar cabo da Europa, essa maravilha que permitiu 60 anos de paz, paga, de fundos de convergência que culminaram em dívida, como se fosse literal essa associação, ou se o clima de apartheid entre membros a Norte e a Sul do Reno não fosse uma espécie de Guerra Fria;


b2) deitaram por terra os ideais europeístas dos fundadores como se cada postador de Facebook fosse um profundo conhecedor de Jean Monnet ou de monsieur Schuman, e como se essa mesma herança não estivesse já morta e enterrada, a fazer tijolo para um estado totalitário;


b3) as motivações britânicas são exclusivamente xenófobas, repetindo de forma insultuosa o mote que os meios de comunicação apoiantes do Brestay, como se a avaliação de metade de um país que sempre soube acolher bem outras nacionalidades e crenças, (leia-se Voltaire), dependesse exclusivamente de motivos mesquinhos e egoístas, desvalorizando por completo a opção de cerca de 17 milhões de pessoas e chegando mesmo ao ponto de utilizar uns supostos dados de motor de busca para ridicularizar a opção dos britânicos querendo passar a ideia de que não sabiam no que estavam a votar ou de que mudaram de ideia no caminho para as urnas – a que se pode responder com outra pergunta, a saber, se foram esses motivos mesquinhos que conduziram para a saída, não foram também mesquinhos os motivos (económicos) para a entrada?


b4) os mesmos que agora criticam, coincidem com aqueles que há uns poucos anos atrás, tinham o credo na boca a cada passo por causa do terror da imagem que dávamos de nós próprios enquano portugueses, nada de incompetentes e estróinas – nada disso- adoramos pensar que somos os «bons alunos».
«Nós não somos a Grécia!» repetia-se o ano passado, e ai de quem ousasse fazer ou dizer algo que nos fizesse parecer mal. Deputados nacionais houve, que foram ridicularizados e criticados por sugerirem calma em relação à questão europeia, ai os mercados, ai a comunidade internacional.
E tudo isto para mascarar o miserável facto que preferimos criticar os ingleses que vão piorar a vida dos 400 000 que moram no UK, em vez de criticar as condições que os forçaram a ir para lá, preferimos martelar contas ou meter criancinhas como ingredientes de hamburguer que passar uma má imagem de nós próprios, temos terror do que os outros pensam de nós.
Não queremos que saibam o que somos na realidade, um país de complexados incompetentes, incapazes de qualquer evolução ou reformulação social, que fecha escolas e deixa os velhos morrer nos hospitais, para salvar o sistema financeiro.


Como podem os outros ter má imagem de nós, os sabujos, se só no Reino Unido vivem 400 000 portugueses (mais 200 000 e suplantavam os retornados das ex colónias), é que os britânicos devem pensar que só foram para lá por causas das praias e do Sol, ou porque adoram a Tower Bridge e peixe com batata frita. Não, não existe miséria em Portugal. Eles saem de lá em vagas migratórias, porque são empreendedores.
Assim percebem eles a nossa miséria, já que nós não o fazemos.
Que bem que se está na Europa.


Brave New Britain
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A surpresa

10/6/2015

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A surpresa




Embora não fosse credível nenhuma novidade ou surpresa no acto eleitoral de 4 de Outubro de 2015, havia ainda uma nada deslumbrada esperança de que face à violência do anterior mandato da coligação de direita, seria óbvia uma rejeição em massa dos mesmos protagonistas.




Um castigo, a um dos mais inaptos e lesivos executivos de governo da República Portuguesa.

Esta afirmação não se prende com uma mera discordância ideológica, emerge a partir do facto indesmentível de que no nosso período de vida assistimos à maior diáspora da mais formada geração que Portugal deu à luz.




Estamos perante o exílio, quase sempre em definitivo, de nossos compatriotas, empurrados para fora, com sofrimento impossível de quantificar em gráficos do I.N.E., bem como o aumento de suicídios e outros indicadores de problemas sociais.




Tenho a forte convicção de que nada, sem ser a guerra civil, é mais indicador da falência e corrupção de governos e regimes que o êxodo em massa de cidadãos para fora do seu país, por a vida se tornar aí insustentável.




Tenho-o repetido até à exaustão, mas parece que nos meios de comunicação social o assunto é secundário, perdidos que estamos na auto flagelação por sermos morenos, madraços e mediterrânicos.

Este êxodo derrota completamente qualquer justificação para a existência de um Estado.

Se entendermos o Estado como uma ferramenta de organização e exponenciação da vida comum, de forma a o cidadão proteger o seu direito e dever a uma vida melhor, a negação deste direito e dever é por consequência a negação do Estado.




Por miúdos, se o Estado visa proporcionar uma vida melhor, a emigração recente é a negação do Estado.




De que serve a existência, paga e custeada pelo cidadão, de um conjunto de instituições subsumidas sob o nome 'Estado' que visam regular e facilitar a vida e coisa pública, se a vida e a coisa pública são impossibilitadas e privatizadas (alienadas da comunidade) por essa mesma Instituição de instituições?




Podemos embarcar no cisma da coligação de direita, repetindo que é tudo consequência de mandatos anteriores, a culpa é dos outros, os anteriores, a troika, dos mercados, dos ratings, de Bruxelas, do despesismo, etc.

Podemos repetir até à exaustão os mantras de que estamos a melhorar, a crescer, a evoluir, numa clara negação da realidade lançando-lhe confiança, panaceia para a economia.




Mas existem pelo menos 3 ideias que de um certo ponto de vista lançam por terra este condicionamento neuro-linguístico, e que simultaneamente permitem erguer critérios de avaliação sobre a competência e irresponsabilidade dos eleitos e dos eleitores, podendo expor a conclusão de que isto é tudo gente do passado, um anacronismo opcional agora, mas obrigatório extirpar num futuro próprio.



















São elas:




1) Portugal foi, é e sempre será um país pequeno e periférico. Particularmente porque não controla a sua localização geográfica nem a sua situação económica. Esta última, cremos, por motivos que implicam o reordenamento da estrutura social, e que têm apoios constantes e vigorosos de uma mentalidade reaccionária. De uma forma ou de outra a estrutura classista tem conseguido perpetuar-se ao longo dos séculos, e a 'integração' na União Europeia não corresponde a um projecto português (aliás nunca referendado ou sujeito a outro tipo de sufrágio) mas a um projecto feito por outros, ao qual Portugal aderiu inebriado pelo acesso a fundos comunitários.

Isto tem sido repetido até à exaustão pelas sucessivas oposições, andámos a viver acima das nossas possibilidades, mas apenas porque as possibilidades não eram nossas.




2)O ritmo de exploração do capitalismo actual é vertiginoso e incomportável para o planeta.

Continuamos a aposta numa economia de massas, composta por excedentes e lucros, que falha rotundamente numa gestão racional dos recursos, tudo branqueado pela repetição do dogma de auto regulação dos mercados. Quem não percebe a imoralidade de consumir uma banana que atravessou um Oceano e um Hemisfério para chegar às suas mãos, não pode ter o mesmo direito de voto que pessoas mais esclarecidas.




3)Continuamos a apostar na desigualdade social, não a resolvendo, apenas a mascarando. Solidificamos uma sociedade amaciada pela hipocrisia, a que damos o nome de 'meritocracia'.

Sobrevalorizamos o egoísmo e a ambição e apagamos essa má consciência com impostos.




Concorde-se ou não com estas 3 ideias, há uma que é evidente quer a nível de trabalhos científicos quer na presença da voz popular.

É a de que o planeta onde vivemos é um sistema fechado.




Só por si este dado devia determinar uma economia gerida por recursos e não ao sabor dos 'mercados'. Não pode ser a biosfera sujeita a este tipo de pressão, só por causa dos bens de prestígio e de economias cujo ópio é o desperdício e o escalonamento em segmentos relativos ao estatuto social dos consumidores. Parece que foi isso que aconteceu na Ilha da Páscoa, e não parece ter sido produtivo.




Sustentando nós uma economia autofágica e autotélica, baseada no consumo e na obsolescência programada, temos de olhar para esta gente dos partidos, advogados e economistas, e perguntar se são eles, além da corrupção abafada, que servem para gerir a cada vez menor coisa pública.




Grande parte das pessoas na minha rede de conhecimentos e relações, esboçou, com pasmo e indignação fácil, uma reacção em relação aos resultados eleitorais do passado Domingo.




Não percebo o porquê do espanto.

Quem votou na coligação de direita, foram os mesmos, foram todos aqueles que acreditam que a malta de direita tem dinheiro e está habituado a geri-lo. Foram todos aqueles que repetem frases feitas de que o socialismo consiste em gastar bem o dinheiro dos outros e outros lugares comuns, que pela estupidez têm força para calar qualquer tentativa de resposta.




Quem votou PAF faz pouca fé nas ideias anteriormente indicadas.

Os eleitores são geralmente pertencentes à burguesia urbana com forte crença na possibilidade de regulação do capitalismo moderno, igual crença na infinidade de recursos naturais e humanos, e por fim, acreditam piamente na desigualdade, de facto, entre humanos, seja desigualdade genética, seja social, seja de ânimo ou auto motivacional. Apenas os mais corajosos o veêm e admitem.




Os outros mascaram com a falácia da meritocracia.




Esta meritocracia é bipolar, no sentido em que por um lado parece óbvio que os 'melhores' (critério nebuloso) fazem evoluir a sociedade, mas por outro lado o meritocrata assumido assume-se como uma minoria, uma excepção contra a regra.

Os outros são a seus olhos, todos uns calões, oportunistas, ou conformados, enquanto apenas ele e quem ele respeita (respeito que pode vir pela posse de bens de prestígio que o meritocrata almeja) – o meritocrata está sempre no lado oposto ao dos incapazes e preguiçosos, dos piegas.




O meritocrata que tem alguma coisinha arrancada ao mercado de trabalho, tira valor para si através da decuplicação do seu sacrifício.

O meritocrata é bom gestor, bem remunerado porque trabalhou muito, se esforçou muito. Uma mulher da limpeza ou pedreiro, não se esforçaram tanto, portanto têm isso reflectido no salário. Até porque não estudaram, andaram por aí a vegetar. Se alguém estuda é porque o que aprendeu nada vale para o mercado do trabalho, ou porque existem licenciados a mais.

A meritocracia é sempre uma desculpa com costas largas para justificar a desigualdade.




É mais fácil encontrar uma manada de unicórnios nas Berlengas, que um cidadão trabalhador português que assuma que assuma a sua incompetência com igual denodo com que assume que os outros é que são sempre os responsáveis pelo estado a que 'isto' chegou, revestidos de defeitos contrapostos às suas próprias virtudes.




Mais difícil será encontrar um gestor, ou administrador de empresa que desfaça por terra a sua crença de valor próprio, afirmando que o trabalho que faz pode ser feito por outro, pode ser feito por um tipo da linha de montagem se lhe for dada formação e informação para isso. Onde está portanto a base da desigualdade laboral? Nas habilitações? Nas opções da vida pessoal de cada um?




Na mobilização a troco da própria individualidade ou na capacidade de reunir e passar informações sobre colegas de trabalho aos capatazes, com o objectivo de melhorar o expediente?




As profissões são remuneradas tendo em conta a sua escassez? Porque recebe mais um médico que um alfaiate ou que um artesão que constrói guitarras ou canecas das Caldas?




A classe média portuguesa legitimou mais do mesmo, pelo menos metade da classe média. A outra metade vingou-se comodamente através da abstenção, elaborando cenários segundo os quais os políticos iriam fazer uma profunda auto culpabilização e reflectir gravemente sobre o fenómeno.




A classe média que continua a legitimar a mesma incompetência de sempre, é a que pode e quer continuar a mandar vir gadgets da Amazon, a visitar Nova Iorque em escapadinhas nas pontes que elabora logo no início do ano, para tirar fotos e meter nas redes sociais dignificando assim a sua própria existência.




É a classe média que optando, e sendo contra, pode colocar os filhinhos no ensino privado, como se fosse um mal necessário e protector, que acha que por poder pagar mais tem direito a um um serviço de saúde um pouco melhor. São os sinais do tempo e temos de nos adaptar.




Os pobres, miseráveis, esses têm telemóveis e não poupam e não temos de pagar por eles, de dividir o fruto do nosso trabalho tão arduamente ganho nos serviços ou no import-export.




Raios, temos direito ao nosso cimbalino diário com pastel de nata no refeitório da empresa, que nos subcontrata para fazermos o que ela não quer fazer, e nós subcontratamos outros para fazer o que nós não queremos fazer, afinal, somos inovadores e competitivos.

O que sustenta os partidos do arco governativo são estas legiões urbanas e suburbanas, são os reformados que defendem aguerridamente as suas pensões, e que escolhe de acordo com o grau de boçalidade o seu candidato.




O que sustenta a coligação PAF são aqueles que ainda têm alguma coisa, e que não querem perder aquilo que acham que têm. Pudera, foram traçados cenários caóticos pelos comentadores e paineleiros dos canais generalistas isentos.




O crime não é defenderem o que é 'seu'.

Não.

A sua falha é não conseguirem perceber que de acordo com a plausibilidade das 3 ideias acima citadas, aquilo que é 'seu' não é passível de defesa, pois não depende de si.

As pensões não dependem deles, tal como a sua riqueza material não depende de si. Basta a China querer o monopólio dos Call Centers, para boa parte destes eleitores se ver na posição daqueles desempregados a que hoje chamam de parasitas e madraços.




Como exemplo, de nada adianta defender o direito de os portugueses comerem bananas, se as greves dos camionistas franceses ou espanhóis implicarem uma ruptura de stocks em Portugal. Não depende de nós. E nada ou quase nada é feito para corrigir esta dependência, não é uma questão do dia.




Ao contrário de muita gente, e pese embora as minhas esperanças, sinto algum alívio nos resultados destas eleições.

Por perceber que para haver tanta gente a querer manter este executivo, e haver ainda mais a achar que o melhor protesto é o silêncio, é porque ainda há muita riqueza ou cegueira no nosso país.

Se for riqueza, prova-se a competência do executivo.

Se não for, é porque há muita banana em Portugal.


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A máscara e a congruência – Parte 3

9/14/2015

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V

            O Costa do castelo, ou seja o líder socialista António Costa, veio a terreiro defender que o drama dos refugiados é afinal uma oportunidade, desta feita não para os portugueses emigrarem, pois isso seria escandalosamente próximo do seu oponente no mesmo espectro político, mas para encetar a maior campanha de repovoamento a seguir à realizada logo a seguir à fundação da nacionalidade, na Alta Idade Média.

Com refugiados. Sírios. Islamitas.

Curioso como a História parece repetir-se, desta vez só alterando a confissão religiosa.

Uma espécie de Reconquista Cristã, ao contrário.

Nada temos contra a confissão religiosa em si, ou contra o acolhimento de pessoas que escapam a guerras que não provocaram e procuram abrigo noutras paragens.

Mas há que pensar na forma como os nossos políticos olham para o mundo.

É que para o líder socialista, os refugiados viriam para o nosso interior desertificado, sem escolas, esquadras de polícia, bombeiros ou hospitais, para trabalharem nas florestas e na agricultura.

Para o senhor Costa, retirar a possibilidade destes refugiados do Norte de África e do Médio Oriente  de rumar ao El Dorado além Reno, parece um presente solidário.

Oportunista e bom leitor do espírito reinante, como qualquer político aspirante ao poder, o senhor Costa tenta surfar a onda de solidariedade moral, que está a varrer, lado a lado com a reacção à entrada de corpos estranhos, o continente europeu.

Já vimos isto com Maddie, ou com o 'Salvem Timor' e a palhaçada do Lusitânia Expresso,  de vez em quando surgem assim umas campanhas de massas apelando a uma adesão moral a que é de bom tom mostrar que se partilha, transformando as causas verdadeiras em mais uma moda apalhaçada.

A fuga dos refugiados parece ter como alvo os arredores do Ruhr, para o centro da Europa ignorando por completo as periferias, o que não deixa de ser irónico.

A Alemanha vítima do seu próprio sucesso.

Estes refugiados sabem o que querem e o que não querem, são desesperados mas não a qualquer preço.

Esse foi o erro de Costa, motivado por anos de vida em redoma, ou por manifesta infelicidade nos pensamentos e nas palavras.

Deve ter pensado que os desesperados vindos do 'deserto' se contentariam em tornarem-se escravos em país alheio. Esta gente que vem da Síria, viveu num regime cruel, e cuja guerra civil foi despoletada por maus anos agrícolas e conflictos sociais que emergiram por causa da ocupação das terras.

Está-se mesmo a ver esta gente a querer ir fazer o que os portugueses não querem fazer, por causa da desconsideração que se considera ser um ordenado baixo, trabalho repetitivo e sem muita consideração social.

Esta espécie de cinismo, no qual os refugiados são metidos onde ninguém quer viver, e onde o Estado não investe um tostão para fixar populações envelhecidas, não é mera infelicidade de informação. Revela ao invés uma concepção social e antropológica que deveria colocar de sobreaviso os eleitores para o próximo acto eleitoral, se eles não votassem exclusivamente por caras e preconceitos.

A simpatia para estes potenciais refugiados é coerente pela demonstrada ao camarada de partido, Zé Seguro.

Para Costa como para Coelho, o 'C' não é de curto circuito mas de complementaridade.

Para Costa como para Coelho, qualquer emprego é melhor que nenhum emprego, e quase que é ofensa se um sírio recusar trabalhar de Sol a Sol, para os exemplos de gestão que encontra nos patrões portugueses, que pagam bem e que já têm as explorações agrícolas a abarrotar de emigrantes, os únicos afinal que conseguem fazer render os ordenados de miséria, requisitos para não perder competitividade.

Há contudo aqui uma diferença visível entre a direita e a suposta esquerda portuguesas.

Se o senhor Coelho se lembrasse primeiro (como o Futebol Clube do Porto se lembrou das doações de 1 milhão de euros para a causa como forma de passar um pano por cima dos inusitados investimentos no plantel de futebol) já o estado português teria firmado protocolos com empresas de serviços e telecomunicações recrutando em regime de trabalho temporário e a recibos verdes, o que faria esta gente toda revitalizar o mercado de trabalho, fazendo os portugueses nestas condições ter de trabalhar mais e deixarem de ser piegas, pois malta que vem do deserto e da guerra, trabalha por tuta e meia, ou melhor, ajuda a aumentar a competitividade.

Baixar os custos do trabalho?

Vinde irmãos, esta é a nossa prenda em nome dos antepassados fenícios em comum, somos solidários, vinde se trabalhardes para nós, a fazer o que não queremos, num país com desemprego alto apenas porque os autóctones não querem 'vergar a mola' como diria o camarada Jerónimo.

A dupla CC (Costa e Coelho) não antevê qualquer critica de conteúdo às palermices que vai dizendo e fazendo. Por um lado dizem claramente que Portugal é um país pequeno que não tem peso no mundo, e que só à conta de esforço e competição nivelada por baixo com colossos populacionais é que nos safamos. Mas cada um destes líderes sente-se mandatado como Duce de grande potência nos 'recados' que manda à 'Europa' via câmaras das estações televisivas, que abjectamente os procuram para todo o tipo de comentário relevante ou nem por isso.

Não consta até ao momento, que as estações passem o recado ao destinatário, ou que a 'Europa' acordada pelo ímpeto de tais mensagens e do peso de tais líderes reconsidere o natural atavismo do seu proceder. Os discursos são portanto semelhantes aos impropérios que condutor azelha diz a outro que o chama à atenção por uma infracção no trânsito, levando a mulher ao lado.

«-Só não lhe dou porque ele fugiu num carro mais rápido!» - isto é, são discursos para português ver.

Mas o tuga gosta.

Epá o Costa ontem mandou um recado para os gajos que os gajos até amouxaram. O Coelho ameaçou de porrada com um espanador de penas que eles até tremeram.

Este fingir que mandamos alguma coisa agrada ao português comum, que durante alguns instantes não se sente tão irrelevante e miserável.

Nada interessa perceber a ingerência europeia e americana nos conflictos no Sul do Mediterrâneo, desde os bombardeamentos na Líbia ao braço de ferro com a Rússia na Síria, ou o interesse americano, que por muito menos por duas vezes invadiu o Iraque, colocando o Médio Oriente a ferro e fogo.

Nada de criticar uma Europa que agora exige solidariedade quando antes exigiu austeridade, mas só agora que a crise chega ao centro da Europa, pois se ficasse nas orlas, o problema seria à mesma dos PIGS.

Enquanto o problema estava no Sul, o céu na Alemanha estava azul.

Este dito engraçado não é do camarada Jerónimo.

Costa e Coelho não podem criticar uma Europa que recebe refugiados em catadupa, especialmente para o emprego disponível. A federação alemã, vem buscar médicos à porta das universidades portuguesas, e isso ainda é como o outro. Juntar sírios não formados e misturá-los com milhões de turcos que há anos formam a maior comunidade de 'estrangeiros' aos quais não sabem o que fazer, tal como os franceses, como periodicamente podemos ver nas notícias.

É que se souberem jogar à bola, podem ser naturalizados, se não sabem, é difícil.

Mas a própria Europa tem sido solidária por interesse próprio, pois recebe imigrantes desde os anos 60, para baixar o custo do trabalho, para ter gente a fazer o que os autóctones não querem fazer.

Agora tem de lidar com comunidades que não se integram numa certa forma de estar mais ou menos comum de Lisboa aos Urais.

Não porque estas comunidades sejam más ou mal dispostas, pura e simplesmente porque não abandonam as suas tradições e culturas.

A questão dos valores culturais tem repercussão directa sobre o saldo demográfico destas comunidades.

Não se trata de uma questão de racismo ou de negar auxílio aos refugiados.

Trata-se de enunciar rapidamente, que é um assunto que tem de ser debatido.

No exemplo português, há muito que se abandonaram quaisquer tentativas em larga escala de manter uma cultura portuguesa e já nem falo da quantidade de músicas em português que passam na rádio. Portugal não está na moda, especialmente para os portugueses, nem quando o Mourinho ganha mais um título.

Resta erradicar o caldo genético de 8 séculos, matando os velhos nos lares e recebendo toda a emigração possível, desde que se impeça os jovens autóctones de procriar e enxotá-los daqui para fora o quanto antes.

Lembro até certa intervenção do senhor Marcelo Rebelo de Sousa que exortava à importação de malta para trabalhar, pois iriam ser esses a meter o dinheirinho para a nossa (dele) segurança social, ergo, reformazinha.

O senhor António Guterres, teve discurso semelhante aquando das obras de construção da Ponte Vasco da Gama.

Que mal fizeram os portugueses para serem tão mal tratados?

Eu não defendo a entrada de nenhum refugiado em Portugal, enquanto os portugueses forem o povo mais racista da Europa. São racistas, porque odeiam, não suportam, portugueses.

A dupla CC não tem interesse em colocar estas questões na mesa. Só interessa privatizações e contas furadas, sem qualquer plano de futuro que não passe por acenar com chupa-chupas aos emigrantes para voltarem para onde nem os refugiados querem ir.

Mesmo na 'Europa' se observa esse sentimento de estranheza.

Quem está a financiar esta vaga de refugiados?

Como é possível uma diáspora a partir de viagens dispendiosas, a partir de países em que para comprar um Iphone, um ano inteiro de trabalho não chega?

Portugal, palco de uma guerra civil de luva branca, país com 5 milhões de nacionais fora do seu território natural, tem legitimidade para pensar este assunto com a profundidade que merece?

Um em cada três portugueses não está em Portugal.

Não somos também um país de refugiados?

Podemos criticar o monstro burocrático europeu, que com suas conivências e ingerências ajudou a criar o caos à porta de casa, e fez emergir a abominação do Estado Islâmico?

Pelas redes sociais, é tudo uma questão entre a boa moral e aqueles que acham que têm de reeditar as cruzadas contra os mouros.

Ouvi dizer que Tânger é bestial nesta altura do ano.

Pouca gente se insurge contra o aborto europeu, ocupados que estamos a mandar vir smartphones da amazon.uk e a vender queijo dentro de azeite gourmet para a Alemanha.

Nem tudo está mal, o senhor Garcia Pereira, esse radical, já fala de saída do Euro, o que já mostra que a ideia se está a entranhar. Sempre teve faro para onde daria o vento, e com o descalabro grego, parecia que nunca mais iríamos sair desta nau dos loucos.

E não vamos porque a malta sente que esta nau Portugal, não tem futuro.

Primeiro porque estamos habituados aos gadgets e aos problemas da gula que afligem os países desenvolvidos como nós. Macacos nos mordam se daremos algum passo atrás.

Ninguém quer saber porque coincide esta vaga de miséria humana com os apelos à criação de um exército único europeu. Faz todo o sentido, somos todos europeus, apesar de uns serem de primeira e outros de segunda, pois uns são formigas e outros cigarras.

Os mercados exigem que a Europa se revele uma potência mundial, evitando o fim do seu processo centralista ao mesmo tempo que crianças mortas dão à costa e as classes médias se sentem horrorizadas e aliviadas com a sua sensibilidade. As mesmas classes médias que legitimam os cúmplices dos dramas que batem à porta e que daqui a nada desaparecem porque deixam de ser noticiados.

Pela primeira vez no século XXI todos os comboios vão dar à Alemanha, desta vez em sentido oposto ao que no século passado marcou o maior horror na história do velho continente.

Portugal perdeu mais uma vez o comboio da História.

Entretanto resta-nos ir delirando com os políticos que fornecem a ilusão da alternância democrática, e lavar as vistas em periódicos cor de rosa.

Bem isso é uma redundância.

A política é entretenimento.

Que me interessa onde o 33 vai votar.

Que interessa as coligações, que interessa toda a ficção jornalística que visa a mistificação do processo político?

Não vale a pena ter esperança no futuro.

Os profissionais da propaganda e os profissionais da política vão continuar a surfar as ondas da moda de pensamento.

Portugal é a zona de rebentação de uma praia, ora se estatelando na areia, ora ganhando força andando para trás para se voltar a estatelar no areal.

O que vale é que a malta gosta.

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A máscara e a congruência – Parte 2

9/14/2015

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IV

            Também supostamente à esquerda, seja caviar, ou a ovas de carapau, encontramos a celebridade mediática Joana Amaral Dias.

Na altura em que este texto foi escrito tinha acabado de sair aquilo que segundo a visada foi um chamar de atenção à hipocrisia mediática, em forma de foto nua, com o rapaz por trás, e grávida de uma criança.

Num primeiro tempo chamou-lhe homenagem à gravidez e à mulher. Como um motivo só não chega, vai de expor a hipocrisia dos media.

Entretanto já correram rios de tinta sobre o assunto, que disputou brevemente, a atenção ao preso 33.

Quer-se lá saber das próximas eleições, já todos assumimos que nada vai mudar.

Rios de tinta correram, alguns mais perspicazes que este.

Mercê de uma beleza assinalável, devida aos cabelos louros e sorriso fácil quando não defende a feminilidade dos cidadãos, a senhora Joana Dias embarcou na aventura do Bloco de Esquerda desde a sua fundação, e desde a mesma foi deputada precoce, assinalável pelo tom colorido que colocou em bancadas pejadas de fatos de fazenda cinzenta e azul.

Anos mais tarde militaria nas fileiras presidenciais do senhor Mário Soares, esse revolucionário de esquerda que adoptou inúmeras ideias bloquistas.

Parece que também foi a forma encontrada por esta psicóloga para dar uma pedrada no charco, ter a coragem de fazer algo de diferente, marcar a sua qualidade de mulher, denunciar hipocrisias, ao serviço do mais antigo político em exercício, responsável por políticas progressistas de gaveta.

Ah mulher de têmpera, amazona da coerência!

Tal não foram as ondas de choque provocadas pela sua presença na bafienta política portuguesa, que foram movidas campanhas contra si, a mais célebre, aquela que dava conta de ser proprietária de um veículo de marca Mercedes-Benz e de modelo CLK, uma bomba na altura, e com o qual se deslocaria para o Parlamento não abdicando do subsídio para o passe social dado aos deputados.

Cedo esclareceu esta campanha caluniosa movida por forças obscuras ameaçadas pelo seu brilhantismo.

Ao longo dos anos as suas intervenções mais acaloradas, prenderam-se com os direitos femininos, baseados no argumento recorrente de que tinha de haver acesso e liberdade para melhores condições retributivas para as mulheres, a par dos homens, pois mais mulheres acabavam os cursos nas universidades, e com melhores notas.

Nunca se dignou a explicar o porquê dos homens serem burros ou madraços, nem de clarificar as estatísticas onde se baseava, como professora de Psicologia, nunca foi muito de frequentar universidades de Engenharia.

Confesso que nunca entendi esta concepção de igualdade, uma vez que é estabelecida uma meritocracia baseada na realização académica.

O que significa que a desigualdade salarial é tão inevitável como desejada entre profissões, como entre géneros, especialmente se o género feminino tiver mais 'cabeça' para a 'escola'.

Parece portanto que o mérito académico está irrevogavelmente associado à competência em todos os aspectos da vida laboral, e que por isso os burros ou os mamões devem ter um ordenado digno, mas inferior aos que foram alunos de excelência.

O que é sinistro para quem enverga a máscara de ser de esquerda.

O anti aristotelismo da senhora Joana Amaral Dias sempre a levou a combater vigorosamente todos os estereótipos associados à mulher mesmo alienando metade do eleitorado, o eleitorado masculino.

Boa parte deste eleitorado, efeminado por campanhas de marketing publicitário que cada vez mais se baseiam na flagelação do masculino, aceita bem a Joana Amaral Dias que conhecemos, porque é uma cara bonita aliada a uma inteligência combativa, que faz perdoar todas as diferenças ideológicas que se possam interpor. E por isso nem se considera desconsiderado com as intervenções da frontal Joana Dias, quer porque interiorizou esse cilício interior de que tudo o que é masculino não tem beleza, quer porque é de homem flagelar-se no altar da deusa.

Afinal, homem que não gosta de qualquer mulher não é homem, já o profetizava José Rodrigues dos Santos com as suas carinhas marotas esgalhadas no final do Telejornal quando era moda acabar o mesmo, sempre com passagem de modelos.

A convicção profunda, aliada à sede de protagonismo, não permitem qualquer leitura de hipocrisia no comportamento da senhora Joana Amaral Dias.

Ela acredita mesmo na imagem que acha que projecta. É essa a sua máscara.

Tem de acreditar. Construir mundos nos quais o ego sai sempre à melhor luz, é o trabalho fotográfico que o próprio ego tem de fazer em qualquer pessoa, como forma de sobrevivência, como mecanismo filogenético, que levado ao extremo se designa de mitomania, mas nada como Joana Dias para o esclarecer, em virtude da sua formação.

A Joana, acha que posando nua para uma revista cor-de-rosa, provoca um debate sobre os 'direitos da parentalidade, da maternidade' tão atacados nos dias que correm. Não que Joana Dias não tenha razão. Ao longo do tempo tem quase sempre tido, mas isso também se pode dizer de qualquer demagogo.

A demagogia tem sempre razão. O crime do demagogo é usar a verdade coeva em seu benefício, o castigo é perder a credibilidade, 'ah, é demagogo'.

Joana sabe isto, é autora até de um livro sobre o que os políticos têm na cabeça.

Joana não cometeu nenhum crime, de facto, apenas de gosto. Escarrapachou o mau gosto, aliado ao pudor que ainda temos de misturar política com coisas comezinhas. O problema não foi posar descascada. Foi querer seriedade depois de posar descascada. E foi por antes, ter exigido seriedade aos outros. Mas nós, opinião pública, castigamos Joana pela sua adesão às doutrinas de São Tomás?

Não. O camarada Relvas, teve a audácia a que nos acostumou, de voltar a aparecer no pequeno ecrã, desta feita para comentar o indigente debate do seu amigalhaço primeiro-ministro. Menos vergonha teve a estação televisiva que pagou o favor colocando-o no ar.

Não faço aqui uma comparação entre ambos, minha rica Joana, apesar de tudo.

Ambos padecem das fraquezas do ego. Relvas não acredita no que diz - é apenas um meio - e a vox populi sabe-o.

A vox populi tinha a esperança que Joana acreditasse no que dizia. 

O senhor Relvas é um 'empreendedor', e a malta sabe e aceita.

A Joana tinha a pretensão de seriedade e do hastear da bandeira dos fracos e oprimidos.

A malta acredita mais na malandragem da equivalência académica e do turbo-deputado, que na filantropia desinteressada.

Foi isto que a professora universitária não percebeu.

Para os verdadeiramente interessados no bem comum, quiçá os de esquerda, o parecer é tão ou mais importante que o ser.

A utilização da sua imagem, mesmo que além de uma vaidadezinha ou busca de atenção à la miss esquecida pelos holofotes mediáticos, é o que a malta não lhe perdoa.

Uns sabiam que a manipulação da verdade, isto é, a demagogia, era só fumo. Outros acreditavam mesmo em Joana.

Esses são os que mais a criticam agora que deu o passo para as páginas centrais de uma revista sem conteúdo.

Que um jogador de futebol faça isso, que um cantor coloque um disco  à frente dos seus países baixos, ninguém critica.

Que a Joana, ex deputada arauta dos fracos e espoliados, o faça, lança a sombra sobre as suas intenções.

Queixa-se nas redes sociais (onde os séquitos criam ambientes propícios para mais manifestações de egos magoados, ou nos jornais que procuram sempre a nova polémica) que o que fez foi para chamar a atenção para o conteúdo político das propostas do partido onde agora milita e que ajudou a fundar, esquecido pelos debates com impacto mediático forjados pelas estações televisivas que formam os elegíveis e desde sempre cilindram as forças políticas menores.

Como se no tempo que leva de política Joana não soubesse que é assim a 3ª República.

Além de que, não me lembro de a ter visto descascada em idade mais recuada, logo mais a jeito de atitudes acaloradas, quando puxava pelo Bloco de Esquerda.

Como uma desculpa não chega, criticou os media e a opinião pública por causa de não prestarem atenção ao que publica como académica, mas que se aparecer desnuda não se calam com isso.

Que o seu corpo sem roupa, que a derme à luz do calor do estúdio fotográfico, são os instrumentos para denunciar a hipocrisia que ainda grassa na sociedade burguesa portuguesa.

Que a foto estilizada sem Photoshop, que a foto 'just Joana + partenaire'  serve também para denunciar o direito à maternidade, à paternidade no sentido de direitos laborais atacados pela desregulamentação levada a cabo por este executivo governativo, que faz com que as pessoas não tenham filhos, que as mulheres apertem as mamas para ver se sai leite para provarem que estão grávidas, ou que andem sempre com o credo no coração pois uma gestação é quase sempre sinónimo de despedimento, e Joana mais uma vez tem razão.

Mas não podemos deixar de nos perguntar, qual o elemento em comum, além da genialidade desta académica, para três razões díspares de denúncia, coincidirem nas fotos do corpo nu de Joana.

Como é que o corpo nu de Joana denuncia ao mesmo tempo a hipocrisia de uma sociedade medíocre e mediática, de uma sociedade suicida demograficamente e de desregulamentação laboral,  e de uma sociedade que presta pouca atenção aos académicos e ao que produzem, a não ser para escarrapachar os títulos nos folhetos de propaganda política ou nos jornais como forma de garantir seriedade e atestar competências?

Este, pelo menos 3 em 1, parece o que é, uma desculpa.

A nudez da honestidade, ou a honestidade da nudez teria sido verdadeira se Joana tivesse admitido que estava com saudades de ter as atenções para si voltadas. Que um ego insuflado exige alimento constante.

Joana parece portanto não servir a verdade, mas servir-se dela, não o admitindo. É esse o pecado de Joana Amaral Dias.

O amor ao próximo e a uma sociedade mais justa, parecem ser portanto, não as raízes da sua acção política, mas os meios de colmatar outro tipo de fome.

A verdade é revolucionária, e nem sempre a verdade é a nudez. Neste caso a nudez cobre a mentira.

Pondo de lado estas considerações só resta fazer uma exigência à classe média da boa consciência, bem como um lamento.

A representação da República portuguesa deve ser alterada, o modelo das futuras estátuas de peito desnudo, devem ser feitas a partir de Joana Dias como modelo desses mármores do futuro.

Ela pode aparecer assim como a representação da pureza do nosso regime político, na forma aligeirada de vestes que desde sempre revestiu a propaganda republicana.

Temos de lamentar, que o corpo do cidadão anónimo não tenha igualdade de impacto circunstancial, como o corpo de mulher bonita e inteligente. Embora a inteligência não seja visível na nudez.

Além de anónimos, temos de nos contentar, com a total indigência de poder revolucionário.

Se o tivéssemos, podíamos acompanhar Joana na sua cruzada, e Portugal seria um país mais justo só porque passaríamos o tempo a gastar a pasta de papel obtida nos incêndios de Verão, em revistas panfletárias cujo o único conteúdo seriam fotos dos nossos corpos nus.

Quem é Joana Amaral Dias?

É uma política, professora universitária e activista portuguesa. E é bonita. Mas isso é o que menos interessa, tal como estar grávida. Ser bonita é relativo, estar grávida é uma questão pessoal, aparentemente recorrente no género feminino, e felizmente, comum.

Foi convidada para posar nua na revista 'Cristina' por ser professora universitária?

Não creio, não é habitual ver professoras universitárias descascadas nas revistas portuguesas, embora esteja aberto o precedente.

Tivemos uma professora do secundário, em Mirandela a presentear a beleza das suas carnes ao olhar público, mas é sinal de progresso o aumentar do grau académico dos nudistas, acompanhando o espírito dos tempos, antigamente também exportávamos trolhas para a emigração e agora exportamos médicos e engenheiros.

Também não foi por estar grávida que a convidaram, por certo. Existe muita grávida que facilmente faria o mesmo trabalho de pose, se obtivesse convite. Felizmente a gravidez, embora não nos números desejáveis para um país à beira da extinção, é algo de comum.

Infelizmente nem todas as grávidas posam para revistas.

Parece portanto, que o critério foi a notoriedade.

Porque é que uma Maria de Lurdes Pintassilgo, Odete Santos ou Maria Helena Rocha Pereira não posaram nuas em revistas?

Dirá o pedante, que se calhar não foram convidadas, dirá o perspicaz que se calhar foi porque defendiam a rejeição completa dos lugares comuns em relação à mulher, incluindo a reificação do seu corpo. Mesmo que para supostamente 'defender' um direito à maternidade e ao corpo.

Para Joana não. O estilo, ou gosto é diferente.

Tal como se encontra na festa do Avante, uma ou outra banca de fast food imperialista, na tal lógica de que destruímos o sistema com os trocos do sistema, denuncia-se a hipocrisia do sistema com a hipocrisia do sistema.

Oh sistema que reificas as mulheres, toma lá nas trombas as fotos que denunciam a tua reificação.

 

Joana foi convidada para posar por ser bonita?

Não só. A beleza, felizmente é tão relativa como vulgar.

Se todas as mulheres bonitas portuguesas fossem convidadas a posar nuas, Portugal passaria a ser um dos maiores importadores de pasta de papel do mundo.

Joana foi convidada a posar nua porque ninguém estava à espera que o fizesse.

Se a concorrente de um qualquer reality show aparecesse desnuda, tal seria normalíssimo e esperado, exigível até. Nem provocaria muita curiosidade tal a normalidade com que acontece.

Joana foi convidada porque teve um papel político e mediático, que contrasta, ainda que minimamente com o papel desempenhado num reality show. E por isso ninguém estava à espera o que só aumenta o apetite e impacto do acto de posar. Afinal, 'Cristina' é feita para as vendas.

Joana é convidada porque tinha hype.

O mediatismo é algo que é dado, raramente conquistado.

O relevo político é algo que é conquistado e raramente dado.

Foi a síntese perfeita destes dois factores que brindou a nação portuguesa com a longamente aguardada exposição da intimidade corporal de Joana Dias.

A osmose entre mediatismo e papel político é tal hoje, que não há uma distinção clara entre os dois.

Joana sabe-o. E usa isso a seu favor.

Mas nem por isso desejamos o despir de pudores de personagens truculentas como o senhor Pires de Lima ou o senhor Jorge Coelho, ao lado do senhor Ricardo Quaresma na sua luta cívica pela nudez.

Louvada nas redes sociais, Joana aparece como a heroína da vida privada travestida de questão 'fracturante'.

Aquela que mostra a sua faceta humana além da política, dona do seu corpo enquanto visto por outros, exactamente porque não é uma como as outras, foi feita pelo mecanismo mediático, e pôs-se sempre a jeito disso, alinhando sempre em quase todas as solicitações feitas para diferentes formatos mediáticos.

Mas nunca foi a única a fazê-lo. Se não se critica um político por pertencer a uma direcção de clube de futebol, porque se haverá de criticar uma política de aparecer numa revista de acontecimentos?

A separação dos papeis, é contudo, vista assim, com preocupação. Joana ao desnudar-se cumpriu o mais salazarento cliché, que provavelmente nem a Salazar lembraria.

Daqui para a frente é claro que o tempo de antena de Joana não decorre pelo seu labor político concreto, que o tem, com mérito. Decorre pela sua imagem, ah aquela que apareceu nua, a denunciar não sei o quê e que dá, literalmente, o corpo às balas, perdão, às objectivas.

A ironia reside no carácter pioneiro e inconsciente por parte da personalidade política de Joana Dias.

Se antes, o corpo feminino aparecia em tudo o que era folheto comercial, de berbequins a desodorizantes, de bolachas de cereais a rebuçados, depois de Joana, o corpo feminino serve também para vender mediatismo político.

Político? Politiqueiro.

O simples escrutínio da forma e do conteúdo do comportamento da activista em questão só pode reforçar a ideia de utilização do binómio mediatismo/poder político. O peso político dependendo da visibilidade, e a visibilidade dependendo do peso político explicam cabalmente as razões de Joana.

De todo, não querendo comparar, nem sendo comparável, há contudo que lembrar o caso de uma parlamentar italiana de nome Cicciolina. Acusada de tiques de vedetismo primário, e de contribuir para a redução do prestígio da política do seu país, também Cicciolina se fez arauta da liberdade sexual das suas conterrâneas, dando também ela o corpo ao manifesto.

Na História que se repete como farsa, Joana a esta luz, é mais um prego no caixão da ideia que o destino da mulher não é o seu corpo.

Num aparente golpe de rins em relação à reacção provocada por suas carnes brancas expostas na comunicação social, nas redes sociais e em alguns jornais Joana Amaral Dias insiste no argumento da denúncia da hipocrisia como móbil da sua acção. Como soa bem e de desculpa serve, volta a posar nua, e a utilizar a sua filha por nascer como expressão da sua adesão a um ideal, ou uma denúncia.

Como deve ser lida esta suposta irreverência?

Como a instrumentalização do seu corpo, com a instrumentalização da sua prole, com a instrumentalização do seu sexo.

Joana Amaral Dias, talvez surpresa pelo impacto que teve mediaticamente, que sempre buscou (mas não em doses de cavalo que a erotização de um corpo nu em revista permite), operou uma fuga para a frente.

Politizou o seu corpo, se acreditarmos na sua desculpa, politizou o seu sexo, politizou a sua gravidez, ou seja, politizou publicamente a intimidade que diz defender com o corpo nu.

A politização como forma de ter protagonismo. É a própria Joana que o diz quando se queixa de ter pouca atenção mediática.  

Assim se reificam as convicções, se elas não eram já máscaras.

A Joana Amaral Dias nua?

A Joana Amaral Dias grávida?

Esta raríssima combinação de estados confundiu todos os aristotélicos.

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A máscara e a congruência – Parte 1

9/14/2015

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I

            A máscara é algo de muito interessante.

Na origem era um artefacto destinado a ocultar a identidade do portador.

Simultaneamente a máscara permite a adopção de outra identidade, não só ocultando, mas mostrando outro algo.

O ipsum é duplamente camuflado.

A máscara é o meio operador sobre a imagem ou visibilidade da mesma, que emana naturalmente de qualquer ente que deixe rasto.

Subsumindo, a máscara esconde, e revela outra coisa, que não passa de outra forma de esconder.

Forma negativa, ocultando, e forma positiva, mostrando o tal outro algo.

Como a questão da verdade e da mentira são coisas complicadas, especialmente se como os mais puritanos, tomamos por ponto de honra a adequação da coisa em si à coisa para si, ou à coincidência  da aparência (na forma de discurso) à essência, então devemos supor que a projecção de uma imagem a partir de uma ipseidade só pode corresponder a que essa ipseidade não é o que quer projectar, pois se o fosse não tinha necessidade de mascarar.

Exemplificando de forma popularucha e boçal, o bruto projecta-se como sensível, o fraco como forte, o feio como belo, etc.

Se já somos o que somos, não precisamos de mostrar o que somos se aquilo que somos é o que queremos que os outros querem ver.

Isto torna-se giro, pois quem tanto se preocupa com o que os outros veem, dá por si a efabular loops psicadélicos, como por exemplo mostrar aos outros que não se rala com o que eles pensam, revelando assim a contradição daquilo que pretende mostrar, ou seja, rala-se com o que os outros pensam dele ou dela, e quer que pensem o contrário.

A necessidade de tais ancestrais malabarismos, tão velhos como a humanidade, revela que há benefícios a tirar de um rosto mascarado.

Naquilo que se esconde e no que transmutado se revela.

Um desses benefícios é o do feedback loop. Falta-me o termo adequado em português, lamento o estrangeirismo. O mais adequado na nossa língua talvez fosse ciclo vicioso, mas tal deixaria de lado a tónica egocêntrica do fluxo.

Quem projecta uma imagem para outros verem, recebe em troca algo. Aprovação.

Por sua vez a aprovação é a moeda que compra o valor.

Um bom carro e uma mulher boa e bonita ao meu lado, servem perfeitamente para eu mostrar o meu sucesso aos observadores, e através da sua reacção comprovar fora de mim aquilo que preciso de confirmar em mim próprio, não por crença na minha vida interior, mas porque comprovei lá fora, nos outros, o valor que tenho.

Sejam nestes apêndices ou noutros. Sejam artefactos ou não.

A preocupação com a imagem pública extravasa as intenções meramente higiénicas ou societais.

É uma questão do foro psicológico, bem sombria e angustiante.

E generalizada. Quantas vezes não ouvimos outros e outras assumir com a maior das naturalidades que o valor próprio é aferido de forma mediata, através da reacção dos outros?

Nem vale a pena perder tempo a rebater, que a interpretação da reacção dos outros está toldada pela crença interior que já formulámos para nós próprios.

Por exemplo, se um tipo se convenceu que andar com as cuecas espreitando por fora das calças rebaixadas até meio dos glúteos, então todas as reacções que receber, mesmo que do mais frontal repúdio, vão ser interpretadas de forma positiva como o mesmo estando bem, dentro da moda, sujeito plenamente integrado e sofisticado.

II

            Há uma mistura erótica de insegurança e malandragem no acto de mascarar.

E delicioso e dramático observar como espectador ante peça teatral, a espécie sapiens sapiens no seu afã de dissimulação.

Há máscaras ocasionais e máscaras duradouras. Não deixam de ser máscaras.

Há máscaras que se transmutam em crenças duradouras no sujeito mascarado, em perfeita osmose com o rosto do mesmo, que o mesmo olhando-se ao espelho já não se distingue da sua máscara.

Eventualmente todas as máscaras caem em alguma altura. Mas todas caem.

É preciso atenção pois algumas fazem pouco barulho quando se estilhaçam no chão.

Umas são visíveis, outras nem por isso, correspondendo à habilidade individual de cada um em mentir. Se considerarmos que máscara ou maquilhagem são de facto mentiras.

Outras quando caem fazem grande contraste com o rosto ressequido e inexpressivo que as ostentava, outras ainda, revelam contraste quase nenhum.

III

            Mergulhemos em exemplos concretos.

O secretário-geral do Partido Comunista Português, o senhor Jerónimo de Sousa, herda a representação de um partido central na democracia portuguesa, embora ela lhe seja tão ingrata na forma de tratamento. O legado herdado é demais para as suas costas, mesmo que se diga que é um colectivo que ajuda Sísifo.

Todos os anteriores desempenhantes da função, sempre se caracterizaram por um certo pudor no exercício do culto da personalidade, sublinhando que esse mesmo culto não devia ocorrer de forma a evidenciar uma máscara de individualidade sobre um colectivo.

Isto sempre foi usado por detractores e outros panfletistas para identificar o Partido com um conjunto de aspirantes a Estaline que com a bota de Orwell em '1984' espezinhariam de bom grado a individualidade de rosto humano.

Esta aparentemente inócua posição, é a base da credibilidade de um edifício comunista.

O mesmo não tem os seus pilares na aniquilação de individualidades, mas sim no esmagamento de qualquer personalidade acima das restantes.

Numa época em que as pizzas entregues na casa de um ex primeiro-ministro, são mais importantes que os programas eleitorais para as eleições que se avizinham, resta perguntar se a nossa sociedade, de acordo com as posturas de Cunhal, Carvalhas ou outros, não surge como o perfeito contraponto comunista, na medida em que um político investigado por corrupção centra todas as atenções, especialmente em relação aos que estão em exercício.

A análise sobre as formas como poderia o prisioneiro 33 votar, teve mais tempo de antena no total, que o tempo de antena dado aos 'pequenos' partidos, PCP incluído.

Falamos do PCP porque o camarada Jerónimo surge como sinal dos tempos, pois colapsou todo o esforço de postura anterior por parte que quem o antecedeu.

 Pode-se dizer que o PCP adaptou-se e evoluiu. É uma saída airosa. Uma máscara.

Igual à da explicação que ouvi quando me revelaram os motivos de aceitação de pontos de venda da Pizza Hut e McDonald's no recinto da festa do Avante.

'Somos contra sim, e ainda, mas usamos o dinheiro do capitalismo para lutar contra ele.'

Coitada da mulher de César.

O camarada Jerónimo sucumbe, não por ele, mas precisamente por representar esse tal colectivo.

Quem se lembra da demagogia de publicitário que animaram a propaganda o Bloco de Esquerda quando este se tenta evidenciar como força política?

Lembro-me de olhar para os cartazes do mesmo e pensar que a esquerda usava as armas da direita, a propaganda. Mais tarde isso conduziu ao apetite pelas 'questões fracturantes', enfim.

O peso que vergou Jerónimo, decorre do sucesso da propaganda que se perpetua sobre os comunistas, de serem uns malandros retrógados e reaccionários em relação à leveza do progresso linear, das histórias dos velhos mortos com tiros atrás das orelhas repetidas liturgicamente até hoje.

A cada novo debate televisivo o decano marxista-leninista é tratado como menino de bibe num claro preconceito ideológico bem aceite e reproduzido por grande parte dos cidadãos telespectadores da classe média urbana e civilizada.

Análogo tratamento sofreu Carvalho da Silva, lembremo-nos dele.

Durante décadas a imagem de marca composta à frente dos protestos, das greves, como figura menor, acessória na discussão da retrógrada ideia da luta de classes.

De um momento para o outro fez-se doutorado, e posteriormente convidado e comentador televisivo em boa parte dos assuntos para os quais contribuiu o seu labor sociológico.

A esquerda é tão boa assim, conformada e domesticada, apta a que se lhe passe a mão pelo lombo em tão cínico afago.

O tratamento destes líderes, antes da metamorfose da aceitação, baseia-se sempre num chorrilho de interrupções, de considerações pessoais do moderador, polvilhado com alguns sorrisos de desdém e até alguma má educação (a que os moderadores gostam de chamar 'estilo incisivo' da escola americana que trata os políticos por 'tu').

Este proceder por parte de entrevistadores e moderadores é geralmente e incompreensivelmente negado aos líderes de outros partidos na mesma situação de entrevistados, mas que não matam os velhos com um tiro atrás da orelha.

Há a necessidade de urdir uma lei que garanta a estes líderes espoliados do arco governativo, igualdade de tratamento, sob pena de se poderem sentir discriminados.

Imagino que conscientes disto, os deuses olímpicos do Comité Central, os altos estrategas da política do partido de Jerónimo, tenham divisado uma estratégia de marketing, perdão, estratégia de comunicação na qual o seu líder assumiria o papel do avo lá de casa da política portuguesa, tornando o PCP mais vendável, mais consumível pelas massas, especialmente pelas massas de reformados e pensionistas que constituem a fatia de leão do eleitorado.

Só assim se entende que tenha ocorrido a alteração do foco do apelo, dos jovens, no passado, para os portugueses, no presente. Das promessas de construção dos amanhãs futuros, agora só se pede uma hipótese para compor o desarranjo.

Só assim se deve ler, a ruptura com a postura de recato dos anteriores líderes comunistas.

Assim o camarada Jerónimo não é nada avesso a narrativas na primeira pessoa, facilmente abrindo a intimidade a qualquer objectiva televisiva, participando nos pontos de emotividade fácil, os clichés, as historietas de cordel que os jornalistas hoje compõem em vez de narrativas secas e objectivas.

Tudo apelando à emoção, à moralidade, à hipocrisia.

Os jornalistas viraram realizadores porno manipulando e exarcebando os afectos.

Os grandes planos da cara das crianças, da cabeleira branca e saliva nos cantos da boca dos velhos, dos olhares de perfil, onde se deixa Jerónimo cair, aparentemente sem ter consciência de participar na charada.

Sabemos que se orgulha de saber dançar quando revê imagens das suas presenciais candidaturas no passado próximo, ou quando revela que apanhava camarinha à beira do Tejo, em trajes menores ou sem trajes.

Qualquer líder de um partido revolucionário mencionaria as condições de miséria que levavam crianças de 6 ou 7 anos a passear nos lodos assassinos de um estuário, o camarada Jerónimo prefere apenas mostrar que é apenas um dos demais, embora diferente, enaltecendo ao invés, a maturidade que as crianças já tinham naquele tempo.

Os estrategas de comunicação do Comité Central devem ter divisado uma estratégia de marketing assente nas camadas mais idosas da população. O PCP passou a ser o partido dos velhinhos, nada se diferenciando de outros que eram os maluquinhos das feiras.

Os velhinhos gostam, de receber estas atenções. De sentir que contam para alguma coisa.

Só assim se entende o uso e abuso de ditos, ditados, dizeres e adágios populares, em sintomatologia intensifica depois de peça jornalística que associava a popularidade de Jerónimo por causa desta espirituosidade verbal.

Desde então, carrega Jerónimo nos dizeres e ditos populares.

Incapaz de falar aos jovens de hoje, remete-se este partido a falar aos jovens de outrora, já que não consegue cativar a juventude aos festivais de Verão, que ainda passam pela atalaia para comer uma bifana antes do início das aulas, perde assim Portugal o único partido estruturado de esquerda revolucionária.

A acomodação passa por ceder à ambição das sondagens e das percentagens calculadas.

O poder ainda vai ser nosso se assim decidirem e grão a grão enche a galinha o papo.

O partido de máscara revolucionária que tanto se afirma como diferente, perfila-se como um lago de águas paradas, mascarado com a renovação etária das suas hostes no Parlamento e nas Câmaras, mas com mentalidades de idade gerontófila.

Tudo está bem quando continua bem.

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Cerejeira e Coelho

3/28/2015

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A recente visita do excelso primeiro-ministro da suposta República portuguesa ao Japão, é uma excelente ocasião para um momento de ligeira reflexão.

Ao cidadão exige-se que cumpra escrupulosamente todas as suas responsabilidades, isto é, no emprego dar a cara pelos erros, perante a família assumir e corrigir as suas falhas, perante o Estado pagar e só depois reclamar, perante os bancos ser um relógio a saldar.

As exigências são tais que por vezes temos legitimidade de colocar a questão, se todas estas exigências não desumanizarão o cidadão renomeado de ‘contribuinte’ criando por sua vez um ser reprimido e ressentido, que na intimidade ou na mesa de voto, não escolhe de acordo com uma consciência política amadurecida, mas de acordo com uma raiva incontida na qual prevê castigar os crápulas que todos os dias lhe lembram das suas obrigações inflaccionadas.

Infelizmente poucos cidadãos se parecem ralar em recolocar velhas questões no centro do debate político, como por exemplo, porque tenho eu de ser responsável pela responsabilidade de outrem? Especialmente se ninguém o é pela minha? Que diferença de naturezas existirá para que uns possam decidir por outros só porque em maior número escolheram, num sentido muito peculiar de ‘escolha’?

Concretamente, porque tenho eu, cidadão anónimo, que não votei em Passos Coelho, ou em nenhum dos governos que governam (?) Portugal desde 1974, sofrer na pele as consequências de miséria, empobrecimento, perda de autonomia nacional e completo abandalhamento do Estado Português, intra e extra-muros?

Dirá o cientista político, que é essa a essência da democracia, a sujeição de qualquer minoria à vontade da maioria.

Mas porque não se pode aplicar esse critério de forma abstracta a todos os níveis da vida política e social. A vontade da maioria é não pagar impostos, ou que os políticos não sejam corruptos. A maioria dos políticos não o parece ser, mas a boa parte que o é chega para encher as vistas.

De forma análoga em que as Finanças encaram cada cidadão que se atrase ou em dificuldades, como em prevaricador de mil ardis. Excepto alguns VIPs.

Porque é que no país do outrora e saudoso utilizador-pagador, não se estendeu o conceito a uma reciprocidade entre eleitos e eleitores? Não só o voto devia ser de conhecimento de todos, como apenas os eleitores que votaram em determinados eleitos deveriam sofrer as consequências desses eleitos. Poder-se-á argumentar que isso daria origem a estados dentro do Estado, mas já é isso que temos, se não no papel, pelo menos na prática, onde a formalização apenas tornaria o sistema mais honesto.

Isto é mas é tudo uma grande treta, uma hipocrisia de todo o tamanho, na qual a maioria não se importa de viver. Até nisso temos de nos conformar.

Não podemos partir nada, evocar desobediência civil, ou partir para a violência contra um Estado tomado por interesses contrários ao da maioria que os legitimou (irónico) que teremos logo a resposta na ponta dos bastões e do gás lacrimogéneo de forma a proteger o bem-estar da maioria. Dupla ironia.

As massas influenciadas por aspirações artísticas preferem exprimir o descontentamento através do voto contra os outros do campo político oposto, ou ir cantar em frente a residências oficiais.

Aos mais exaltados ensinam que as regras do jogo são imutáveis e inquestionáveis, tens de te submeter à maioria, e só através do voto. Tás chateado? Não votes nele nas eleições.

Esse voto simbólico parece pouco ou nada, comparado com os gestos reais como desemprego, precariedade de trabalho, falta de assistência social mesmo e apesar dos meus descontos, e crescente privatização de toda a esfera de vivência social.

Faz lembrar a história de que o tipo que levava com um cajado nas costas por parte de um vizinho violento, antes de morrer na calçada por causa dos traumatismos se ia queixando que já não lhe emprestava a mota por estar a trata-lo mal.

Outra história absurda e ao mesmo tempo patética passou-se na visita do nosso mais novo honoris causa. Confesso que fiquei surpreso com tão imediata ascensão de um tipo que me habituei a ver na JSD, repetindo cassetes de ano para ano, mesmo quando era cabeça de cartaz nas reuniões estudantis que partilhámos.

Doutor de verdade e primeiro-ministro, é normal que a coisa lhe suba à cabeça.

No Japão, quem sabe por causa de um embaraço interior emergente de uma introversão com que não brinda os opositores no Parlamento, desabafou que talvez a sua chegada ao país do Sol Nascente pudesse acelerar a chegada das flores de cerejeira.

Das duas uma, ou o senhor Passos Coelho acha que o seu cargo lhe confere um poder telúrico, que ele próprio manda na Natureza e nas estações, ou então eu quero fumar o mesmo que ele fuma.

Já para não falar do incidente diplomático provocado que motivou protestos das associações de borda d'àgua nipónicas.

Mas após mais uns segundos de visionamento, percebemos mesmo que o homem não sabia o que dizer, pois só tem como meio de comparação para o artefacto tecnológico que lhe é apresentado, o critério preferido dos patos bravos, o carro. O carro barato.

Mais à frente ao provar o chá, lá desabafa que não é candidato à Casa Branca, numa alusão à visita da esposa de Obama, ao mesmo cerimonial do chá uma semana antes.

Ficamos sem perceber se Pedro, confunde a mulher de Obama com a mulher de Clinton, provável freudianamente por causa dos vocábulos ‘Casa Branca’, ou se sabe mais da política americana que aquilo que quer admitir, especialmente no concernente às intenções políticas da mulher de Obama.

A explicação mais natural, parece ser mesmo a de que não sabia o que dizer, na viagem ao Japão a tentar seduzir empresários japoneses para a nação que se pode tornar na mais competitiva do mundo.

Pergunta-se, temos mesmo que nos responsabilizar pelo voto das pessoas que o elegeram?

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